Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O poder das matérias pagas

Alguém que, de alguma forma, está envolvido com uma das partes de uma pendência tem condições de oferecer um juízo isento? Este observador vai tentar, o leitor o julgará.


No dia 13/7, o ‘Segundo Caderno’ do Globo ocupou a sua capa inteira com uma matéria sobre um suposto escândalo na OSESP, a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo). A matéria chamou a atenção por duas razões: o jornal está cada vez mais carioca, cada vez mais voltado para o show business, e, de repente, ocupa-se com uma ‘troca de acusações’ na direção de uma das melhores orquestras deste continente cuja sede é em São Paulo.


O conteúdo da matéria não era faccioso, o título foi cauteloso (‘Barulho na OSESP’), mas todos sabem que o Rio de Janeiro, infelizmente, está perdendo a competição com São Paulo em matéria de música erudita justamente por causa da qualidade da OSESP e a evaporação da veterana carioca OSB (Orquestra Sinfônica Brasileira).


Qual a natureza do escândalo na OSESP?


Uma irregularidade abortada no âmbito do Concurso Internacional de Piano Villa-Lobos, um mega-evento, o maior do seu gênero no Brasil. A direção da OSESP descobriu irregularidades na seleção dos finalistas e não as abafou: exonerou o diretor do certame e parte do júri demitiu-se porque não queria envolver-se numa questão desagradável. Mas a seleção dos finalistas prosseguiu e o concurso deve realizar-se normalmente.


Só pagando


Dois dias depois, em duas páginas na Veja (edição 1965, de 19/7/2006, págs. 110-111) o incontrolável toque marrom: ‘Fraude em tom maior – escândalo abala o concurso internacional de piano da OSESP’; e, no texto, insinuações sobre a idoneidade do concurso.


O Estado de S.Paulo foi mais equilibrado, a Folha menos. A direção da Veja recusou qualquer reparação, retratação ou esclarecimento sobre o que realmente aconteceu. Mas aceitou 100 mil reais pela publicação de um informe publicitário no qual a direção da OSESP procura explicar em detalhes o que aconteceu (Veja nº 1966, pág. 117).


A Folha aceitou 20 mil reais para publicar na ‘Ilustrada’ o mesmo esclarecimento (20/7, pág. E-3).


Em nota oficial a OSESP esclareceu que as despesas com a publicação destas matérias serão retiradas dos recursos da Fundação OSESP e não das dotações do governo do estado de São Paulo.


Resumo da ópera: dois dos maiores veículos impressos do país iludidos pelo denuncismo só aceitam esclarecer os seus leitores mediante pagamento.


Este observador é membro do Conselho de Administração da OSESP.