Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O frágil controle da violência

No dia seguinte ao aniversário de São Paulo, sábado (26/1), seus dois principais jornais deram em manchete o aumento do número de homicídios na cidade em 2012, comparado com 2011. O Globo também deu manchete de página (8). Uma primeira constatação é que o Estado de S. Paulo e a Folha divergem do Globo quanto à porcentagem de aumento dos homicídios. Os paulistanos dão 34% e o carioca, 40%.

Não é problema de deficiência do ensino de matemática nas séries fundamentais e médias, embora ele seja gravíssimo e tenha uma perversa predileção por afetar jornalistas. É que os jornais de São Paulo usaram o número de ocorrências (1.019 em 2011 e 1.368 em 2012) e o Globo, o de pessoas mortas (1.069 em 2011 e 1.497 em 2012).

São frequentes as chacinas, termo usado para designar o assassinato de três pessoas ou mais numa só ocorrência criminal. Em 2012, a maioria delas pode ter decorrido do que se chamava “resistência seguida de morte”, expressão herdada da ditadura militar, que a usava para mascarar a execução a sangue frio de presos políticos (a crônica daqueles anos praticamente não registra casos de resistência de guerrilheiros cercados, embora tenha havido trocas de tiros nos meios urbano e rural).

Desde novembro, o governo do estado de São Paulo mandou mudar a terminologia. Agora os policiais devem usar a expressão “morte decorrente de intervenção policial”. Talvez não seja tecnicamente perfeita, por estabelecer uma causalidade nem sempre verdadeira, mas é uma tentativa de mudar a mentalidade da polícia e da Justiça. Ou, pelo menos, de impedir que policiais assassinos se abriguem atrás da “resistência seguida de morte”.

Usos eleitorais

A quebra de uma sequência decenal de reduções anuais do número de homicídios por 100 mil habitantes em São Paulo será usada pela oposição estadual nas eleições de 2014. Assim, o “partido da imprensa golpista” dá uma contribuição nada desprezível às hostes capitaneadas pelo PT. Os mais empedernidos não se atrapalharão: dirão que é para disfarçar.

O outro efeito é que certamente, e exatamente tendo as eleições em mente, o governo de Geraldo Alckmin tentará fazer alguma coisa para mitigar a carnificina. Rigorosamente nada garante que tenha êxito. A criação de uma situação monstruosa, em que se combinam prisões comparáveis a campos de concentração, truculência e corrupção policiais, começou há décadas e foi intensificada durante o governo de Luís Antônio Fleury Filho (PMDB, 1991-94), que havia sido secretário de (in)Segurança Pública de Orestes Quércia (1987-90), defendia a pena de morte e foi o responsável maior, por intermédio de seu sucessor na secretaria de (in)Segurança, Pedro Franco de Campos, pelo massacre do Carandiru (1992). Em 1993, um terceiro ingrediente mortífero foi adicionado: o estabelecimento, ampliação e enraizamento da organização criminosa chamada PCC (Primeiro Comando da Capital).

Pois bem: desde então, ao longo dos governos de Mario Covas (1995-2001), Alckmin (2001-06), Claudio Lembo (2006-07), José Serra (2007-10), Alberto Goldman (2010-11) e novamente Alckmin (2011- ), reiteradamente são feitas as mesmas promessas. No momento, aparentemente, o repertório de falsas soluções está esgotado, mas sempre se pode inventar alguma coisa que sirva ao marketing eleitoral.

PCC e PM

Houve queda de homicídios no estado, na Grande São Paulo e na capital ao longo da primeira década do século. As causas ainda não estão claras. Clara está a fragilidade do controle da violência. As periferias da capital e da Região Metropolitana abrigam numerosos territórios onde o PCC exerce hegemonia pela força, pela intimidação e, crescentemente, pela adesão de crianças e adolescentes à sua pregação “antissistema”.

Paralelamente, a PM passou a abrigar, como na Baixada Fluminense, esquadrões da morte que substituíram os antigos “justiceiros” ou “pés-de-pato”, a “polícia mineira” dos bairros pobres e periferias.

Uma curiosidade: o atual vice-presidente da República, Michel Temer, foi secretário da (in)Segurança Pública de São Paulo em três ocasiões diferentes, nos governos de Franco Montoro (1983-1986), Quércia e Fleury – nesse último caso, após o massacre do Carandiru.