Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O ataque à defesa

Todo mundo, inclusive este colunista, ficou indignado com o fingimento de Suzane von Richthofen, que confessou ter ajudado a matar pai e mãe, orientada por seus advogados. Foi chocante – mas só até pensarmos um pouco no assunto.


Em primeiro lugar, a gravação das instruções dos advogados à jovem, se desmascarou a tática de simulação da defesa, também violou uma prerrogativa básica da democracia: o sigilo da comunicação entre o advogado e seu cliente. Nem a polícia, nem a Justiça podem invadir este sigilo; no entanto, ele foi violado por uma empresa privada e divulgado amplamente para todo o país (ver aqui artigo do advogado Paulo Sérgio Leite Fernandes para a revista eletrônica Consultor Jurídico). Em segundo lugar, simular é um direito da ré, e montar a simulação é um direito dos advogados de defesa. Pode até ficar feio, a opinião pública pode não gostar, mas é lícito.


Esta é uma parte da história. Outra é uma série de atitudes tomadas por Suzane: pedir cidadania alemã (o que não tem nenhuma importância real, mas nesta situação joga a opinião pública contra ela); pedir dinheiro da herança deixada pelos pais de cujo assassínio é acusada; pedir o afastamento de seu irmão da administração dos bens da família. Essa preocupação com dinheiro lança uma sombra ainda maior sobre ela: teria sido este um dos motivos que a levaram ao crime?


Resta uma reportagem que ainda não foi feita (e que Luís Nassif – ver aqui dois artigos do jornalista – vem reclamando): esta é Suzane von Richthofen ou uma personagem criada pelos advogados? Não caberia ao juiz examinar esses atos? Pois, se foram sugeridos por seus advogados criminais – do que este colunista duvida – pode-se até chegar à situação de declará-la indefesa e nomear novos patronos.




Sigilo bancário? Que sigilo?


Um excelente tema de debate é proposto pelo engenheiro Pedro Meinrath, fiel leitor desta coluna. Quando se discute a violação do sigilo bancário do caseiro Nildo, diz Meinrath, fala-se de algo que não existe mais. ‘Há muitos anos não se tem privacidade em contas bancárias no Brasil. Todo mês os bancos informam o movimento das contas de qualquer tamanho quando repassam às autoridades o montante do recolhimento do CPMF. Ou seja, cada cheque que você solta ou recebe é monitorado’, observa Meinhardt. Sigilo bancário? Que sigilo?


E não é só isso. Depósitos ou retiradas maiores são informados às autoridades, de acordo com a lei. Remessas internacionais acima de 3 mil dólares são examinadas. O movimento dos cartões de crédito é monitorado pela Receita Federal.


Este colunista não entende nada de cruzamento de dados, mas fica-lhe a incômoda sensação de que Pedro Meinrath está absolutamente certo: que o tal sigilo bancário não existe e já faz tempo. Pior: que mandar um subalterno levantar um extrato é pura perda de tempo. É como mandar um motoboy buscar do outro lado da cidade um texto que já está na tela do computador.




Um lado só


A ONG Transparência Brasil acaba de abrir um blog, Deu no Jornal, dedicado a notícias sobre corrupção. O blog se baseia exclusivamente no que foi publicado. Mas surge um problemão: e quando os jornais publicam notícias erradas?


Recentemente, a reportagem de um grande jornal não compareceu a um determinado julgamento, e escreveu (matéria assinada, ainda por cima!) com base exclusivamente nos dados deliberadamente distorcidos transmitidos pelo promotor – que, como acusador, é parte interessada. Ninguém mais foi ouvido. Houve erros sérios de informação, que exigiram longa carta de correção. Pois bem: como é que fica o blog quando acontecer algo desse tipo?


Pior: como o blog vai funcionar com base num banco de dados, com quem é que se conversa quando houver erros? E quando uma das partes for visivelmente prejudicada por uma reportagem unilateral?


É um tema que merece debate: como evitar que uma boa iniciativa se transforme num instrumento de ataque aos acusados.




Brilhos da imprensa


1. De um grande portal, ligado a um jornal importante: ‘PMs acusam morto de ter atirado neles’.


2. De outro portal importante: ‘Jovens e minorias utilizam celular de forma diferente’. Este colunista já tinha ouvido falar de uma minoria que estaria utilizando o toque vibratório do celular de forma diferente, mas sempre imaginou que se tratasse de piada.


3. De todos os meios de comunicação, frase do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos: ‘Estou absolutamente confortável no ministério’. A expressão normal, em português, é ‘à vontade’. Mas a mania de imitar americano faz com que as pessoas ‘feel comfortable’, sintam-se confortáveis.




Da série ‘E eu com isso?’


1. De um portal grande: ‘Xuxa e Sasha ‘inauguram’ montanha-russa na Disney’. Mas não pára por aí: somos informados também de que Xuxa e Sasha se divertiram na Disney. E que a informação não foi levantada pelo próprio veículo – o que, convenhamos, é cada vez mais difícil: sua origem é a própria Xuxa.


2. De outro portal: ‘Os filhos de Madonna, Lourdes e Rocco, assistem aos shows particulares da popstar’. Aliás, os filhos de qualquer pessoa, pelo menos enquanto não têm condições de reagir, assistem aos shows particulares dos pais.


3. De um jornal importante: ‘Os apresentadores do Jornal Nacional passam o domingo com os filhos no cinema’.


4. De um portal (a internet é fantástica para dar esse tipo de notícia): ‘Gwen Stefani vai ter uma menina (…) O chá de bebê (…) teve decoração rosa, o que confirmou o sexo do bebê’.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados