Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O time escalado pelo povo

Dos 180 milhões de técnicos de futebol, o único que não entende nada de bola, segundo a imprensa, é exatamente o que foi escolhido para dirigir a seleção; aquele que foi campeão do mundo, e não apenas uma vez. As mesas-redondas, blogs, artigos de jornal, comentaristas de rádio e TV, todos se atribuíram os méritos da boa vitória contra o Japão. Houve até um título incrível – ‘Eu não disse?’.


É a mania nacional: se o time vai mal, a culpa é do técnico. Se vai bem, é que o técnico ouviu a torcida. Em 1958, Dino, Joel, Dida e Mazzola eram titulares, e Vicente Feola acabou por ouvir a torcida e substituí-los por Zito, Garrincha, Pelé e Vavá. Em 1970, Zagallo disse que o time com Tostão e Pelé não era o dele, mas o da torcida. Logo, torcedor entende mais do que técnico (e não se sabe por que se gasta tanto para ter um bom técnico). Jornalista, então, entende por todos!


O problema é que não é bem assim. Em 1950, a seleção tanto ouvia a torcida que escalava cariocas no Rio e paulistas em São Paulo. O Uruguai foi campeão. Em 1974, Marinho foi escalado pela torcida (Zagallo preferia Marco Antônio). Leão acabou batendo em Marinho, por suas falhas. A Alemanha foi campeã. Em 1994, todos amavam odiar a seleção de Parreira – que não ouviu ninguém e ganhou a Copa. E a briga contra Felipão e seus três zagueiros? Felipão foi campeão.


Quando os jornalistas se ufanam de seus palpites certos, esquecem os errados que já deram. Esquecem que um técnico de nível, com dedicação exclusiva, certamente entende mais do que nós. E, também no futebol, incorrem no pecado da soberba. Afinal de contas, entendendo de juros mais que os economistas pagos para isto, entendendo de TV mais que o Boni, entendendo de leis mais que qualquer jurista, como é que os colegas deixariam de ser melhores que o Parreira?




O óbvio


Alô, companheiros: Parreira entende de futebol, tem uma boa equipe para assessorá-lo, tem uma estratégia. Pode estar errado, claro; mas tem uma diretriz. E, não esqueçamos, é a dele que está na janela.




Belo título


A melhor manchete referente ao jogo Brasil x Japão foi a do Correio Braziliense: ‘Viva o Gordo’.




Varig, Varig, Varig


Há alguns anos, no dia de folga do chefe de reportagem, um grande jornal publicou em manchete que dez milhões de japoneses migrariam para o Brasil. O chefe de reportagem, tão logo recebeu o jornal, ligou para a Redação: ‘E como é que eles vêm? Nadando?’


Engraçado, né? Não, não é: agora, com quase 30 mil brasileiros no exterior, com passagens da Varig, o governo informa que irá trazê-los, em caso de necessidade, com dois veteraníssimos Boeing 707, cada um com capacidade para 189 passageiros, no máximo. O 707 já não pousa em aeroportos importantes, por ser poluidor e ruidoso. E seria preciso mobilizá-los durante uns 70 dias, sem pausa, para trazer ao Brasil os sem-avião.


Caros colegas, nem com o auxílio do BAFO (Brazilian Air Force One), também conhecido como AeroLula, daria para trazer o pessoal que comprou, pagou e corre o risco de não receber. Como é que a imprensa publica essa informação a seco, como se fosse a coisa mais viável do mundo?




Opportunity, sem censura


Esta coluna está sendo lida pelo Banco Opportunity: chiquérrimo! E, a respeito da nota ‘A censura está de volta, discreta’, Elisabel Benozatti, da Assessoria de Comunicação do Opportunity, dá sua versão sobre a proibição imposta pela Justiça ao colunista Ucho Haddad:




‘A Justiça determinou que o Ucho se ‘abstenha de publicar qualquer matéria ou nota jornalística ofensiva à honra dos autores, bem como de qualificar Daniel Dantas por apelidos de qualquer natureza em futuras matérias’. Ou seja, ele não está proibido de citar o nome de Daniel Dantas, mas, sim, de difamá-lo.


‘Como você mesmo diz em seu texto, ‘imprensa, às vezes, é fogo: toma assinatura com alguém e o persegue até o final dos tempos. Mas o remédio mais democrático para isso é a lei, não a proibição prévia; é o processo judicial, que pune os excessos.’ Foi exatamente isso que foi feito. Buscou-se o remédio mais democrático, a lei para coibir os excessos e não para colocar em cena a ‘velha senhora’, a censura.’


Apesar dos argumentos tão bem expostos por Elisabel Benozatti, este colunista continua acreditando que o processo judicial, para punir excessos, deve ser posterior aos fatos. A proibição prévia, mesmo determinada pela Justiça, mesmo amparada por lei, tem cheiro de censura.




Última leitura


Há verba publicitária para a revista do acupunturista de uma autoridade. Há verba publicitária para publicações que se dedicam a louvar os governantes de plantão. Há verba publicitária para publicações que mostram como a família dos governantes e dos chiques se veste em festas e eventos. Há verbas publicitárias para publicações de organizações não-governamentais, que, entretanto, sobrevivem de dotações governamentais. Mas não houve verba publicitária para manter uma revista independente de análise e opinião, a Primeira Leitura.




O risco do correto


A Transparência Brasil lançou uma campanha aparentemente inatacável: ‘Não vote em mensaleiro’. Excelente: os mensaleiros não merecem nossos votos. O problema é outro: é identificar quem são os mensaleiros. A imprensa, no caso, julgou e condenou em bloco: todos os acusados foram automaticamente considerados culpados. E isso pode induzir o eleitor a acreditar que: a) todos os acusados são mensaleiros e, portanto, não merecem seu voto; b) quem não foi acusado não é mensaleiro e, portanto, pode merecer seu voto. As duas conclusões são falsas.


Talvez valha a pena, para evitar a patrulha do politicamente correto, criar condições para que o eleitor identifique os mensaleiros de maneira mais precisa. Digamos, por exemplo, que só os condenados pelo Conselho de Ética sejam incluídos entre os mensaleiros. Neste caso, seriam poupados os parlamentares absolvidos pelo Conselho de Ética. E seria interessante buscar, entre os parlamentares não acusados de recebimento do mensalão, outros que não merecem o voto do eleitor: os envolvidos na Máfia dos Sanguessugas, ou dos Gafanhotos.


É mais complicado; mas é mais justo. E que os nomes dos parlamentares que não devem ser votados sejam divulgados pela Transparência Brasil. Não é ilegal, não: houve época em que a Liga Eleitoral Católica publicava o nome dos candidatos que não recomendava. Por que não ressuscitar esse formato tão eficiente?




Belo portal


Vale a pena, e não apenas para os interessados em noticiário jurídico, a leitura do portal Espaço Vital, editado no Rio Grande do Sul: traz, sempre sob o ponto de vista do Direito, uma série de informações extremamente úteis. Informações sobre bancos, por exemplo. E, neste caso, sob um título absolutamente impecável: ‘Os vorazes’.


A propósito, este colunista recomenda também a leitura do artigo abaixo, ‘Carta aberta ao banco’, de Delman Ferreira. Mas bem que o artigo poderia se chamar ‘Carta aos Vorazes’.




Carta aberta ao banco


Delman Ferreira


Senhores Diretores,


Gostaria de saber se os senhores aceitariam pagar uma taxa, uma pequena taxa mensal, pela existência da padaria na esquina de sua rua, ou pela existência do posto de gasolina ou da farmácia ou da feira, ou de qualquer outro desses serviços indispensáveis ao nosso dia-a-dia.


Funcionaria assim: todo mês os senhores, e todos os usuários, pagariam uma pequena taxa para a manutenção dos serviços (padaria, feira, mecânico, costureira, farmácia etc.). Uma taxa que não garantiria nenhum direito extraordinário ao pagante. Existente apenas para enriquecer os proprietários sob a alegação de que serviria para manter um serviço de alta qualidade.


Por qualquer produto adquirido (um pãozinho, um remédio, uns litros de combustível, etc.) o usuário pagaria os preços de mercado ou, dependendo do produto, até um pouquinho acima.


Que tal?


Pois, ontem saí do banco com a certeza de que os senhores concordariam com tais taxas. Por uma questão de equidade e de honestidade.


Minha certeza deriva de um raciocínio simples. Vamos imaginar a seguinte cena: eu vou à padaria para comprar um pãozinho. O padeiro me atende muito gentilmente. Vende o pãozinho. Cobra o embrulhar do pão, assim como todo e qualquer serviço. Além disso, me impõe taxas.


Uma ‘taxa de acesso ao pãozinho’, outra ‘taxa por guardar pão quentinho’ e ainda uma ‘taxa de abertura da padaria’. Tudo com muita cordialidade e muito profissionalismo, claro.


Fazendo uma comparação com que talvez os padeiros não concordem, foi o que ocorreu comigo em seu Banco.


Financiei um carro. Ou seja, comprei um produto de seu negócio. Os senhores me cobraram preços de mercado. Assim como o padeiro me cobra o preço de mercado pelo pãozinho.


Entretanto, diferentemente do padeiro, os senhores não se satisfazem me cobrando apenas pelo produto que adquiri.


Para ter acesso ao produto de seu negócio, os senhores me cobraram uma ‘taxa de abertura de crédito’ – equivalente àquela hipotética ‘taxa de acesso ao pãozinho’, que os senhores certamente achariam um absurdo e se negariam a pagar.


Não satisfeitos, para ter acesso ao pãozinho, digo, ao financiamento, fui obrigado a abrir uma conta corrente em seu Banco. Para que isso fosse possível, os senhores me cobraram uma ‘taxa de abertura de conta’.


Como só é possível fazer negócios com os senhores depois de abrir uma conta, essa ‘taxa de abertura de conta’ se assemelharia a uma ‘taxa de abertura da padaria’, pois, só é possível fazer negócios com o padeiro depois de abrir a padaria.


Antigamente, os empréstimos bancários eram popularmente conhecidos como ‘papagaios’. Para liberar o ‘papagaio’, alguns gerentes inescrupulosos cobravam um ‘por fora’, que era devidamente embolsado.


Fiquei com a impressão de que o Banco resolveu se antecipar aos gerentes inescrupulosos. Agora, ao invés de um ‘por fora’, temos muitos ‘por dentro’.


Tirei um extrato de minha conta – um único extrato no mês. Os senhores me cobraram uma taxa de R$ 5,00.


Olhando o extrato, descobri uma outra taxa de R$ 7,90 ‘para a manutenção da conta’ – semelhante àquela ‘taxa pela existência da padaria na esquina da rua’.


A surpresa não acabou: descobri outra taxa de R$ 22,00 a cada trimestre – uma taxa para manter um limite especial que não me dá nenhum direito. Se eu utilizar o limite especial vou pagar os juros (preços) mais altos do mundo. Semelhante àquela ‘taxa por guardar o pão quentinho’.


Mas, os senhores são insaciáveis. A gentil funcionária que me atendeu, me entregou um caderninho onde sou informado de que me cobrarão taxas por toda e qualquer movimentação que eu fizer.


Cordialmente, retribuindo tanta gentileza, gostaria de alertar que os senhores esqueceram de me cobrar o ar que respirei enquanto estive nas instalações de seu Banco.


Por favor, me esclareçam uma dúvida: até agora não sei se comprei um financiamento ou se vendi a alma.


Depois que eu pagar as taxas correspondentes, talvez os senhores me respondam informando, muito cordial e profissionalmente, que um serviço bancário é muito diferente do de uma padaria. Que sua responsabilidade é muito grande, que existem inúmeras exigências governamentais, que os riscos do negócio são muito elevados etc. e tal. E, ademais, tudo o que estão cobrando está devidamente coberto por lei, regulamentado e autorizado pelo Banco Central.


Sei disso. Sei que os senhores possuem a total simpatia do atual governo. Não é à-toa que definem o governo Lula como ‘o governo dos bancos’. 


Sei, também, que existem seguros e garantias legais que protegem seu negócio de todo e qualquer risco. Presumo que os riscos de uma padaria, que não conta com o poder de influência dos senhores, talvez sejam muito mais elevados.


Sei que são legais.


Mas, também sei que são imorais. Por mais que estejam garantidas em lei, tais taxas são uma imoralidade.




Online, off line


A imprensa online tem publicado uma série de gemas preciosas – o que pode ser explicado (se bem que não justificado) pela pressa. Mas não está sozinha: a imprensa tradicional, convencional, tem lutado bravamente nesse terreno.


1. Um rapaz morreu ao saltar de pára-quedas. Texto: ‘O caso está sendo investigado, mas, como o pára-quedas foi achado fechado, a principal suspeita é a de que o equipamento tenha falhado’.


2. ‘Varig suspende hoje 20 vôos internacionais da Varig’.


3. ‘Argentiona pega México após empate com Holanda’. E este título, caros colegas, é de jornal impresso: o Argentiona não é erro causado pela pressa, não. Aliás, os de baixo também são da imprensa tradicional.


4. ‘PMDB formaliza aliança formal com o PT’.


5. ‘Lula assina cria Política Nacional de Plantas Medicinais’.




E eu com isso?


Papel é caro, colegas. Computador também: não há nenhum que custe menos de mil reais. TV até que barateou, mas continua custando muito dinheiro. E, no entanto, é um gasto compensador. Não fossem os jornais de papel, não fosse o jornalismo virtual, não fossem certos programas de TV, como ficaríamos sabendo de informações vitais como as que se seguem?


1. Justin Timberlake volta ‘sexy’ em novo álbum


2. Nicole Kidman comemora 39 anos dias antes de seu casamento


3. Vera Fischer promove festa junina em seu sítio


4. Carolina Ferraz vai às compras no Leblon


E este, o recordista:


5. Cineasta Spike Lee diz que prefere Robinho como titular


Como diria Cid Moreira, não é fantástico?


Desafio


Quem traduzir este título faz jus a um prêmio: um dueto interpartidário. Um discurso de uma hora de Geraldo Alckmin, com aquela empolgação e emoção que lhe é peculiar, tendo como fundo sonoro o senador Eduardo Suplicy cantando Blowing in the wind: ‘Overbooking no roda viva dos cios’

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados