Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

No Mínimo


DIRETÓRIO ACADÊMICO
Ricardo Kotscho


Jovens mestres do mundo virtual, 31/3/06


‘Nas voltas que a vida dá e leva, semana passada a esta mesma hora da manhã
de quinta-feira estava escrevendo na redação do NoMínimo, no Outeiro da Glória,
de onde se tem uma belíssima vista do Rio, que acabou sendo o tema da coluna.
Hoje, vou aproveitar para falar de Fortaleza, aonde vim para participar do
Seminário Comunicação e Cultura promovido pela Secretaria da Cultura do Ceará.


O tema da minha palestra é ‘Cultura e Novas Tecnologias’, o que me permitirá
falar sobre a experiência aqui no site, uma aula prática de jornalismo
interativo. A coluna sobre o Rio, por exemplo, me permitiu descobrir como a
cidade ainda é muito querida, apesar de tudo, por cariocas adotivos espalhados
por todo o país e até pelo exterior.


Mais de uma centena de leitores me escreveu não só para comentar a coluna,
mas para contar sua própria história de amor pelo Rio ou para falar de mazelas
sobre as quais não escrevi. A internet, vou dizer daqui a pouco no seminário,
criou uma nova relação entre jornalistas e leitores, emissores e receptores de
informação em geral.


Na internet a comunicação deixou de ser um monólogo, em que alguns donos da
verdade decretam o que os outros devem saber e pensar, para se transformar num
diálogo permanente, em que todos se manifestam, opinam, criticam, lançam ou
derrubam idéias. Ao sair da sala de imprensa do Centro de Convenções Edson
Queiroz, no antigo bairro da Água Fria, próximo ao Parque Cocó, para tomar um
café e fumar um cigarrinho, dei de cara com uma pessoa que não via há muito
tempo, prova viva de que há um intenso processo de democratização das
informações no país.


Conceição Rosa de Lima, jovem senhora de cabelos brancos, é uma das
responsáveis pelo sucesso da Adital, uma agência de notícias alternativa
colocada no ar há cinco anos. Vim ao lançamento da agência a convite do padre
Hermano, veterano batalhador das causas sociais que encontrou na internet um
campo fértil para defender e difundir seus ideais. ‘Nós agora só temos um
jornalista contratado, lutamos com a falta de recursos. Eu sou apenas uma dona
de casa, mas adoro o trabalho que estou fazendo lá’, conta Conceição em meio ao
burburinho de jovens que lotaram os 900 lugares do auditório.


Quando voltei para o computador, já tinha uma turma animada em volta de Artur
Matuck, meu colega de faculdade na primeira turma da ECA-USP (Escola de
Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo), hoje pós-doutor em Arte e
Tecnologia (pela Universidade Carnegie Mellon, em Pittsburgh) e pós-doutor em
Cultura Eletrônica (pela Universidade da Flórida). Até hoje não consegui me
formar, e Matuck já é pós-doutor duas vezes, coisa que eu nem sabia existir…
Tive que vir ao Ceará para descobrir isso.


O entusiasmo dele ao mostrar seus trabalhos gráficos aos jovens era tamanho
que nem reclamei da sem-cerimônia com que tomaram meu instrumento de trabalho.
Conceição e Matuck, cada um a seu modo, construíram seu próprio caminho fora da
mídia tradicional graças às novas tecnologias que, a cada dia, permitem a
incorporação de novos atores neste imenso palco virtual em que a platéia já não
se limita a aplaudir ou vaiar, mas quer cada vez mais participar do espetáculo.


Queria falar de Fortaleza, mas acabei me empolgando com o clima do seminário
que conseguiu reunir durante três dias, das oito da manhã às oito da noite,
entre dezenas de outros convidados ilustres, o erudito diplomata e acadêmico
Sergio Paulo Rouanet e o fantástico animador cultural Alemberg Quindins, diretor
da ong Fundação Casa Grande, que eu conheci no sertão cearense em 2001 quando
estava fazendo mais uma matéria sobre seca para a ‘Folha de S.Paulo’.


No meio da desgraça de uma estiagem que assolava os sertanejos da Chapada do
Araripe, na divisa dos estados de Pernambuco e Ceará, encontrei Quindins a mil
por hora tocando projetos de teatro, cinema, revistas, rádio e televisão no
oásis que plantou em Nova Olinda. Pequeno detalhe: tudo criado e produzido por
crianças e adolescentes.


Para não dizer que não falei de Fortaleza, aqui o povo continua hospitaleiro
como sempre, sol e chuva se alternam intermitentemente, brisa morna que vem do
mar, prédios altos brotando por todo lado, as jangadas, os quiosques e o mercado
do peixe resistindo no mesmo lugar, de Iracema a Mucuripe, a cidade nova e a
velha convivendo pacificamente, sem perder o jeito manso e divertido de ser do
cearense.


Agora só falta aparecer uma das gentis moças da organização do seminário para
me ajudar a transmitir esta coluna para os editores – as novas tecnologias têm
essa vantagem adicional de inverter o processo de aprendizado e fazer com que os
jovens ensinem os mais velhos a caminhar nesse mundo
internético.’




O PENSADOR CHALITA
Mario Sergio Conti, 26/03/06


Gabriel Chalita: fracasso


‘Um amigo, que costuma votar em candidatos tucanos, sugeriu que eu lesse e
escrevesse a respeito da obra de Gabriel Chalita. O argumento dele é que os
livros de Chalita poderiam revelar, por tabela, alguma coisa do pensamento e da
ação de Geraldo Alckmin, o candidato do PSDB à presidência. Seria útil, disse o
amigo, comparar as idéias de Chalita sobre educação com a de outro intelectual
tucano que estuda o assunto, o filósofo José Arthur Gianotti. Conhecendo meu
espírito de porco, ele alertou: ‘Tem que ser um artigo sério, sem ironias’.


Achei boa a idéia. Em suas entrevistas de candidato, o governador de São
Paulo diz que é contra a distribuição de renda, apesar do Brasil ser um campeão
em desigualdade. No seu raciocínio, a distribuição de renda deve ser feita por
meio da melhoria da educação. Seria útil, então, analisar as idéias do político
que ele colocou à frente da secretaria estadual da Educação, para vislumbrar o
que está na base do pensamento do tucano em relação ao tema.


O que eu sabia de Chalita era quase nada. Sabia o que Diogo Mainardi contou
em sua coluna na ‘Veja’, há uns dois meses. Que, aos 36 anos, publicou 39
livros, o primeiro deles aos doze. Que sua última obra é uma biografia da mulher
de Alckmin chamada ‘Seis lições de solidariedade’.


Comprei cinco livros de Chalita. Concentrei-me nos de educação: ‘Histórias de
professores’, ‘Pedagogia do amor’, ‘Educação – a solução está no afeto’ e
‘Educar em oração’. Não resisti e comprei também a biografia de Lu Alckmin.
Gastei 194 reais. Seus livros não ficam na estante de educação. Estão na de
auto-ajuda, ao lado de um autor chamado Içami Tiba. Procurei o único livro de
auto-ajuda que li, ‘Como fazer amigos e influenciar pessoas’, de Dale Carnegie.
Estava lá. Está lá desde 1936, quando foi lançado, ajudando gente a fazer amigos
e influenciar pessoas.


***


Aí a ‘Folha’ e o ‘Estadão’ publicaram anúncios com Chalita. Anúncios de
página inteira. Com uma baita foto do autor. Nele, a editora Gente, que ninguém
conhece, celebra a entrada do seu autor na Academia Paulista de Letras. Atenção,
não é a Brasileira, que dias antes elegera o cineasta Nelson Pereira dos Santos
para ascender ao panteão dos imortais, é a Academia Paulista de Letras. O
prefeito do Rio, Cesar Maia, disse que a propaganda era de estarrecer. ‘Uma foto
de camisa azul e pose de dândi, quase galã, com rosto liso, cabelo arrumado,
laquê suave e relógio de pulseira combinando com a camisa. Nem Paulo Coelho ou
agora Nelson Pereira dos Santos mereceram tanto. No mínimo a editora Gente
deveria ser auditada em suas relações com o setor público’. Um publicitário me
informa que as páginas nos jornais paulistas devem ter custado, por baixo, mais
de 300 mil reais. Como diz o outro: aí tem.


Tem politicagem. Cesar Maia, aliado de José Serra, ridicularizou o anúncio
porque Chalita foi um dos mais atilados defensores da candidatura de Alckmin. O
secretário da Educação disse que Serra não poderia sair da prefeitura para
concorrer à presidência porque o seu cargo passaria para as mãos do
vice-prefeito Gilberto Kassab, do PFL, o partido de Cesar Maia.


Tem mais politicagem. Diante da repercussão ruim dos ataques de Chalita ao
PFL, e do seu anúncio extravagante, assessores de Alckmin se apressaram a
informar, em off, que o secretário da Educação não teria nenhum papel na sua
campanha à presidência. E muito menos num eventual ministério do tucano. Já
Chalita procurou gente da imprensa para reclamar da maneira como vinha sendo
tratado. E passou a espalhar que será candidato a senador.


***


A essa altura, me arrependera de ter gasto 194 reais nos livros. Não há nada
mais chato, e desimportante, que as querelas entre PFL e PSDB, secretário de
Estado e vice-prefeito, candidatos a isso e aquilo. Tudo lixo. Eu olhava os
livros, os livros me olhavam, e nada. Não passava das capas, das contracapas e
das orelhas, nas quais Chalita sorria, segurando o queixo, o cabelo com laquê, o
ar de bom moço, de genro que uma senhora de Santana pediu a deus.


Criei coragem. Movido pela curiosidade, comecei por ‘Seis lições de
solidariedade com Lu Alckmin’. Curiosidade despertada por uma reportagem de
Eliane Brun e Ricardo Mendonça, na revista ‘Época’, sobre os laços de Alckmin
com a Opus Dei. Os repórteres entrevistaram um primo de Alckmin, o qual diz que
a relação do governador com a prelazia do Vaticano ‘se iniciou com a necessidade
de anulação do primeiro casamento de dona Lu Alckmin. ‘Ela casou-se e foi para
Londres com o marido. Quando chegou, descobriu que ele vivia numa comunidade
hippie. Voltou para o Brasil e namorou meu primo’, conta. ‘Como meu tio é muito
católico, queria um casamento religioso. Foi aí que entrou o Opus Dei, para
obter a anulação.’ A prima Maria Lúcia nega que a Obra tenha intercedido junto
ao Vaticano. ‘Foi um reconhecimento de nulidade do matrimônio e não vejo nenhuma
possibilidade de o Opus Dei ter definido isso’, afirma’.


Conseguir a nulidade de um casamento católico é um processo longo e
intrincado. O Código Canônico é rígido. Ele admite a nulidade em situações bem
específicas. O rapto, a incapacidade sexual de uma das partes, o
homossexualismo, a imaturidade, a ausência de batismo, ou da idade legal, de um
dos cônjuges, são motivos de anulação. Eles têm que ser provados num tribunal
vaticano. O que teria Chalita a relatar sobre a experiência de Lu Alckmin com o
assunto?


Ele não tem nada a dizer. ‘Seis lições de solidariedade’ não tem uma palavra
sobre comunidade hippie em Londres, o primeiro casamento da senhora Alckmin e a
sua anulação. O livro não merece comentário. Como ele não trata de educação, e
me impus não ser irônico, não há o que escrever a seu respeito.


***


Enfrentei os outros livros. Das primeiras às últimas páginas. Com
dificuldade. Também não tenho o que declarar a respeito deles. Eles não se
prestam à análise. De nenhum tipo: filosófica, estilística, sociológica,
literária. Não há como abordá-los. Chalita e eu não pertencemos ao mesmo
universo. Não que eu seja superior a ele. Chalita representa os tempos que
correm, é um político de sucesso. Eu não tenho nada a ver com isso.
Fracassei.


Cabe apenas uma observação, tangencial ao tema. O PSDB nunca chegou a ser um
partido. Foi um agrupamento de caciques regionais, que cedeu a legenda à escória
que forma a base da política nacional. Entre os caciques, havia homens públicos
de experiências diversas. Gianotti e Fernando Henrique Cardoso foram
intelectuais representativos da USP. José Serra foi líder estudantil, teve de se
exilar, estudou em boas universidades. Mario Covas teve ligações com sindicatos
de Santos, foi cassado. Não discuto a política que eles defenderam e praticam. O
PSDB deles acabou. O que resta agora é o PSDB de Alckmin, Chalita, da turma de
Pindamonhangaba.


***


Para não desperdiçar totalmente o que gastei nos livros de Gabriel Chalita,
transcrevo adiante alguns dos seus trechos. Bom proveito.


‘Ser professor é semear em terreno sempre fértil e se encantar com a
colheita. Ser professor é ser condutor de almas e de sonhos, é lapidar
diamantes.’


‘Já se tentaram várias fórmulas, regimes políticos e sistemas filosóficos
para organizar de outro modo o triângulo pai-mãe-filho. Os comunistas tiveram
suas novidades nesse sentido. O nazismo ensaiou o plantel dos espécimes
perfeitos. Nada substitui o velho lar. A educação por conta do Estado e de
instituições não funciona. A falência do sistema família-lar, pai, mãe, filhos
solitários, passou a ser comum a partir não somente da liberdade sexual, isto é,
do sexo sem repressão, como também da separação pelos cônjuges, aceita ou
tolerada, entre sexo e amor.’


‘Não há fórmulas nem receitas; cada um de nós deve cultivar o discernimento
para saber se curvar como o caniço ou manter-se firme como o carvalho.’


‘Ninguém foi obrigado a seguir Cristo, não havia lista de presença nem
chamada, e mesmo assim, a multidão se encantava com seus ensinamentos – ele
tinha o que dizer e acreditava no que dizia, por isso foi tão marcante.’


‘A educação física, como bem diz o nome, é uma educação para o trabalho com a
habilidade do físico, do corpo, da mente.’


‘A vida em sociedade é necessária e essencial. O ser humano não consegue se
desenvolver sem o outro. As relações são difíceis, complicadas, mas ninguém
duvida de que não há como viver sem elas.’


‘O amor é um sentimento nobre que tem a capacidade de fazer a pessoa humana
feliz. Todos nascem para a felicidade, esta é uma verdade universal.’


‘Não podemos esperar que as novas gerações modifiquem o que está errado se
não despertarmos para o fato de que cabe a nós, desde já, dar o exemplo. Para
isso, nossos pensamentos e ações devem ser um misto de altruísmo, capacidade de
doação e amor ao próximo.’


‘As mulheres do sertão, mesmo as que moram na roça ou na periferia das
grandes cidades, são como sacerdotisas de uma ordem extremamente rígida, que
exige lágrimas diárias como prova de fidelidade e devoção. Na Região Nordeste, o
ritual das lágrimas se prolonga numa espécie de comoção coletiva. As mulheres se
juntam para rezar o rosário e entoar cânticos, louvores e promessas feitas em
uníssono. E assim, gradativamente, vêem o chão se molhar não com as esperadas
gotas de chuva, mas com as lágrimas que traduzem emoção e esperança.’


‘Temos em Cinderela um dos ícones dos injustiçados e dos oprimidos. A
representação de uma mártir capaz de suportar e, no final do seu calvário,
sobrepujar as injustiças e os sofrimentos mais diversos, ocasionados pela
rivalidade fraternal e pela maldade – vilanias que se configuram como as
temáticas centrais do conto ao lado de seu contraponto, a bondade. Em meio a
esse turbilhão de provocações, Cinderela permanece pura de coração.’


‘O conhecimento é humilde. Quanto mais se conhece, mais se percebe o quanto
falta para alcançar seu cume. Lugar que talvez nunca seja atingido, embora isso
não nos dispense da subida. O cume nos aguarda como a flor aguarda o beija-flor,
e como a noite aguarda a aurora.’


‘Vejo meus amigos reclamando da falta de atenção de seus pais. Tenho amigos
que não têm pai. Outros, que não têm mãe. Outros, que têm os dois, mas não têm
nenhum. Vão crescendo sem afeto, sem cuidado, sem presença. E é difícil viver
assim.’


‘Juventude é juventude. Ontem. Hoje. Sempre. Jovens destemidos em posição de
batalha. De batalhas corretas. De temas certeiros. De desbravadores que não se
deixam abater pelas feras que rondam a travessia. Se é preciso enfrentá-las,
dizem presente, os que são jovens.’’




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