Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O Estado de S. Paulo

GEORGE ORWELL
Beatriz Coelho Silva

Homenagem de Orwell à Espanha

‘Há 70 anos começava a Guerra Civil Espanhola, um conflito que durou apenas três anos, mas marcou toda uma geração dentro e fora da Europa. A Espanha do final dos anos 30 acabou se tornando o palco do enfrentamento das principais ideologias do século 20. A guerra começou em 18 de julho de 1936, quando o general Francisco Franco deu um golpe de Estado para pôr fim à república proclamada cinco anos antes com um projeto de modernizar o país, ainda com resquícios de feudalismo e mesmo da Inquisição.

Após o anúncio de que Franco tinha abandonado seu posto nas Canárias, houve um racha em cada região, em cada grande cidade espanhola. Dentro do campo republicano, lutavam anarquistas, stalinistas, trotskistas, socialistas e democratas. Ao lado de Franco encontravam-se monarquistas, fascistas, anticomunistas e católicos fervorosos. Nem todos eles espanhóis. Essa foi outra característica marcante dessa guerra que atraiu milhares de voluntários estrangeiros, entre eles George Orwell.

Esse aniversário quase passaria em branco no Brasil, não fosse o lançamento de Lutando na Espanha (Editora Globo, R$ 45,00), que reúne os principais textos do autor de 1984 e Revolução dos Bichos sobre o conflito que resultou numa ditadura que duraria quatro décadas. A edição reúne os dois livros sobre sua passagem pelo front e por Barcelona, Homenagem à Catalunha e Recordando a Guerra Civil Espanhola. São relatos de um confronto-chave entre esquerda e direita, tão contundentes quanto o quadro Guernica, em que Pablo Picasso desenhou o terror de um bombardeio ocorrido no País Basco, naquele mesmo conflito.

‘O que diferencia esta edição é o respeito à última vontade do autor, expressa por escrito. Ele transformou em apêndices dois capítulos em que mapeia o cenário político da guerra. Com isso, alterou o gênero de literatura. Antes, era um misto de romance, reportagem e análise política. Depois, adquiriu uma estrutura romanesca, embora conte uma história real’, adverte o organizador do livro, Ronald Polito, historiador e poeta especialista em traduzir escritores espanhóis e catalães. Além dos dois livros, há 25 textos avulsos sobre sua passagem pela Espanha, a maioria inédita em português.

Homenagem à Catalunha (aqui sempre editado com o título Lutando na Espanha) é o relato apaixonado de um inglês intelectual e aristocrata, que vai à Espanha como correspondente de guerra e, no dia da chegada, alista-se nas milícias do Partido Obreiro da Unificação Marxista (Poum).

Orwell chega à Catalunha, no fim daquele ano e permanece quatro meses no front e mais alguns em Barcelona, capital da revolução. Só que a guerra que encontrou não era a de seus sonhos de heroísmo, ‘de matar um direitista’. Aos 33 anos, se alista em um exército em que o ardor revolucionário não supre a falta de armamentos ou de experiência em combate. ‘Os recrutas eram na maioria garotos de 16 ou 17 anos, da periferia de Barcelona, mas completamente ignorantes do significado da guerra’, escreve ele logo no primeiro capítulo. ‘Era impossível até mesmo fazê-los permanecer em fila… Se um homem não gostasse de uma ordem, saía das fileiras e discutia ferozmente com o oficial.’

Mas o carinho por aqueles companheiros impregna o relato, mesmo quando Orwell se irrita com os hábitos espanhóis, em geral, e catalães, em particular. Ele se admira com as mudanças nas relações sociais em Barcelona, nos meses iniciais da revolução, exalta a generosidade dos revolucionários e, mesmo quando fica claro que aquele projeto se esfacelaria, que aquela revolução morreria logo, faz sua profissão de fé no socialismo. Manteria esta posição até a morte, apesar da condenação à Revolução Russa, que naquela década de 30 tinha Josef Stalin como líder. Por sinal, foi na Catalunha que Orwell sentiu na pele a força dos stalinistas. Grupos sob a influência direta de Moscou perseguiram de forma implacável vários membros do Poum.

O pessimismo de 1984 e Revolução dos Bichos não está nos dois livros principais, embora ambos sejam relatos de uma derrota. Uma narrativa que prende o leitor como um thriller, na qual Orwell descreve, como um mestre, pessoas, lugares e batalhas (as poucas que acontecem), cita números e nomes envolvidos no conflito e faz a emoção transbordar o tempo todo. ‘Como gênero literário, é vanguardista, faz um jornalismo que só se tornaria comum nos anos 70, em que o repórter se envolve com o fato, sem perder a objetividade’, diz o organizador do livro.

Polito acredita ainda que, a Guerra Civil Espanhola foi um laboratório para os dois best-sellers de Orwell. ‘Há referências claras, quando ele confessa seu horror a ratos, o mesmo expediente usado para derrotar os protagonistas de 1984’, diz Polito.

TRECHO DO LIVRO

‘Havia sempre entre nós certa porcentagem que era totalmente inútil. Garotos de 15 anos eram trazidos pelos pais para se alistar, sem esconder que o faziam por causa do soldo do miliciano, dez pesetas por dia, e também por causa do pão que a milícia recebia em quantidade e que podia ser contrabandeado para a casa dos pais.’’



TELEVISÃO
Keila Jimenez

Os amigos da onça vêm aí

‘Tuiuiús, onças-pintadas, crocodilos, longos banhos de rio e um amor impossível entre uma pessoa da cidade grande e um ser criado em um mundo totalmente selvagem. Não, ninguém vai reprisar Pantanal (1990) da extinta TV Manchete. Esse é o recheio de Bicho do Mato, trama que estréia na terça na Record no lugar de Prova de Amor. Apesar de a emissora alegar que as coincidências entre as duas novelas param por aí – e eles acham pouco – ,no fundo, a Record parece ‘gostar’ e até tirar proveito das semelhanças. Se é que não podemos dizer que Bicho do Mato foi estrategicamente criada no alicerce de sucesso de Pantanal.

Olhando para trás, foi citando Pantanal que a Record apresentou Essas Mulheres ao mercado, alegando que essa poderia ser mais uma novela a incomodar a Globo e inspirar boas mudanças na teledramaturgia da líder, como o folhetim da extinta Manchete o fez.

Mesmo assim, negar as semelhanças entre as tramas parece tabuada decorada entre atores, autores e diretores da nova aposta da Record.

‘A semelhança é só que vamos gravar no Pantanal, mostrar a exuberância do local, daquelas paisagens. E olha que nem isso é igual, pois a Manchete gravou no Pantanal em Mato Grosso, e nós estamos gravando em Mato Grosso do Sul’, acredita o diretor da trama, Edson Spinello. ‘A história é outra, não tem nada a ver. Mas essas comparações não me incomodam não, sabia que elas viriam. Assim que pensamos na história, pensamos na possibilidade de gravar em dois lugares mais selvagens: Amazonas e Pantanal. A Amazônia foi descartada por ser um problema operacional maior gravar lá. Tem a exuberância da floresta, mas não tem as planícies tão lindas do Pantanal. Logo fomos para a segunda opção.’

Tiago Santiago, que supervisiona o texto do folhetim, e a autora da novela, Cristianne Fridman, também alegam que Bicho do Mato em pouco se parece com o enredo da Manchete, mas torcem para que o sucesso seja o mesmo.

‘Acho natural que se compare as duas antes de Bicho do Mato entra no ar. Temos o Pantanal em comum, mas as histórias e os personagens possuem emoções diferentes’, fala Cristianne.

No entanto, salvaguardadas as inevitáveis comparações, Bicho do Mato promete inovar dentro do conservadorismo na programação pregada pela Record. Banhos de rio serão constantes na trama, com cenas de nudez, mas sem excessos. Afinal, o protagonista vive entre os índios.

‘As pessoas tomam banho nuas nos rios lá, não há como evitar isso, mas não faremos nada gratuito, nada que deixe o telespectador constrangido, essa não é nossa intenção’, garante o diretor da novela.

Besouros e piranhas

Apesar de ter trocado a floresta amazônica pelo Pantanal, gravar nas paisagens do Mato Grosso não foi tão simples assim. Foram muitos os problemas com insetos e animais que atormentaram elenco e produção nas gravações.

‘À noite, quando voltávamos para o hotel, tinha uma invasão de besouros por lá. Além dos insetos que nos cercavam a todo momento. Sabíamos que iríamos enfrentar isso, mas não desse jeito’, conta o diretor, Edson Spinello.

Atores alérgicos a mordidas de insetos, como a protagonista da novela, Renata Dominguez, passaram aperto. Tanto é que ela teve de dormir em Cuiabá para se livrar do tormento. Além de inseticida, a produção apelava para fita adesiva no corpo para se proteger de novas picadas.

As cenas de banhos de rio não tiveram nada de sensual, pelo menos em seus bastidores. Muitas das locações escolhidas para as gravações estavam cheias de piranhas e os atores tinham de entrar e sair da água rapidinho.

Jacarés e cobras eram praticamente figurantes nas cenas, sempre davam um jeitinho de aparecer na telinha, mesmo sem serem convidados. Assim também como os sapos, que tiraram o sono de muitas atrizes ao invadir os quartos.

‘Só de pensar que vamos voltar ao Pantanal mais umas três vezes já me lembro dos bichos’, brinca o diretor. ‘A idéia era gravar lá no começo, no meio e mais duas vezes antes do final, mas tudo vai depender do desenrolar da trama’, fala Spinello.

Onça da vez

Clone de Pantanal ou não, o fato é que a onça da vez não é Juma Marruá (Cristiana Oliveira) e sim Juba, interpretado pelo ainda estreante em novelas André Bankoff – que saltou de pequenas participações na TV, a última em Bang-Bang, para o tipo ‘modelo-protagonista’.

Juba é um jovem criado em uma fazenda no Pantanal, inocente e selvagem ao mesmo tempo, que chega à selva de pedra para fazer justiça ao assassinato do pai, Fernando (Jairo Mattos). Ainda na mata, conhece a carioca e estudante de medicina, Cecília (Renata Dominguez), por quem se apaixona e terá de lutar para tirá-la dos braços do mauricinho Didi (Marcos Mion). O mocinho do mato pega a ponte aérea do Pantanal para o Rio, onde, assim como a pura indiazinha Serena (Priscila Fantin), de Alma Gêmea, vai tentar resgatar valores esquecidos pela corrompida sociedade urbana.

Ainda no desenrolar da trama, o vilão responsável pela morte de Fernando, o ambicioso Ramalho Rodrigues (Jonas Bloch), une-se à mãe de Juba para usurpar as terras do herói e da aldeia indígena dos Caiapós para a exploração de uma mina de diamantes.

Apesar da busca pelo diferencial da trama da Manchete, existe o repeteco de alguns atores que participaram de Pantanal, e que agora, 16 anos depois, voltam a Mato Grosso para gravar Bicho do Mato. É o caso da dupla de viola Almir Sater e Sérgio Reis, além d e Paulo Gorgulho. (veja ao lado)

‘Cada história é uma história. No Pantanal, eu era (também) o capataz, o Almir chegou como peão e ficou lá tocando viola e trabalhando com a gente. Em Bicho do Mato, tem a seqüência de ciúmes, que na outra novela não tinha’, diz Sérgio Reis, referindo-se ao triângulo amoroso que envolve seu personagem, Geraldo, Mariano (Almir Sater) e Francisca (Angelina Muniz).

A emissora do bispo Edir Macedo aposta em Bicho do Mato para marcar sua nova fase de teledramaturgia, iniciada há menos de dois anos com o remake de Escrava Isaura. Além de enviar uma equipe com mais de 100 pessoas para a gravação das primeiras cenas no Pantanal e disponibilizar um orçamento estimado em R$ 150 mil por capítulo (R$ 50 mil a menos que um capítulo de novela na Globo), a Record comprou e está ampliando os antigos estúdios da Renato Aragão Produções, no Rio de Janeiro, onde pretende consolidar o Recnov e fazer dele um núcleo de teledramaturgia gigantesco, como o Projac, da Globo.

‘Estamos com equipamentos de última geração. Na parte técnica não devemos nada ao padrão Globo de qualidade’, acredita Spinello. ‘Nosso elenco também é maravilhoso. E não foi difícil escalar as pessoas, pelo contrário. Os profissionais confiam na dramaturgia da Record e, vendo que profissionais como eu estão aqui, ficam mais confiantes, sabem que não sou um aventureiro’, gaba-se.

Spinello diz que não teme a pressão do ibope, mas sabe que ela virá, ainda mais em um horário que conseguiu agulhar o Jornal Nacional, da Globo, batendo da casa dos 20 pontos com Prova de Amor.

‘A expectativa da Record é a mesma nossa: vamos fazer o melhor possível. Se conseguirmos superar ou manter os índices de sucesso de Prova de Amor, será excelente para todos, principalmente para a audiência. A situação de monopólio em novela brasileira durou tempo demais. É hora de mudar’, fala o autor Tiago Santiago.

Colaborou Paula Dourado

Quem é quem na novela

Juba (André Bankoff) – Garoto criado no pantanal que não foi laçado pela malícia da sociedade. Vai se apaixonar pela mocinha que vive na cidade grande e, com isso, entrar em contato conflitante com as grandes diferenças do Pantanal e da civilização.

Ramalho (Jonas Bloch) – Milionário ambicioso que mata o pai de Juba para ficar com a fazenda do rapaz.

Cecília (Renata Dominguez) – Estudante de medicina, idealista que acaba se apaixonando pelo selvagem Juba.

Tiniá (Thais Fersoza) – Índia, irmã de Juba.

Maurinho (Castrinho) – Delegado machão que faz parte do núcleo cômico da novela.

Dona Vanda (Regina Dourado) – Cabeça do núcleo do subúrbio da novela, trabalha como servente na universidade.

Túlio (Ewerton de Castro) – Motorista do vilão da história. Adora imitar o patrão.

Silvia (Adriana Garambone) – Ex-top model que teve sua carreira arruinada pelo alcoolismo. É aí que mora o merchandising social da novela.

Tavinho (Márcio Kieling) – Meio-irmão de Juba.

Francisca (Angelina Muniz) – Solteira, ajudou a criar Juba.

Ruth (Mirian Freeland) – Vilã da história, é a grande adversária de Cecília.

Laura (Bia Seidl) – Mãe de Juba, acaba afastada do filho e se casando com o vilão Ramalho.

Dinda Zuzu (Marilu Bueno) – Madrinha de Cecília.

Bárbara (Beatriz Segall) – Avó de Cecília e matriarca da família. Sustenta a família e se vê no direito de mandar na vida de todos.

Emílio (Marcos Mion) – Garoto mimado, obcecado por Cecília.’

A força da palavra

Leila Reis

‘Ao assistir a Páginas da Vida, a sensação é a de que até bem pouco tempo o cotidiano da classe média da zona sul entrava na casa do telespectador toda santa noite. Não parece, mas já se vão mais de três anos que Mulheres Apaixonadas, de Manoel Carlos, esteve no ar.

A sensação de déjà vu se deve ao fato de a novela que agora substitui Belíssima ser tão bossa-nova. Em todos os sentidos, os mais literais possíveis: da abertura com a folha que o vento vai levando pelo ar como a pluma do sambinha A Felicidade, de Tom e Vinícius, à própria trilha musical que pontua os capítulos do começo ao fim.

Não é de admirar. Esta é a visão (teledramática) de Manoel Carlos do Rio de Janeiro. Romântica, glamourizada, até mesmo saudosista. Não por acaso, o primeiro ato de infidelidade da novela é cometido dentro do Motel Vips, na Avenida Niemeyer, um dos pioneiros do gênero a surgir no Brasil nos anos 70.

Pelas mãos do autor, o público – já sabe – é levado a festas chiques, como a do casamento de Olívia (Ana Paula Arósio), ao interior de mansões, apartamentos supostamente instalados no Leblon e às belas praias cariocas. É levado a uma longa convivência com figuras carimbadas nas histórias de MC: Regina Duarte, José Mayer, Helena Ranaldi, por exemplo.

Há quem acuse Manoel Carlos de edulcorar a realidade carioca, ignorando deliberadamente a versão que o noticiário joga dentro da casa do telespectador diariamente. É uma repreensão injusta porque se trata de ficção e não de tratado sociológico. Ainda mais porque estamos falando de entretenimento de massa, acondicionado em capítulos diários.

Desse ponto de vista, Manoel Carlos é autoral. Ou seja, é possível reconhecer a marca dele num simples golpe de vista. É esse jeito de contar uma história carioca que a Record copia em Prova de Amor, conquistando uma audiência respeitável na casa dos dois dígitos.

Talvez seja essa certeza do que vai encontrar que tenha atraído o público para a Globo depois do término de Belíssima. Páginas da Vida estreou com média de 50 pontos no Ibope (Grande São Paulo) e registrou 46 na terça e quarta, com uma queda esperada a essa altura.

São as mulheres que escrevem as Páginas da Vida, como em todas as tramas de MC: Helena (Regina Duarte), Olívia (Ana Paula Arósio), Carmen (Natália do Valle), Marta (Lília Cabral), Anna (Débora Evelyn). Algumas melhor do que outras. A reação histérica de Nanda (Fernanda Vasconcelos) ao constatar a rejeição do namorado à gravidez não planejada joga a cena no lixo.

A experiência faz a diferença. A nova Helena de Regina Duarte é diferente das antecessoras. A finesse e o comedimento que marcaram as de Por Amor, História de Amor, Laços de Família e Mulheres Apaixonadas dão lugar agora à atitude. Em público, ela é elegante quando flagra o marido com a amante. Em casa, no confronto com o traidor, Helena se desespera, se desconstrói. E a novela que começou morna, cresce, ganha densidade dramática. O diálogo oceânico consegue passar toda a perplexidade, indignação, dor e a mesquinharia inevitável que surge no acerto de contas amoroso.

Diante da força de uma cena como esta, a repetição, a futilidade de certas situações, o bossa-novismo descarado ficam menores. E Manoel Carlos se mostra um mestre nos diálogos, especialmente naqueles em que se propõe delinear a alma feminina.

Com essa habilidade em dar recados por meio do diálogo, a novela poderia muito bem dispensar o recurso de finalizar os capítulos com depoimentos reais. Esse vício de Glória Perez não cai bem em Páginas da Vida.’



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Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

O Globo

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