Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Os bastidores, onde estão os bastidores?

1. Um pedreiro brigou com a esposa, foi detido pela PM e levado a uma delegacia de polícia, em Ubatuba. Duas horas depois, estava morto, enforcado. Como não havia altura suficiente, ‘enforcou-se’ sentado.

2. A IstoÉ desta semana cita um preso morto sob tortura, em dependências policiais. O caso ocorreu em 1989. Até hoje não foi esclarecido.

3. Há pouco mais de um ano se encerrou a CPI dos Correios. Não aconteceu nada, como de hábito; mas há 325 indiciados, que um dia devem ir a julgamento. Porém, apesar dos parlamentares tronituantes, ferozes, agressivos, não se apurou nada sobre a origem do dinheiro. Muitos foram acusados de receber, Marcos Valério foi acusado de intermediar, mas de onde veio aquela fortuna toda?

4. Lembra do caso dos dólares na cueca? A quem pertenciam aqueles dólares, já que o portador não conseguiu provar sua origem? Quem botou tanto dinheiro na cueca do transportador, e com que objetivo?

5. Faz seis meses que um desabamento matou gente, desalojou famílias e provocou a suspensão das obras do metrô de São Paulo. Numa linha anterior, que passou pelo centro da cidade, não houve uma só construção rachada. Nesta, os prédios próximos à linha apresentaram toda uma gama de rachaduras. Quem deveria levar em consideração a causa das rachaduras? Por que não fez nada? Ou, pior ainda, estaria o contrato tão malfeito que nem conteria esta previsão?

6. Ainda a propósito deste desabamento do metrô: não foi exibida, até hoje, a planta da estação que estava sendo construída. Cadê a planta? Por que não apareceu? A propósito, quando será nomeado o novo presidente da Companhia do Metrô, que vem sendo dirigida interinamente pelo secretário dos Transportes?

Todas essas histórias estranhas têm uma coisa em comum: não foram investigadas pelos meios de comunicação. Em alguns dos casos (especialmente o que envolve um pedreiro pobre), a imprensa se fez ausente; em outros, acabou aparecendo muito depois do fato; na maioria, limitou-se a fazer entrevistas e publicá-las – ouvindo os dois lados, e pronto.

Há ocasiões – e esses acontecimentos mostram isso – que sairia tão eficiente, e muito mais barato, substituir a reportagem por contínuos munidos de gravadores portáteis.



Preços aéreos

Na CPI dos Correios, um parlamentar disse que, de acordo com informações do DAC, Departamento de Aviação Civil, um avião DC-8 de carga era alugado nos EUA por 8 mil dólares mensais. Foi desmentido, reafirmou a informação. Alguém da imprensa fez o óbvio – telefonar para uma empresa locadora de aviões, informar as características do modelo citado e perguntar quanto custava?

Não: é muito mais fácil, nos aniversários da CPI, escrever matérias dizendo que nada acontece aos corruptos e que este país não tem jeito.



A volta…

Um fato espantoso e recente passou batido pela imprensa: a eleição do ex-deputado José Janene (PP-PR) para o cargo de primeiro-tesoureiro de seu partido. Janene, alegando grave doença cardíaca, conseguiu da Câmara dos Deputados uma bela aposentadoria por invalidez.

Se está inválido, se não pode mais trabalhar, como pode assumir um cargo difícil, que exige mobilidade, atenção constante, vigilância?



…do que não foi

Mesmo sem ser pressionado pela imprensa, o deputado André Vargas, petista do Paraná (e, por essas coisas que só acontecem na política brasileira, aliado do tradicional malufista José Janene), explicou os fatos: disse que Janene, embora aposentado por invalidez, pode exercer a função de tesoureiro porque tem prática no assunto.

A declaração de Vargas foi transcrita por alguns jornais e portais de internet. Mas ninguém contou que:

** Janene determinou à sua equipe que apoiasse Vargas na campanha de deputado federal, já que ele, Janene, não seria candidato;

** A empresa do irmão de Janene faz a coleta do lixo em Londrina, onde o PT de André Vargas tem o comando da Prefeitura.



Mil desculpas

O repórter do The New York Times, que estava no Legacy no momento do choque com o Boeing da Gol, quase foi triturado por ter dito que havia zonas sem comunicação no espaço aéreo brasileiro, que os controladores de nosso país falam mal o inglês e que o controle de vôo no Brasil é precário.

Ele observou, pensou e concluiu sem precisar entrevistar autoridades. E tinha razão. Não terá chegado a hora de pedir desculpas a ele?



Desculpas mil

Às vezes é difícil ter razão no Brasil. Há uns 60 anos, um especialista americano, depois de estudar a geologia deste país, recomendou que se concentrasse a pesquisa no petróleo submarino, já que em terra as probabilidades seriam muito menores. Virou persona non grata, o especialista. Agente do imperialismo, que queria manter o Brasil sob o domínio das empresas petrolíferas internacionais E hoje, onde é que a Petrobras busca petróleo? Pois é – mas quem manda ter razão antes do tempo?



Esquisito

Uma quituteira, que prepara um livro sobre seu trabalho, quis fotografar a comida que seria servida no casamento de Ana Maria Braga. Foi proibida: violaria a cláusula de exclusividade do contrato com a revista Caras.

Contrato de exclusividade – não está na hora de discutir entre nós, jornalistas, a ética desse tipo de acordo? Será que um acordo como este, que dá a uma publicação os direitos exclusivos sobre um determinado acontecimento, não viola a liberdade de imprensa? A propósito, será que a concessão é gratuita?



E eu com isso?

Victoria Beckham, ex-Spice Girl, esposa do craque David Beckham, gosta de andar sem sutiã. E daí? Daí que uma revista americana resolveu defender a moral dos adolescentes, para quem Victoria seria um mau exemplo, e deu ampla reportagem sobre a roupa de baixo da cantora. Como diriam os adolescentes que a matéria pretende defender, não está na hora de a revista ir caçar o que fazer?

Aliás, essa história de ir caçar o que fazer deveria ser mais levada a sério na imprensa. Numa só semana, somos informados de que:

1. ‘Recém-separada, Letícia Birkheuer almoça com amigo no Rio’

2. ‘Dado Dolabela diz que (fulano) deu mole e por isso pegou a mulher dele’

3. ‘Britney Spears faz lipoaspiração’

Como é que a gente conseguiria sobreviver sem essas informações?



O grande texto

Não há disputa: ‘Supostamente atingida por uma bala de fuzil, ela morreu enquanto trabalhava numa barraca de doces em Irajá, subúrbio do Rio’.

O caro colega certamente já viu uma bala de fuzil. Se a vítima foi atingida por uma bala de fuzil, onde cabe o ‘supostamente’?



O grande título

Uma bela manchete veio dos portais e Internet:

** ‘Após tsunami, crise humanitária atinge Ilhas Salomão’

Alguém certamente saberá do que se trata uma crise humanitária. Talvez seja uma crise que exigiria uma ajuda humanitária que não está chegando. Pode ser.

Mas o grande título é este:

** ‘Almunia: Europa está bem preparada contra desequilíbrios mundiais, graças ao’

Não apenas é ininteligível, como não termina. Imbatível!

******

Jornalista, diretor da Brickmann&Associados