Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O policial jornalista e o jornalista policial

Na esteira dos inquéritos do delegado Protógenes Queiroz e sobre ele, ficou claro que jornalistas participaram da investigação sobre o banqueiro Daniel Dantas, do grupo Opportunity (e, em pelo menos duas ocasiões, houve quebra do sigilo das investigações para cooptá-los). Surge então um bom tema de debate sobre o papel dos profissionais de comunicação em atividades policiais: até que ponto é lícito ao jornalista colaborar com as autoridades?

Há casos e casos: há o caso de um jornalista que, fazendo um favor ao Ministério Público, telefonou para um investigado, que atendeu ao telefone e recebeu uma intimação; certamente haverá o caso de um jornalista que, tendo a oportunidade de desviar a arma de um bandido, terá a obrigação moral de fazê-lo, salvando a vida de um policial. Há casos de jornalistas que, sabendo onde está escondido um fugitivo da polícia, preferem calar-se, dificultando a investigação.

Um caso concreto ocorreu há anos, na onda de prisões que culminaria com o assassínio de Vladimir Herzog. Um grupo de policiais esteve na Editora Três, onde trabalhava Fernando Morais, para prendê-lo. Como não o conheciam, foram aos donos da editora, Domingo Alzugaray e Luís Carta. Os dois garantiram que Morais ainda não tinha chegado, e prometeram entregá-lo assim que aparecesse. Luís Carta foi ao banheiro e, passando pela mesa de Morais, mandou-o fugir, que a polícia estava atrás dele. Provavelmente salvou sua vida: Fernando Morais fugiu, escondeu-se e escapou à onda assassina da repressão.

A este colunista a questão parece clara: cabe ao jornalista colaborar com as autoridades exatamente nas mesmas circunstâncias em que um cidadão de bom caráter, de qualquer outra profissão, também colaboraria. Seu senso ético deve estar ativado, para definir se há perseguição pessoal ou não. Se o procurado é um assassino perigoso, colaborar pode ser essencial; se a questão é política, ou étnica, essencial é não colaborar. Imaginemo-nos nos Estados Unidos: entregar à polícia um imigrante ilegal é puro e simples dedodurismo, é prova de mau caráter. E se o procurado for um narcotraficante, ou um serial killer? Alguns considerarão correto entregá-los, outros preferirão não interferir, deixando que as investigações sigam seu caminho.  Mas é impossível, eticamente, ajudar a escondê-los.

A discussão pode ir longe (e temos, neste Observatório, alguns mestres que têm condições de levá-la  a novos horizontes). Mas é importante debater: torna-se cada vez mais incômodo ver que colegas atuam como linha auxiliar da polícia – e, conforme comprovam os documentos apreendidos no computador do delegado Protógenes, recebem preferência na hora de cobrir as prisões.

 

O sigilo, ora o sigilo

No caso da Operação Satiagraha, parecem estar comprovadas pelo menos duas quebras importante do sigilo das investigações: a primeira, quando profissionais de uma emissora de TV foram convocados para gravar o encontro em que houve uma proposta de suborno; segundo, quando jornalistas amigos foram chamados, pouco antes do início das prisões, para documentá-las em primeira mão. Qualquer um deles poderia ter vazado o sigilo para algum alvo da investigação, dando-lhe tempo de fugir antes de ser preso.

 

Corinthians x Palmeiras

Ainda sobre a questão das investigações sobre o banqueiro Daniel Dantas, vale a pena ler a excelente análise de Pedro Dória sobre o duelo de torcedores em que se transformou boa parte da cobertura jornalística sobre o delegado Protógenes Queiroz. E quem tenta cobrir o tema sem fazer parte de nenhuma torcida organizada acaba levando paulada de todos os lados.

 

Fla x Flu

O mesmo parece acontecer com as denúncias contra Victor Martins, diretor da Agência Nacional do Petróleo, antigo sócio da Análise Consultoria e Desenvolvimento e – razão principal de estar no foco – irmão do ministro Franklin Martins. Já há bate-boca até entre o Jornal Nacional e a coluna ‘Toda Mídia’, da Folha de S.Paulo. E, no entanto, não é difícil apurar o que há de verdade nas denúncias. Basta verificar se houve aumentos substanciais nos pagamentos da Petrobras, a título de royalties, a municípios que tenham contratado a consultoria da qual Martins foi sócio (e, segundo as denúncias, ainda é, embora oculto). Prefeituras e governos não têm como pagar quantias substanciais sem registro. E os royalties pagos pela Petrobras são divulgados.

Sem investigação jornalística, vai continuar tudo como guerra de torcidas. Muito calor e pouca luz.

 

Espinosa e a lei

Antônio Roberto Espinosa, que foi comandante militar da VAR-Palmares, brigou feio com a Folha de S.Paulo: de acordo com o jornal, a ministra Dilma Rousseff teria participado do planejamento de uma operação de sequestro do então ministro Delfim Netto, na época da ditadura. Espinosa foi citado como fonte. A troca de e-mails e cartas é longa e áspera. Espinosa acusa a Folha de não ter investigado o caso, de ter-se baseado apenas em entrevista telefônica, e garante que Dilma não soube do caso (a tentativa de sequestro acabou não ocorrendo). E se queixa de que, para responder a uma reportagem de duas páginas, teve de brigar muito para conseguir responder em dois mil caracteres. [Ver ‘Fonte desmente `sequestro de Delfim´‘]

A briga ocorre numa ocasião interessante: no momento em que se debate a permanência ou não da Lei de Imprensa, resquício do regime militar, cabe um bom debate sobre o direito de resposta. Há órgãos de comunicação que simplesmente ignoram os pedidos de resposta: se o prejudicado quiser, que vá aos tribunais e lute até conseguir a vitória (que, na verdade, nem chega a ser vitória: quando a resposta é publicada, ninguém mais se lembra do caso). Há veículos que publicam a resposta, mas tão resumida que não responde a nada. Há veículos que dizem já ter publicado ‘o outro lado’.

E o que é o outro lado? Com frequência, acusa-se uma pessoa de matar a esposa, ferir os filhos, botar fogo na casa e cultivar o hobby de espancar a mãe. O cavalheiro explica que não é casado, não tem filhos, mora em hotel e é órfão há 40 anos. Sai algo, perdido entre as páginas de denúncias, como ‘fulano nega as acusações’.

Já houve caso em que vários comentários e reportagens foram feitos com base numa matéria publicada no exterior. O detalhe interessante é que a tal matéria não foi publicada em lugar nenhum, muito menos no exterior. Um bom tempo depois, o máximo que se conseguiu foi uma notinha minúscula, dizendo que a matéria, embora tivesse sido escrita, não tinha sido publicada. Os comentários, as matérias derivadas, os danos à imagem de quem foi atingido, tudo ficou para lá, como se nem tivessem existido.

Este tipo de coisa precisa ser corrigido. Não pela Justiça, provavelmente, já que neste caso a demora continuaria; talvez por uma espécie de Conar, com dupla jurisdição (direito a um único recurso, e pronto), cujas decisões tenham obrigatoriamente de ser cumpridas. É um bom tema para discussão. O que não pode é ficar como hoje, em que as vítimas da artilharia da imprensa ficam à mercê da ética dos veículos de comunicação. E, infelizmente, não são todos que a têm.

 

Falem bem de nós!

O Senado instituiu o Prêmio Jornalista Roberto Marinho de Mérito Jornalístico, que será outorgado anualmente pelo próprio Senado. A escolha será feita por um conselho formado por seis senadores.

Alguém acredita que uma reportagem esplêndida, mostrando coisas feias do Poder Legislativo, terá qualquer oportunidade de ser premiada?

Este colunista reafirma uma posição antiga: prêmio jornalístico só vale se for concedido a qualquer tipo de trabalho (não vale, por exemplo, uma empresa de fertilizantes conceder prêmios a reportagens sobre agricultura), e escolhido por um grupo de profissionais desligado totalmente de quem o concede. Algo como o Prêmio Esso, de quem este colunista, com muito orgulho, já foi jurado. O resto é uma forma de convencer os meios de comunicação a falar bem de alguém.

 

Bom blog

Cilmara Bedaque, excelente na área de música contemporânea, lança um blog sobre o tema. Vale experimentar.

 

Recorde no rádio

O médico Abraão Winogron está comemorando 35 anos de rádio, na mesma emissora (Rádio Guaíba de Porto Alegre) e com o mesmo tema, saúde para leigos. Este colunista pode estar enganado, mas em suas pesquisas chegou à conclusão de que Winogron é o primeiro médico brasileiro com programas regulares no rádio. Perderia para Silveira Sampaio, também médico, mas que em seus excelentes programas no rádio e TV nunca chegou a abordar o tema saúde.

 

A verdade dói

Há quem prefira o cinema, com tela grande, boa companhia, um programa completo; há quem goste mais de ficar em casa, sossegado, vendo o filme na tela da TV. Roger Friedman, jornalista americano, pertence ao segundo tipo. ‘É muito mais divertido do que apanhar chuva para ir ver no cinema’, disse em sua coluna. Tudo estaria bem se ele não fosse o repórter de entretenimento da Fox News online, associada à 20th Century Fox, que produziu e distribui Wolverine, e não tivesse oportunidade para baixar uma cópia pirata e resenhá-la. Friedman perdeu o emprego ‘por apologia do crime de pirataria’. E olhe que falou bem do filme!

 

Como…

Texto de um grande jornal sobre a invasão de um hospital paulistano por dez homens armados, que foram retirar um companheiro de quadrilha que lá estava, acompanhado por escolta policial: ‘A Secretaria de Segurança confirma que o paciente era um preso, mas ainda não tem informações sobre a suposta escolta que o acompanhava’. Havia escolta? Se havia, havia; não era suposta. Se não havia, de que escolta trata a notícia?

 

…é…

De um importante portal noticioso:

** ‘Kaká quer Milan mais jovial’

Por que o meia, que joga sério, sempre em direção ao gol, estaria querendo um time mais prazenteiro, alegre, brincalhão? Não faz sentido – a não ser que o redator da notícia ache que ‘jovial’ é sinônimo de ‘jovem’. O Milan, efetivamente, tem jogadores com média de idade mais alta que a dos outros grandes times europeus. Deve ser isso – mas não é isso que está escrito.

 

…mesmo?

Alguém poderia explicar por que os meios de comunicação esportiva se referem ao time uruguaio Defensor como ‘defênsor’? Vamos pensar juntos: o feminino de ‘defênsor’ seria ‘defênsora’? Esquisito, né? Em português, língua muito próxima ao espanhol, é ‘defensor’, com tônica no ‘o’.

Talvez Idel Becker, um dos maiores professores de espanhol que já houve neste país, tenha a explicação. No caso, ele queria saber por que os brasileiros, falando espanhol, chamavam ‘hombre’ de ‘rombre’, quando em português ‘homem’ é ‘homem’, com ‘h’ mudo. Seu palpite: acham que, como é espanhol, deve ser diferente.

 

E eu com isso?

Aguarde: a internet, que com a tecnologia atual já é fantástica, será altamente potencializada com os chips biológicos, nova fronteira da indústria eletrônica. Aí é que notícia como as que se seguem chegarão quase instantaneamente a nós:

** ‘Selton Mello espera táxi em Ipanema’

** ‘Rodrigo Hilbert e Fernanda Lima vão ao cinema’

** ‘Meg Ryan leva filha para escola’

** ‘José Mayer passeia em shopping com esposa’

** ‘Entre tapas e beijos, casais de macacos continuam virgens em zoos do RJ’

** ‘Thiago Lacerda relaxa na praia da Barra com esguicho’

** ‘Após festa, Kate Moss pede pizza em Nova York’

E há até notícias mais ousadas:

** ‘Paul McCartney é clicado com zíper aberto em Nova York’

** ‘Festival de culto ao pênis atrai milhares a cidade japonesa’

** ‘Zac Efron encontra veado em sua cama’

** ‘Noiva de Latino diz que gosta de lingerie pequena’

Este colunista já viu fotos da noiva do Latino. Ela pode até gostar de lingerie pequena, mas não cabe, não.

 

O grande título

Como diria a Rede Globo, você decide. Há os títulos enigmáticos:

** ‘Produção de veículos dispara na comparação mensal, cai sobre 2008’

** ‘Médicos suíços confirmam terceiro braço fantasma em mulher’

Há o título que não cabia no espaço disponível e se transformou em obra aberta, à vontade do freguês:

** ‘Tóquio é eleita a cidade mais excitante para amantes da…’

E há o título incompreensível, o melhor na opinião deste colunista:

** ‘Inalador de chocolate promete prazer sem calorias’

O inventor dessa coisa que nos desculpe, mas não é novidade: entregador de pizza já cheira sem comer. O Bill Clinton também andou falando em algumas coisas parecidas, só que ele mascava o charuto. E quem é o depravado que pensa apenas em cheirar o chocolate?

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados