Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O caso Jango

Na última semana, os principais jornais, com destaque para O Globo e a Folha de S.Paulo, não economizaram esforços em dar visibilidade à confissão, 31 anos após, do ex-agente agente uruguaio Mario Neira Barreiro a respeito de sua participação direta no assassinato do ex-presidente, exilado, João Goulart, falecido em 6 de dezembro de 1976. É certo que, no mínimo, é mais que estranho o fato de três lideranças políticas, ao longo de 10 meses, entre agosto de 1976 e maio de 1977, haverem morrido, em circunstâncias estranhas: Juscelino Kubitschek, em 22 de agosto de 1976; João Goulart, em 6 de dezembro de 1976 e, por fim, Carlos Lacerda, em 21 de maio de 1977.


Sem descartar a hipótese da relação entre as mortes e a Operação Condor, o que a mídia deixou de abordar é o contexto político atual. É antiga a lição quanto ‘a quem interessa’ quando determinado ‘tema’ surge na mídia. Claro, o acaso existe. Todavia, não é menos verdade que o ‘caso insiste’. Particularmente, sou favorável à tese de que as três lideranças foram eliminadas. Contudo, pergunto-me se a ocasião de trazer à tona um ‘réu confesso’ a respeito da morte do ex-presidente João Goulart não tem em mira a promoção de crise entre o governo Lula e as Forças Armadas.


Vamos especular com a devida isenção: ante a declaração peremptória, a despeito da ausência de provas, do agente uruguaio, que papel compete ao governo federal? Qualquer que seja sua intervenção (ou ausência dela), o resultado é desgaste. Se nada fizer. Não há saída, fora da ‘saia-justa’. Em caso de o governo se omitir, passa por comportamento suspeito. Se o governo optar por rota de aprofundamento, indispõe-se, claramente, com setores das Forças Armadas. E aí? Até onde pude acompanhar as matérias publicadas, não percebi, em nenhuma, uma atitude mais incisiva da mídia no tocante a pressionar o depoente.


No ar


O fato, a rigor, expõe um daqueles casos em que a mídia tem de saber o que, efetivamente, está fazendo – e mais: em que situação política se está envolvendo. Que o fato tenha apelo jornalístico é inegável. Todavia, também não será reconhecível, por parte da mídia, que o momento histórico da vida brasileira, talvez, não seja o mais adequado para a exposição, na intensidade na qual se deu, de algo tão delicado?


O que pontuo não é a ‘censura’ e sim a ‘ascética’ neutralidade com a qual a mídia conduziu a cobertura das declarações do depoente. Recordo-me, por exemplo, que, em 1996 (20 anos da morte de JK), apenas a revista Caros Amigos fez extensa reportagem a respeito das circunstâncias obscuras que envolveram o acidente que vitimou JK.


À época, não faltou testemunha que declarasse ter ouvido, antes da colisão, um ‘barulho’ que tanto parecia explosão quanto estampido. Na matéria, constava o depoimento de que o Opala no qual estava JK vinha atrás de uma carreta dentro da qual podiam estar atiradores que, abrindo a porta, teriam atirado no motorista. O carro desgovernado teria, então, atravessado a pista e colidido com o ônibus da Cometa.


Claro, são versões. A questão é: a grande imprensa, na ocasião, deu o mesmo destaque, ou o ‘fato jornalístico’ ficou circunscrito à reportagem da Caros Amigos? Enfim, a questão fica no ar e cada qual, sobre ela, pense. O que importa é a tentativa de o cidadão brasileiro educar-se para a autonomia de seu olhar. Esse é o grande e efetivo fator consolidador da democracia. Cada consciência, ciente de seu poder crítico, determinará o paradigma midiático.

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Ensaísta, articulista, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor titular de Linguagem Impressa e Audiovisual da Facha, Rio de Janeiro