Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

O segredo e a guarda do segredo

Tancredo Neves, mestre em sabedoria política, foi procurado certa vez por um amigo que queria contar-lhe um segredo, mas lhe pedia que não o divulgasse de maneira nenhuma. Tancredo recusou a proposta: ‘Se você, que é o dono do segredo, não consegue guardá-lo sozinho, por que eu o conseguiria?’

Os patrulheiros avançam ferozes, agora, sobre duas repórteres que nada mais fizeram do que cumprir – bem – o seu dever: levar ao público os fatos de que têm conhecimento. Andréa Michael e Mônica Bérgamo revelaram, em reportagem de boa qualidade, que a Polícia Federal planeja em segredo uma operação contra empreiteiras e seus diretores.

Para as jornalistas, amparadas pelos preceitos da profissão, por reiteradas decisões judiciais, pelos princípios da liberdade de imprensa, não há segredo a guardar. Se têm os fatos, se os fatos são comprovados, se os obtiveram de maneira correta, é sua obrigação revelá-los. A guarda dos segredos cabe às autoridades. Se as autoridades não têm competência para guardar seus segredos, se acham conveniente vazar seus segredos, se utilizam a divulgação de seus segredos como arma em disputas internas, é problema delas, de quem as nomeia, de quem as fiscaliza.

O compromisso do repórter não é com o governo, com as autoridades, com as patrulhas: o compromisso único do repórter é com o público. É ao público consumidor de informações que têm de responder. E a mais ninguém.

 

Lembranças da ditadura

Comentando a nota desta coluna sobre o livro de Luiz Cláudio Cunha a respeito da ação da polícia de um país nos países vizinhos, na época em que a ditadura militar era o único regime em todo o Sul da América, o advogado Orlando Maluf Haddad lembra uma história paralela, em que atuou diretamente:

‘Ativou-se em uma memória trintenária. Na mesma época (1977-1980) atuamos (eu, Ivo Galli, Gerson Mendonça Neto, José Francisco Martins Júnior e José Luiz Loturco) na defesa de dois brasileiros presos no Uruguai: o jornalista Flavio Tavares e Flávia Schilling.

‘Lembro-me das manchetes simultâneas que tratavam do sequestro, de grande notoriedade, tendo chegado até a capa de Veja.

‘Na ocasião, como defensores dos presos, tivemos que não somente nos embasar nas legislações penal e processual penal do Uruguai (então bem mais modernas que a nossa), como até engendrar projeto de lei uruguaio – com a maestria do grande jurista Adolpho Gelsi Bidart, para que o `Legislativo´ produzisse lei que beneficiaria não somente a brasileira Flávia, mas todos os demais presos políticos de outras nacionalidades que se encontravam nos cárceres uruguaios.’

 

Lembrete importante

A Operação Condor era o mecanismo pelo qual, na época das ditaduras militares, a polícia de cada país agia livremente nos países vizinhos, com apoio das estruturas clandestinas locais, para caçar os adversários de seu regime. O Brasil, como fica amplamente documentado no livro O sequestro dos uruguaios, de Luiz Cláudio Cunha, fez parte da Operação Condor e sua participação foi decisiva.

As ditaduras militares no Sul do continente acabaram. Mas ainda ha resquícios, e feios, da Operação Condor.

 

O podre, los podres

A situação da Argentina vai mal? A fisionomia da presidente Cristina Kirchner mostra fisicamente a incapacidade de enfrentar a força da crise? A culpa, naturalmente, é da imprensa. Foi por isso que hordas de auditores fiscais invadiram o Clarín, maior jornal argentino, cabeça de uma poderosa organização multimídia que se opõe ao governo. O governo, também naturalmente, não sabia de nada: tratava-se, claro, de uma operação de rotina, decidida, é evidente, pela própria organização equivalente à Receita Federal, e, é óbvio, não tem a menor conotação política.

Não lembra a invasão da Folha de S.Paulo pela Receita Federal do então presidente Fernando Collor, chefiada na ocasião pelo delegado Romeu Tuma? Aquela também era uma operação essencialmente técnica, sem nada de política, não é mesmo? E o alvo era um jornal de oposição por pura e simples coincidência, como hoje.

 

O público e o privado

A regulamentação do uso do twitter e daquilo a que se chama ‘mídia social’ por funcionários de duas grandes empresas jornalísticas merece uma série de reflexões. É preciso separar (embora o ponto de clivagem nem sempre seja claro) quando é que o jornalista age como funcionário de uma grande empresa e quando expressa seu próprio pensamento, caso em que a regulamentação não deveria alcançá-lo. Não é por ser jornalista que uma pessoa perde direito à liberdade de pensamento.

Imaginemos um cenário: o repórter, por conta da empresa de comunicação, elabora um trabalho a respeito de determinado assunto. Parece claro a este colunista que o trabalho pertence à empresa. Só poderá ser divulgado, portanto, com autorização, e após sua utilização pelo veículo de comunicação.

Imaginemos outro cenário: o jornalista revela sua preferência político-partidária. Neste caso (embora isso contrarie a regulamentação imposta pelas empresas) o jornalista deveria atuar com total liberdade: seja petista, seja DEM, seja adepto de fazer chá com fotos de Heloísa Helena, esta será uma posição pessoal. A idéia de que revelar sua posição fará com que as matérias assinadas pelo repórter sejam tomadas pelo público como parciais não se sustenta: um repórter competente tem de ser capaz de buscar a objetividade, de fazer uma narrativa honesta, de dar espaço a todos os lados. Se não for capaz de fazer isso, não será um repórter competente. E será visto com suspeita não por sua posição pessoal, mas por sua falta de competência.

Ao contrário, a tese de que o repórter ganha em credibilidade ao ocultar suas preferências político-partidárias embute a idéia de que o público estará mais disposto a engolir matérias tendenciosas se não souber a tendência de quem a escreve, ou se imaginar que o autor não tem tendência nenhuma. Traduzindo em português corrente, é empulhação. O público tem o direito de saber a quais desvios está sujeito. Ninguém imagina que, por ocultar sua condição de seguidor de determinado partido, o repórter fará matérias automaticamente livres de quaisquer desvios.

Este colunista sempre votou aberto. E em questões como a de Israel, em que tem lado e participa do debate, faz questão de se identificar como brasileiro, judeu e sionista. O leitor ganha instrumentos importantes para avaliar opiniões e idéias.

 

Quem sabe o mal…

Álfio Beccari, jornalista importante, escreve sobre o caso Vanusa – a cantora que, em cerimônia ocorrida no início do ano, cometeu uma série de erros na interpretação do Hino Nacional. Na internet, espalharam que estaria bêbada; ela informou que havia tomado remédios para a labirintite, que a tiraram do estado normal.

Pergunta Beccari por que, entre duas explicações, escolheram logo a mais maldosa, fosse ela verdadeira ou não. ‘Será que é da natureza humana?’

 

…que se esconde…

Vejamos o caso do cidadão italiano, aquele que foi preso, denunciado por um casal brasileiro, por acariciar em público sua filha de 8 anos. O cidadão disse que é hábito em seu país beijar a filha, mesmo com selinhos; a mãe da menina confirmou a explicação. Leitores escreveram contra e a favor do pai, alegando que muitas vezes o abuso sexual ocorre na própria família e que muitas vezes a esposa, tentando remediar a situação, finge nada perceber.

OK: entre duas explicações, muitos optaram logo pela mais maldosa, fosse ela verdadeira ou não. E por que este colunista acha que a versão dos pais é mais verossímil? Porque, mesmo quando o abuso sexual é cometido por alguém da família, evita-se o lugar público. Qual o motivo que levaria um pai a abusar da própria filha na piscina de um hotel lotado, e não no quarto que ocupavam?

 

…nos corações humanos?

Resta a pergunta do jornalista Ricardo Kotscho: o casal que denunciou o pai por acariciar a filha teria tido a mesma atitude se ele lhe tivesse dado uns tapas?

Resta também a atitude da juíza que examinou o caso, que mandou a família de volta para casa, enquanto a investigação segue seus rumos (uma vez movimentada, é difícil parar a máquina da polícia e da justiça).

E resta explicar o título das três notas acima: quem sabe o mal que se esconde nos corações humanos é ‘O Sombra’, personagem que surgiu no rádio inglês por volta de 1930, fez um tremendo sucesso na Rádio Nacional do Rio, nos anos 1940 e 50 (o prefixo era lido por Saint Clair Lopes, um dos maiores locutores da época), virou personagem de quadrinhos e herói de um filme. E nunca passou para ninguém seus conhecimentos sobre o mal que se esconde nos corações humanos.

 

Ói ele aí trá veiz

O presidente do Senado, José Sarney, tem agora uma coluna eletrônica na TV Senado, todas as sextas, às 9 da noite. Confesse: pelo menos uma vez você vai ver, nem que seja pra falar mal!

 

 O livro da ética

E já que falamos na TV Senado, falemos também de um livro muito útil. Não é para todos: Ética e Moral na Educação é um texto denso, profundo, para estudiosos, tendo como base a dissertação de mestrado de Roque do Carmo Amorim Neto, orientado por Margarete May Berkenbrock-Rosito. O objetivo do livro é discutir ética e moral na formação de professores.

O livro pode ser encontrado nas principais livrarias ou encomendado aqui.

 

Saul, Pluto, amigão

Ricardo Kotscho era o chefe de reportagem do Estado de S.Paulo quando chegou um fotógrafo novo na casa. Determinou-lhe que fosse a um determinado local e procurasse o Saul Galvão, o repórter que já estava por lá. O fotógrafo explicou-lhe que não conhecia o Saul.

Kotscho, definitivo: ‘Vai lá e procura o sujeito com cara de Saul. É ele’. O fotógrafo não teve a menor dificuldade em encontrá-lo.

Se mandasse o fotógrafo procurar o Pluto, ele também o encontraria. Nosso velho amigo tinha cara de Saul. E também tinha cara de Pluto.

Mas sua principal característica, além do jornalismo de alta qualidade, era a boa convivência. Eu o conheci durante 33, 34 anos; e jamais soube de alguém que não gostasse dele, e muito. Tinha seus defeitos, claro: era são-paulino, por exemplo. Tinha características que poderiam torná-lo antipático: era de família tradicional, daquelas de sobrenome quilométrico, gostava de bons vinhos, ostentava vistoso bigode, ao qual só faltava a aplicação de cera para ficar igual ao dos nobres ingleses. Mas não havia ninguém mais simpático, mais acessível, mais disposto a brincar com suas próprias características.

Boa parte de suas histórias não pode entrar aqui. Afinal de contas, esta é uma publicação de família; mas pode-se dizer que, em suas próprias palavras, vivia dois dias por mês como rico – quando recebia o salário quinzenal e fechava uma boate para os amigos – e 28 de miserável, comendo no bandejão.

Boate? Vá lá, boate. Casa noturna, de qualquer maneira. Pode-se lembrar que, começando a carreira no Estadão, acertou com dois amigos o aluguel de um apartamento de três quartos na Avenida Paulista. Na última hora, os dois roeram a corda. E o Saul mudou sozinho. Com aluguel alto, não comprou móveis: só um colchão. E, quando queimava a lâmpada, arrastava o colchão para outro quarto.

Pluto teve um tipo especialmente agressivo de câncer e nos deixou na semana passada. Mas, com certeza, o céu é hoje um lugar muito mais feliz.

 

Como…

De um grande jornal nacional, na seção de Cultura, o lamento de um crítico que percebeu ‘que não havia nenhum livro (…) alguma obra que o entretece’.

Paresse incrível alguém escrever dece geito, vossê não axa?

 

…é…

De uma grande agência de notícias, ligada a um jornal de circulação nacional:

** ‘A reunião que ocorreu nesta sexta-feira entre o empresário do jogador (…), e dirigentes da (…), não fechou o acordo (…)’.

Tudo estaria perfeito se a notícia não tivesse sido divulgada na quinta-feira.

 

…mesmo?

De um jornal importante, referindo-se à estatal paulista de rodovias:

** ‘Dersa vai recapear Papa João XXIII’

Com um título desses, a Dersa vai é acabar excomungada.

 

E eu com isso?

Há certas informações que podem até parecer fúteis, mas sem as quais fica quase impossível conversar hoje em dia. Como é que alguém se atreve, por exemplo, a não saber quem é o atual namorado da atriz ou da cantora da moda, ou mais ou menos da moda, ou pretendente a entrar na moda? Não, não pode: e é essa lacuna que tentamos aqui preencher, com aquelas notícias essenciais.

** ‘Edson Celulari espera por mesa em restaurante com filho’

** ‘Em dia calmo, Lindsay Lohan vai às compras e experimenta vários looks’

** ‘Deborah Secco faz compras em farmácia do Rio’

** ‘Após tiro, pombo ganha parafusos’

** ‘Mariana Ximenes usa guarda-chuva rosa para se proteger’

** ‘`Calcinha-voadora´ provoca apagão em cidade britânica’

** ‘Filho de Cássia Kiss atrapalha beijo da mãe com o namorado’

** ‘Sabedoria de Paris Hilton será imortalizada em livro de citações’

** ‘Ator José Wilker passeia de tênis verde pelo Leblon’

** ‘Ricky Martin viaja com filho no colo’

Há até notícias que envolvem a tecnologia da informação:

** ‘Pombo `transfere´ dados mais veloz que rede de telecom na África’

** ‘Computador feito com bactérias resolve problemas matemáticos’

E, claro, assuntos siderais:

** ‘Britânicos recuperam `queijo espacial´’

Mas o astro noticioso da semana é Mauro Mendonça:

** ‘Mauro Mendonça toma vinho em restaurante’

** ‘Ator também foi fotografado folheando revista em banca de jornal’

 

O grande título

Há coisas sugestivas: aqueles títulos que fazem pensar.

** ‘Só de sunga, ladrão tenta roubar carros, mas é detido por cachorro’

Onde será que o cachorro o mordeu?

** ‘Após perder neto por nova gripe, avô morre em tornado em SC’

Responda depressa: qual a relação entre um fato e outro?

Mas o grande título da semana, acredita este colunista, é um que não exige esforço, que tem seu toque de graça, que mostra claramente uma situação sentimental:

** ‘Katy Perry tatua errado o nome de affair no peito’

Isso é que é dar atenção ao namorado!

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação