Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O nome não importa. O sobrenome é morte

A delegada e deputada eleita Marina Magessi (PPS-RJ) defende as milícias particulares que, segundo diz, estão destruindo o tráfico nas favelas cariocas. A imprensa noticia com tranqüilidade que as milícias, formadas basicamente por ex-policiais, tomaram a favela Boogie-Woogie, na Ilha do Governador, no Rio, e preparam a invasão de outros morros, para expulsar os traficantes. A imprensa levanta também a possibilidade de que a violência do crime organizado, que matou cerca de 20 pessoas no Rio na quarta-feira (27/12), seja uma reação à atividade das milícias.

A julgar pela imprensa, essas milícias são uma beleza! Enfim, alguém com coragem para enfrentar o narcotráfico e o crime organizado! Só que os meios de comunicação padecem de um problema recorrente: a falta de memória. O Rio já teve grupos de policiais com grande autonomia (os Homens de Ouro, a Scuderie Le Coq). São Paulo teve os justiceiros e o Esquadrão da Morte. Deu no que deu.

Imagina-se que estes grupos sejam financiados por empresários empenhados em acabar com o crime; imagina-se que, sem os obstáculos e demoras da Justiça e da Lei, liquidem os criminosos mais perigosos e tragam paz e tranqüilidade aos cidadãos de bem.

Na prática, como atuam fora da lei, esses grupos contribuem para aumentar o número de crimes; na prática, são financiados por bandidos ricos que pretendem eliminar seus inimigos. Na vida real, são criminosos de aluguel, bem armados, bem financiados, sanguinários. Chamem-se Justiceiros, Scuderie, Esquadrão, Homens de Ouro, poderiam chamar-se apenas ‘assassinos’.

Muita gente acha que é isso: para reduzir o crime, só usando os mesmos métodos dos criminosos. Ou, na frase do policial fluminense Sivuca, bandido bom é bandido morto. Mas, se fosse assim, não haveria crime no Brasil. A polícia de São Paulo mata mais gente por dia do que os policiais de Nova York matam por ano. Nunca adiantou: a insegurança pública é visível. A polícia japonesa é dura, mas mata pouco – e lá o crime se mantém num nível baixo.

Excetuando-se uns poucos repórteres, com destaque para Percival de Souza, os meios de comunicação ainda não se dedicaram a analisar estes crimes em nome da lei. Combater o crime exige firmeza, tecnologia, gestão. Brutalidade é outra coisa. Na luta do crime contra o crime, quem sofre é o cidadão de bem.



Rosinha vs. Globo

Em discurso como governadora, poucos dias antes de deixar o cargo, Rosinha Garotinho (PMDB) fez pesadas acusações às Organizações Globo, anexando uma série de informações. Este colunista não está encontrando o noticiário sobre as investigações que, com certeza, devem estar em curso: afinal, Rosinha Garotinho era governadora do Rio de Janeiro, com a responsabilidade do cargo, e chegou a informar até um número de conta no exterior. As investigações são de interesse, acreditemos, da própria Globo: se falsas, permitirão um processo contra Rosinha Garotinho por denunciação caluniosa.



Afanásio vs. Globo

Há cinco anos, o então deputado Afanásio Jazadji, do PFL paulista, fez uma série de acusações fortes às Organizações Globo, referentes a possíveis irregularidades na compra da TV Paulista. Certamente por falha pessoal, este colunista não sabe como ficaram as investigações.



Só a TAM?

Por que, perguntam muitos leitores, os meios de comunicação abrem tanto espaço ao apagão aéreo e não dedicam o mesmo empenho à saúde pública, ao transporte público, à limpeza urbana? Há duas respostas: a ruim é que saúde pública, transporte público e, em menor escala, limpeza urbana, são assuntos que pouco atingem a classe média, maior consumidora de notícias; a boa é que os veículos abrem espaço aos problemas agudos, e tendem – até para não cansar o leitor, ouvinte ou telespectador – a deixar de lado os crônicos.

O noticiário atingiu em cheio a TAM, empresa aérea que, nos tempos de seu fundador, o comandante Rolim Adolfo Amaro, primava pela excelência no atendimento ao cliente. ‘A única segurança da empresa’, dizia Rolim, ‘provém de ter clientes fiéis e satisfeitos.’ Os princípios do comandante Rolim foram deixados de lado após sua morte. Mas resta a pergunta: por que só a TAM? Tudo bem que a TAM varigou. Mas suas concorrentes terão se comportado tão melhor?



Questão de imagem

Há outro motivo para o destaque aos aeroportos: estamos na silly season, época de poucas notícias. Hoje, até escultura na areia em praia exótica vira notícia. Por que não um apagão aéreo, com passageiros furiosos e autoridades perplexas?



Varigando

Tanto o diretor Paulo Castelo Branco quanto o presidente Marco Antônio Bologna informaram que a TAM precisou retirar da escala seis aviões, para manutenção não-programada. Deve também ser falha deste colunista, mas alguém terá visto, em qualquer veículo de comunicação, alguma informação mais detalhada sobre este problema? Que terá acontecido com aviões novos, de alta qualidade, certamente revisados de acordo com os manuais, para recolhê-los aos hangares?



Como é mesmo?

A empresa alemã ThyssenKrupp está importando 600 trabalhadores chineses para construir a Companhia Siderúrgica do Atlântico, com sede em Itaguaí. Até aí, a notícia já é conhecida (embora pouco divulgada). Nossos repórteres bem que poderiam esclarecer uma dúvida: se tentarmos contratar um maestro de renome internacional para reger uma orquestra, vamos enfrentar uma burocracia infernal para conseguir-lhe um visto temporário de trabalho. Trazer um cientista para trabalhar no Brasil exige uma dose enorme de paciência. Como é que os alemães conseguiram licença para trazer tantos chineses de uma vez só? E por que trazê-los, se o problema brasileiro é falta de emprego, não de mão-de-obra?



Em nome do pai

O STF negou liminar ao ex-goleiro Edinho, Edson Cholby Arantes do Nascimento, mantendo-o preso. Esta é a notícia. Mas em todos os lugares a informação saiu assim: ‘Edinho, filho de Pelé’. Essa questão já nem devia ser debatida: as pessoas devem ser identificadas pelo que são, não pelo parentesco eventual com gente famosa. Faz parte dos manuais de jornalismo desde os tempos em que o garoto Gutenberg batia sua bolinha nas ruas de Mogúncia.



Dúvida…

As críticas à artilharia desordenada da imprensa estão dando resultado: hoje, raramente os grandes veículos de comunicação acusam alguém de algum crime que não tenha sido provado (na verdade, não é tão raramente assim, mas bem menos do que já foi). Agora a era é do ‘suposto’ fato – mesmo quando o fato suposto é bem mais que suposto. Um jornal foi fundo: o marido da atriz Suzana Vieira foi preso num motel, acusado de agredir a acompanhante, de quebrar o quarto e de resistir à prisão. E, segundo a notícia, Suzana Vieira, ‘supostamente traída’, não quis falar sobre o caso. O ‘supostamente traída’ não é uma delícia?



…cruel

A notícia lembra a piada daquele dinamarquês, o Joaquinsky, que contratou o detetive Manuelsky para seguir sua esposa. O detetive Manuelsky seguiu a moça até o quarto do motel, em companhia de um rapaz, e descreveu os fatos até que, nua, ela apagou a luz. E Joaquinsky se lamentou: ‘Ah, dúvida cruel!’



E eu com isso?

Não faz tanto tempo assim, embora este colunista, à época, fosse jovem. O Jornal do Brasil era uma seleção canarinho de jornalistas: Alberto Dines no comando, Carlos Lemos na secretaria de Redação, Luís Orlando Carneiro na pauta, Fernando Gabeira na chefia de reportagem, Eurilo Duarte no comando da sucursal de São Paulo – outra seleção, com Rolf Kuntz, Ebrahim Ramadan, Guilherme Miranda, Miguel Jorge, Laerte Fernandes, Bernardo Lerer, todos muito jovens, gente que serviria de base ao futuro Jornal da Tarde.

Certo dia, este colunista aguardava apenas a ordem do Rio para encerrar os trabalhos da sucursal quando veio a notícia de que havia um pequeno incêndio na Praça do Patriarca, no velho centro de São Paulo. Os bombeiros já estavam lá, a notícia foi mandada. De repente, dois eventos simultâneos: acabou a água no lugar do incêndio e pifou o sistema de microondas, que fazia a comunicação entre São Paulo e Rio.

O incêndio cresceu, tomou a seção de plásticos de uma grande loja, acabou mudando a cara do velho centro paulistano. E a notícia do fogo gigantesco não seguia de jeito nenhum, nem por telefone, nem por telex. O jeito foi mandá-la por telegrama, via Western, lá pelas duas da manhã. Chegou depois do fechamento. E o timaço do JB teve de engolir uma noticinha minúscula, de um minúsculo incêndio.

Hoje mudou tudo: a notícia vai por internet, ou pelo satélite, por telefone, por celular, de algum jeito acaba chegando. E ficamos sabendo que:

1. Paris Hilton desiste da carreira musical

(Esta jovem tem assessores maravilhosos: até o que ela não faz vira notícia!)

2. Romance: Namoro de Britney Spears vira coisa séria

3. Réveillon: Grazi rebola ao som de Black Eyed Peãs

E essas notícias, ao contrário da matéria sobre o grande incêndio da Praça do Patriarca, nunca deixam de chegar ao destino.



O grande título

A falecida Folha da Tarde tinha dois Torres na redação: o Carlos e o Alcides. Aí, alguém telefonava: quero falar com o Torres. Pois não, qual deles? O careca. Sim, mas qual deles? Aquele que já está no jornal há uns trinta anos! Pois não, mas qual deles? O de olhos claros! Sim, mas qual deles?

Ambos eram totalmente diferentes na aparência – mas eram carecas, tinham dezenas de anos de jornal, usavam o mesmo nome e tinham olhos claros.

Na mesma redação havia também dois Wladir: o Wladyr Nader e o Wladir Dupont, que aliás acaba de voltar do México, onde morou por muitos anos. Mas estes só compartilhavam o nome e o talento. Não era raro alguém estranhar: como, dois Wladir? Pois é, lá havia dois Wladir (além dos dois Torres).

Antigamente, caros colegas, este texto acima se chamaria ‘nariz de cera’. E foi abolido desde os tempos de Carlos Lacerda e Samuel Wainer. Mas por que não ressuscitá-lo de vez em quando? Pois um portal de internet acaba de noticiar, com destaque: ‘Caixa relança obra do baiano e traz raridades’.

Obra do baiano! Qual deles? Gil, Caetano, João Gilberto, Caymmi? Tom Zé, talvez? Este colunista torce para que haja caixas novas de todos.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados