Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Os nossos mortos

Jean Charles de Menezes recebeu justas homenagens: o país se emocionou com o drama do brasileiro honesto, trabalhador, assassinado a tiros pela Polícia londrina. A imprensa, corretamente, atacou os policiais que o mataram: ‘assassinos’ foi o mais ameno dos tratamentos. Até José Sarney criticou Tony Blair (o que é até aceitável) e George Bush, sabe-se lá por que, pela morte do brasileiro – talvez porque Bush, em sua opinião, seja o culpado até pelos dólares na cueca.

Mas há, além de Jean Charles, uma jovem brasileira, Dana Galkowitz, 22 anos, assassinada por terroristas islâmicos que atiraram um foguete em Netiv, Israel, onde morava. A imprensa deu notícias por dois ou três dias, sem editoriais ou artigos indignados. O chanceler Celso Amorim fez um protesto moderado – sequer exigiu, como no caso do jovem que morreu em Londres, uma indenização à família. E Sarney não se manifestou, nem mesmo para culpar George Bush.

Há o caso do engenheiro João José Vasconcellos Júnior, baleado, seqüestrado e talvez assassinado por terroristas islâmicos no Iraque. A imprensa protestou. O Itamaraty mandou ruidosamente um embaixador à Jordânia – talvez porque fique perto do Iraque, por que não? – e, pouco depois, retirou-o em silêncio, sem sequer informar à família da vítima. Sarney se esqueceu, em seu artigo semanal na Folha de S.Paulo, de culpar George Bush. E a família de João José Vasconcellos Jr. – sua viúva do talvez, seus órfãos do quem sabe – continua sem saber se está vivo ou morto.

Serão os brasileiros, para a imprensa e o governo, nascidos todos iguais?



No ar

De repente, uma notícia sensacional na imprensa: a Gol, jovem e bem-sucedida empresa aérea, está comprando 101 aviões Boeing 737-800, os mais modernos da fábrica americana. De uma só tacada, uma só empresa compra o equivalente a mais da metade da frota nacional de passageiros. E a imprensa aceita tudinho, publica tudo, cumprimenta a todos.

Mas vamos falar sério: ninguém está comprando 101 aviões, não. Na verdade, são 60 compras firmes no período de sete anos, mais 41 opções. Na verdade, não são nem 60 compras: talvez não seja nenhuma. Mas é bom para a Boeing, em sua disputa com a Airbus, registrar uma encomenda deste porte; é bom para a Gol, em termos de ganhar boa cobertura, mostrar tão explosivo crescimento. Só não é bom para os jornalistas, que engoliram a história toda.



No espaço

A propósito, a mais rentável rota brasileira é a Ponte Aérea Rio-São Paulo. E os Boeing 737-800 não podem operar na pista do Aeroporto de Santos Dumont. Nós, jornalistas, noticiamos que a Boeing está mudando o projeto do avião para que ele possa utilizar pistas mais curtas. Agora, caro amigo, raciocine comigo: se a Boeing é capaz de fazer um avião que possa utilizar pistas mais curtas, porque não o fez de uma vez, e ficou esperando uma encomenda do Brasil?



Delícias

1. ‘(…) a Grande Rio vai desfilar na Avenida Leopold Strasse, em Munique’. Só que ‘Strasse’ quer dizer ‘rua’, ‘avenida’. Leopoldstrasse significa ‘avenida Leopold’. ‘Avenida Leopold Strasse’ é coisa de gago bilíngüe.

2. Cícero Lucena, o tucano que foi preso outro dia, é apresentado como ‘ex-prefeito da Paraíba’. A notícia tem um certo atraso: a cidade da Paraíba, da qual Cícero Lucena foi prefeito, trocou de nome para João Pessoa em 1930.

3. ‘O juiz federal Marco Moliari condenou (…) 18 pessoas e absolveu outras sete acusadas de enviar cocaína à Europa (…) Entre eles, o aposentado (…) e o empresário (…).’ Esta coluna pergunta: o aposentado e o empresário estão entre os condenados ou os absolvidos?



Comunicação menor

Uma conta, como qualquer publicitário explicará ao caro leitor, também é mídia. É uma boa peça de propaganda da empresa. Por isso a Embratel anuncia, em sua conta de interurbanos: ‘A Embratel está sempre inovando! Chegou a vez da sua fatura: agora personalizada, mais moderna e organizada. Confira!’

Este colunista gostaria de conferir e apreciar a personalização, a modernidade e a organização de sua conta. Mas os dados que interessam – ou seja, os telefonemas e seu custo – estão em corpo 4, no máximo. Não dá para ler nem com quatro olhos de lince, nem com lupa. Estará a Embratel preparando uma oferta especial de microscópios para seus clientes?



Controle, não!

O senador e ex-ministro Romero Jucá, apesar dos problemas que enfrenta, encontra tempo para tentar o controle absoluto da imprensa de seu estado, Roraima. Ele já controla os principais jornais e rádios do Estado, já tem o apoio total da TV Caburaí e da TV Imperial; mas está disposto a livrar-se do Fontebrasil, que está fora deste grupo. O pior é que, entre seus aliados, está o Sindicato dos Jornalistas de Roraima.

Má notícia: independente de quem tenha razão, em cada caso específico, a imprensa é boa por sua multiplicidade, pelos vários ângulos que é capaz de abordar. Imprensa com uma só visão, mesmo que correta na maior parte das vezes (o que, a propósito, não costuma acontecer), é ruim: corta a possibilidade de manifestação das inúmeras tendências de pensamento.

Imprensa com uma só visão é ruim também para os sindicatos: é melhor que existam muitos patrões, para que se possa optar pelo melhor. Um só patrão é a ditadura do emprego único: brigou, fica desempregado pelo resto da vida.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados