Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Os culpados de sempre

A tragédia segue o roteiro paulistano de sempre: às quatro horas da manhã, uma senhora e seu filho, que vendiam pastéis na feira, saíram de casa na velha Kombi da família. Vingança ou assalto, não se sabe: assim que saíram, ambos foram mortos a tiros.

Num grande veículo de comunicação, os comentários: quatro horas da manhã, no horário de verão, são na verdade três da manhã. As pessoas saem às ruas e correm riscos. Os caminhoneiros são obrigados a circular de madrugada, sujeitos a assaltos, porque a prefeitura barra o trânsito de caminhões durante o dia. E o culpado, quem é? O de sempre: o prefeito Gilberto Kassab.

A responsabilidade pela segurança pública não é da prefeitura, é do estado. O horário de verão não é municipal nem estadual, é federal. Os feirantes não correram risco extra nenhum porque os caminhões não podiam circular de dia: estavam numa Kombi, não num caminhão, e a Kombi circula em qualquer horário. Mas Kassab é um bom culpado: não tem verbas de publicidade que possa cortar.

Já o governo paulista – bem, o governo paulista foi acusado de manipular uma grande concorrência de metrô, e um jornal registrou o resultado da disputa alguns meses antes da abertura dos envelopes. Faça-se justiça, a notícia foi publicada. Mas faltou aquela insistência de ir atrás, de descobrir as provas, de buscar temas correlatos. Claro: o governo paulista tem boas verbas de publicidade. Até a Sabesp, a estatal de águas, faz anúncios em rede nacional de TV, embora opere só no estado. Parece, explicam, que o anúncio nacional é preferido porque a empresa tem planos de operar nacionalmente. Pois é. E, como efeito colateral, certamente inesperado, ganha a boa vontade de parte substancial dos meios de comunicação.

A Petrobras é sócia da Chevron no poço que vazou. A presidente da República, que fez toda sua carreira estatal na área de Minas e Energia, sabe disso; sabe também que o vazamento traz prejuízos gigantescos ao país. Mas tanto da Petrobras, sócia do vazamento, como da presidente da República, só se ouve o som do silêncio. (Surpreendentemente, embora mais atrasado que trem de região pobre, o ministro das Minas e Energia, Édison “Magro Véio” Lobão, criticou a Chevron – embora tenha poupado a Petrobras.) A imprensa vai em cima, investigar o que houve?

Não: há o pessoal de chapa-branca, que vive muito bem quando finge nem perceber que as coisas vão mal, há boas verbas publicitárias que contribuem para acalmar os ânimos mais exaltados. Uma coisa é cascar de pau o Ministério do Trabalho, cujas verbas publicitárias são pequenas (e derrubar o sexto ministro em menos de um ano de governo, sempre por acusações de corrupção); outra é bater na Petrobras e suas tentaculares ramificações (ou mesmo na Vale, privatizada mas ligada ao governo, e que na luta para dividir o Pará pode acabar tendo um estado só seu, coisa mais chique!)

 

A causa das demissões

Parece incrível, mas muita gente andou festejando as demissões na Folha de S.Paulo. De acordo com as teorias pré-queda do Muro de Berlim, isso indicaria que a grande imprensa está perdendo credibilidade e leitores para algum blogueiro de algum grotão, daqueles que chamam os americanos de “estadunidenses”, consideram as FARC uma poderosa força anti-imperialista e acham que Ahmadinejad é a vanguarda do progressismo internacional, mais até do que Hugo Chávez.

A verdade, para quem analisa o noticiário sem viés ideológico, é um pouco diferente: o grupo Folha parece estar reforçando o caixa para recomprar a parte do UOL que tinha há alguns anos vendido a um grupo internacional. Pretende ficar com 100% das ações e fechar o capital. Isso não indica fraqueza nem problemas: ao contrário, mostra força financeira e disposição para investir. Pode indicar também, no médio prazo, o deslocamento da área principal do grupo, hoje os jornais impressos, para o setor virtual. Os investimentos do grupo no portal BOL (Brasil On Line), com atrações como o “Terceiro Tempo”, de Milton Neves, sinalizam também nessa direção.

 

A boa volta na Gazeta

Maria Lydia, a âncora que durante muitos anos manteve de pé o prestígio do jornalismo da TV Gazeta, em São Paulo, trabalhando com imensa falta de recursos e mantendo imensa credibilidade, está de volta. Maria Lydia saiu em maio e volta agora, em dezembro, conduzindo as entrevistas diárias no Jornal da Gazeta e comandando os debates entre os candidatos à prefeitura de São Paulo.

 

O segredo do 69

Recordando: o carro oficial chapa 69, da Assembleia Legislativa de São Paulo, foi flagrado por um leitor desta coluna em velocidade superior à permitida, fazendo manobras perigosíssimas na rodovia e pressionando os veículos à sua frente. O leitor escreveu à Assembleia para saber qual o nobre parlamentar que utilizava este carro e não obteve resposta. Esta coluna entrou no assunto e durante quase um mês ouviu apenas o mais escandaloso silêncio – sabe como é, faz de conta que ninguém leu, não é verdade? E vamos fazer de conta, também, que o clipping foi incapaz de capturar a notícia. E não vamos fazer de conta que os grandes meios de comunicação ignoraram a notícia: pelo jeito, usar mal o dinheiro público só é crime de verdade quando os responsáveis não são apreciados por jornais e jornalistas.

Até que, agora, Suas Excelências piscaram: o carro 69 é de uso do deputado estadual Pedro Tobias, presidente estadual do PSDB. Tobias é um parlamentar eficiente, simpaticíssimo, livre de denúncias. Está no quarto mandato (o que parece mostrar a aprovação de seus eleitores). Antes de vir para o Brasil – nasceu no Líbano, estudou na França – foi um dos fundadores da organização beneficente Médicos sem Fronteiras, que realiza um trabalho importantíssimo nas regiões pobres e conflagradas.

Pois é: como é que uma pessoa que já demonstrou esse tipo de valor prefere silenciar quando o automóvel que utiliza, pago com dinheiro público, coloca vidas em risco? Pois ninguém cometa a injustiça de achar que Pedro Tobias se apresentou como titular do carro: ele só vai descobrir que foi entregue por algum de seus pares, enquanto procurava fingir que não sabia de nada, ao ler esta coluna.

 

O Ciro que não era Ciro

Esta coluna errou feio na semana passada, ao relembrar o governador do Ceará que levou a sogra (e o restante da família) para passear no exterior: não era Ciro Gomes, mas seu irmão Cid. Ah, os bons tempos em que revisores como Ruy Onaga, Raul Drewnick, Luiz Carlos Cardoso evitavam essas derrapadas!

 

A história dos livrinhos

Em sua primeira fase, o marechal Eurico Gaspar Dutra foi ministro da Guerra da ditadura de Getúlio Vargas, e dentro do governo brasileiro foi um dos principais defensores de uma aliança com a Alemanha nazista. Em sua segunda fase, como presidente da República democraticamente eleito, Dutra foi um escravo da Constituição. Antes de tomar qualquer medida, queria saber “o que dizia o livrinho”. E seguiu o livrinho como poucos, com todo o rigor. Com Dutra, o caso Lupi não existiria – em primeiro lugar, porque Lupi nem seria ministro, já que o livrinho proíbe a acumulação de cargos públicos e Lupi durante cinco anos acumulou dois deles (com a agravante de que, embora recebesse dos dois, não trabalhava em nenhum).

O historiador Marco Villa, da Universidade Federal de São Carlos, decidiu debruçar-se sobre os vários livrinhos que vigoraram nos últimos dois séculos. Conta e analisa a história das Constituições brasileiras. O livro A História das Constituições Brasileiras – 200 anos de luta contra o arbítrio, já nas livrarias, informa que as várias cartas brasileiras, desde 1824, apresentam características comuns: são, por exemplo, prolixas, detalhistas (ao contrário da Constituição americana, extremamente sintética). Mas a vida do país seria muito pior sem elas. O problema da atual Constituição, diz, não é sua aplicação: “a questão central é que não é colocada em prática”.

Um livro interessante, não apenas para especialistas, mas para o público em geral. E pode contribuir para que as discussões políticas se baseiem mais em fatos do que, como hoje, nos preconceitos e ódios.

 

Coisa feia

Certos hábitos jornalísticos se eternizam – por exemplo, identificar alguém em situação vexatória com personagens importantes, sem que esses personagens tenham qualquer ligação com os fatos narrados. O exemplo de agora:

** “Mãe de piloto de testes da F-1 é detida em operação que prendeu Marcos Valério”

O rapaz que é piloto de testes está viajando pelo mundo, cuidando de aperfeiçoar carros de corrida. Que é que tem ele a ver com os fatos atribuídos a sua mãe e que a levaram a ser detida?

 

Como…

De um grande jornal impresso, de circulação nacional.

Título: “Desemprego nos EUA atinge o pior índice desde março de 2009”

Texto: “A taxa de desemprego de novembro é a mais baixa desde março de 2009.”

De certa forma, o título está certo. Se a taxa de desemprego é baixa, o índice de desemprego vai mal. Já o índice de emprego vai bem.

 

…é…

De outro grande jornal impresso, referindo-se à Copa do Mundo de 1966, em que o Brasil foi desclassificado por Portugal:

** “Pelé (…) foi cassado pelos portugueses”

Este colunista lembra que Pelé só não foi esfaqueado por seus marcadores, que o caçaram implacavelmente em campo. Mas terão também destituído o Crioulo do título de Rei de Futebol?

 

…mesmo?

Mais uma de jornal impresso:

** “Boi é retirado a força após invadir loja em Socorro (SP)”

Devemos admitir que, antes de decidir retirá-lo à força, os responsáveis pela lei e ordem esgotaram todas as possibilidades de negociação, tentando convencê-lo a sair pacificamente, mas o boi se manteve irredutível.

 

É…

Continuemos insistindo nos jornais impressos. Eles tentam demonstrar que podem ser tão ruins quanto a internet:

** “Crianças chineses foram infectadas com hepatite por mal uso de seringas”

 

…desse…

Jornal impresso, e dos mais importantes:

** “Pancadas de chuva isoladas e até granito atingem a Grande São Paulo”.

Com paralelepípedos caindo das nuvens, não é de estranhar a destruição que os temporais vêm causando.

 

…jeito

E, para não dizer que não falamos de dores, uma maravilha virtual:

** “Sheik se irrita com suspensão e posta foto com hematoma no corpo sofrido contra o Figueirense”

Pobre corpo tão sofrido!

 

Mundo, mundo

Não, isso jamais aconteceria no Brasil. É coisa de americano: um xerife aposentado do condado de Arapahoe, Colorado, foi preso sob a acusação de oferecer drogas em troca de sexo. E ficou numa cadeia que tem seu nome.

Patrick J. Sullivan Jr., hoje aposentado e trabalhando como segurança de um grupo de escolas, foi eleito Xerife do Ano em 2001. Em 2003, em sua homenagem, a cadeia recebeu seu nome. E agora recebe, em suas modernas instalações, seu próprio patrono.

“Ninguém está acima da lei”, diz o atual xerife de Arapahoe, Grayson Robinson.

Aqui no Brasil, nem sonhar. Não que faltem homenagens, mas quem é que vai botar na cadeia alguém tão importante que tenha dado nome a um prédio público?

 

E eu com isso?

A fórmula frufru é a mais eficiente que existe para evitar trabalho: quando não há o que destacar (nem mesmo parentescos), identificam-se os personagens simplesmente como “famosos”.

** “Famosos prestigiam abertura de loja em shopping do Rio de Janeiro”

** “Famosos prestigiam lançamento de livro de Boni no Rio”

** “Famosos prestigiam lançamento do livro de Boni”

** “Danielle Winits e Marcos Pasquim vão juntos ao teatro”

** “Leandra Leal mostra barriga de grávida no Twitter”

** “Geisy Arruda é clicada no aeroporto de São Paulo”

** “BichosHomens protestam contra corrupção soltando cobras na Índia”

** “Chimbinha do Calypso é contra a divisão do Pará”

** “Público acompanha desfile de Gisele Bündchen em shopping de São Paulo”

** “Político enfartou em noite tensa, diz colega”

Eta, frase com sentido mais dúbio!

 

O grande título

Podemos começar com uma novidade sensacional:

** “Biólogo encontra espécies de peixes mortais no rio Amazonas”

Este colunista, absolutamente ignorante em fauna aquática (poderia até ser ministro da Pesca, já que só conhece os espécimes já adequadamente preparados, de preferência com farofa), até agora acreditava que todos os peixes eram mortais.

Há outra revelação notável num grande título:

** “Multa por falta de capacete em carro será cancelada”

Alguém sabia que era obrigatório usar capacete também no carro?

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[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados]