Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O Haiti fica longe daqui

A morte do general brasileiro trouxe o assunto de volta. Mas à distância, que ninguém gosta de país pobre: do Rio, de São Paulo, de Brasília comenta-se o envolvimento brasileiro no Haiti – e, com a ajuda de agências internacionais, procura-se traçar um perfil do país onde há tropas brasileiras, mas jornalistas brasileiros não há.

Claro, não deve haver fila de repórteres pedindo para cobrir o dia-a-dia do Haiti. É mais legal mostrar aquela bola enorme caindo no réveillon de Nova York, ou acompanhar o passeio de Paulo Coelho, José Dirceu e Fernando Morais de um restaurante francês a outro. Mas, se o importante é o leitor, é inconcebível que um país ocupado para reconstrução, sendo as tropas de ocupação comandadas por um brasileiro, com riscos reais para a vida de soldados brasileiros, não tenha um vestígio sequer de imprensa brasileira.

O Haiti é aqui, cantava Caetano Veloso. Não, o Haiti não é aqui: o Haiti é longe. A falta de conforto repugna os jornalistas, o custo de mandar gente repugna os patrões; teme-se que as imagens obrigatoriamente feias repugnem o consumidor de notícias.

Mas as imagens dos atentados de terroristas muçulmanos em Londres e Madri, imagens de sangue e morte, foram vistas; nossos repórteres estavam por lá. Qual a diferença? Só uma: Madri e Londres estão em países ricos. Se o Haiti quiser cobertura jornalística no Brasil, que enriqueça primeiro.



Cartas doces

Excelente a entrevista de Bernardo Kucinski sobre o comportamento do presidente Lula diante da imprensa. Kucinski, bom repórter, antigo correspondente do The Guardian no Brasil, é o autor das ‘Cartas Críticas’ (que antigamente se chamavam ‘Cartas Ácidas’), um resumo diário das notícias entregue ao presidente da República. Muito falou Kucinski, muito se falou sobre a entrevista de Kucinski. Três pontos de grande importância, entretanto, ficaram de fora:



1. Por que houve a montagem de dois esquemas paralelos de imprensa, um comandado por Luiz Gushiken (e no qual figura Bernardo Kucinski) e outro por Ricardo Kotscho, inicialmente, e hoje André Singer?



2. Bernardo Kucinski foi aos Estados Unidos verificar como funciona o esquema de imprensa do governo americano. Voltou e, em seu relatório, mostrou que a Casa Branca praticamente não tem gastos em propaganda: as informações do governo são divulgadas em entrevistas coletivas. O assunto foi convenientemente esquecido e o governo continua gastando muito dinheiro para divulgar informações que poderiam ser gratuitas.



3. As ‘Cartas Críticas’ de Kucinski devem ser ótimas. Mas acontece que Sua Excelência não gosta de ler, e já disse em público que um livro com páginas em branco é bem melhor do que um impresso. Como pode Kucinski ter a certeza de que Sua Excelência lê o que ele escreve?



As muitas verdades

Ocorre, neste momento, um belo debate na Associação Brasileira do Jornalismo Investigativo (Abraji): provocado por um artigo do jornalista Luiz Garcia, em O Globo, discute-se como evitar que o repórter se torne um instrumento das autoridades. Os colegas tendem a aceitar como boas as informações da polícia, do Ministério Público, de integrantes de CPIs, e condenam suas vítimas à pena de morte moral. Como disse, de forma extremamente correta, uma repórter que participa dos debates, ‘na pressa de acabar as informações da polícia e expor os acusados (…) condenamos e publicamos’. Se o acusado comprovar sua inocência, lamentamos.



A verdade única

O fato é que os jornalistas aceitam muitas vezes a acusação como verdade, mesmo que não parta de autoridades; mesmo que parta de outros veículos, mesmo concorrentes. Os comentários do rádio sobre a reportagem de Veja contra Duda Mendonça chegaram ao extremo da descrição da porta do apartamento do publicitário como se fosse uma peça de alto luxo. A porta é de pinho – provavelmente a madeira mais barata que existe. Duda foi também acusado de cobrar caro e usar o mesmo slogan para vários clientes. Ora, os clientes concordaram? Se concordaram, qual o problema?



Pena perpétua

A frustração dos jornalistas é visível quando algum acusado – pela polícia, pelo Ministério Público, por integrantes de CPIs – acaba absolvido. O título de um grande portal da internet resume esta frustração: ‘Ministro e deputado que escapou da cassação inauguram Operação Tapa-Buracos’. Ora, se o deputado foi julgado, ele podia ser absolvido ou condenado. Se fosse condenado, tudo estaria bem. Como foi absolvido, vamos citar o fato sempre que o deputado aparecer, mesmo que seja num batizado. Se alguém reclamar, é só dizer que a informação é verdadeira e o texto é ‘relatorial’.



Delícias

1. De um portal da internet: ‘Vice dos EUA é internado com falta de ar em SP’. A notícia não era inteiramente falsa: o vice dos EUA foi internado com falta de ar. Só que foi em Washington.



2. Numa revista de celebridades (destas que são famosas porque entram na revista e entram na revista porque são famosas), foto do presidente Lula e de dona Marisa na praia. Legenda: ‘Lula de sunga vermelha, dona Mariza de maiô azul’. Ainda bem que os dois foram identificados!



Nos anos JK

Está na moda, né? Então vai: nos tempos de JK, quando o Brasil de repente se destacou em vários esportes, um jornal de grande prestígio resolveu fazer uma reportagem com os grandes ídolos. E publicou uma foto com a seguinte legenda: ‘Pelé (ao centro), Maria Esther Bueno (à esquerda), Éder Jofre (à direita)’.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados