Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Os tigres de papel

O mais impressionante no caso Boris Casoy é que ninguém comentou ainda o ódio que transpira das mensagens. Jornalistas exigindo que ele seja demitido, atitude que não faz muito tempo estava entre as mais indignas da profissão, nem causam mais surpresa. Jornalistas demitidos há mais de vinte anos, por deliberada falsificação de noticiário, voltam sedentos de sangue.

É claro que, diante do vazamento de algumas frases de Boris, cada um tem sua posição específica. Este colunista, que já fez televisão, acredita que houve uma crítica do apresentador à edição da matéria; há quem veja nisso uma genuína atitude de desprezo a uma profissão, ou a uma classe social; há quem acredite que se tratou de uma brincadeira (como a do então candidato Lula, que disse que Pelotas era um pólo exportador de veados) ou de uma frase infeliz (como a da ministra Dilma Rousseff, que em Copenhague apontou o meio ambiente como obstáculo ao desenvolvimento econômico). Haverá quem, sentindo-se insultado com as frases, deixará de assistir aos noticiosos apresentados por ele.

Tudo bem: são reações aceitáveis, concordemos ou não com elas. Mas por que tanto ódio? Se alguém tinha acusações antigas contra Boris Casoy, por que esperou até agora para apresentá-las? Algum temor de enfrentá-lo sozinho, sem apoio da patrulha organizada?

É possível; quem saberá os temores que se escondem nos corações humanos? Mas também é possível que a falta de educação seja uma espécie de doença infantil da internet, coisa que só vai passar com o tempo. Não é só o caso de Casoy que chama a atenção. Um cavalheiro, irritado porque a decisão de um desembargador vai contra suas convicções, acusa-o, sem qualquer tipo de indício, de ter sido cooptado pelo crime organizado, e pergunta quanto lhe foi pago para tomar a decisão. E por que ele acredita nisso? Porque não gostou da sentença, pronto. Ponto final. Se alguém se opõe à nossa opinião, ou é idiota ou vendido – simples assim.

O fato é que discussões em baixo nível não contribuem para nada, exceto acirrar os ânimos. Não esclarecem, não ajudam a formar opinião, não trazem nada de novo para qualquer dos lados. São debates em que todos perdem – e em que, como de hábito, a primeira vítima é a verdade.

 

O gorila progressista

O clima de torcida futebolística leva por vezes a situações grotescas. No tempo em que os animais falavam (hoje, alguns escrevem), o general Juan Velasco Alvarado deu um golpe de Estado no Peru, derrubando o presidente Fernando Belaúnde Terry. Velasco era uma espécie de Hugo Chávez com talento e sem petróleo: estatizou investimentos americanos e ingleses, enfrentou o empresariado peruano, promoveu a reforma agrária, reatou relações com Cuba, afastou-se dos Estados Unidos. Não foi surpresa: Velasco deu o golpe declaradamente com esses objetivos. Um jornal brasileiro de esquerda publicou no título ‘Gorila derruba governo legítimo do Peru’, ou algo semelhante.

Gorila’ era o nome dado pela esquerda aos militares mais conservadores – e, definitivamente, este não era o caso de Velasco. Mas o redator leu que houve um golpe, comandado por um general, e não teve dúvida em atribuí-lo à extrema direita. É o clima de torcida de futebol: sendo general e golpista, que mais podia ele ser?

 

A verdade não importa

Um jornalista que trabalha no Diap, Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, publicou artigo sob o título ‘Lula x FHC: por que os tucanos evitam as comparações‘, amplamente favorável a Lula, atribuindo os dados à revista britânica The Economist. Textual: ‘Estes dados não foram inventados por mim, muito menos por algum petista ou pelo governo. São da conceituada revista britânica The Economist‘.

Tudo bem – a não ser que a Economist não havia publicado esses dados. A explicação do repórter é brilhante: ‘Realmente não me dei ao trabalho de ir na Economist e checar tudo’.

Até aí, tudo bem. O engraçado vem em seguida: manifestações segundo as quais não importa saber se os dados provêm ou não da The Economist. Importa, claro: tanto importa que o autor do artigo faz questão de citar a revista, beneficiando-se de seu conceito e credibilidade. Uma das manifestações merece ser transcrita: ‘Dados inventados ou não, isso não interessa. Interessa o povo saber o que mudou na vida do cidadão brasileiro’.

Ah, bons tempos em que 1984 e sua novilíngua eram apenas metáforas!

 

Culpa dos leitores

Certa vez, um cavalheiro escreveu um longo artigo sobre música americana para um importante jornal brasileiro. No dia seguinte, apareceu no jornal, enviado por um leitor, longo artigo sobre música americana, publicado bem antes numa revista dos EUA, igualzinho ao que havia saído no jornal. O leitor atento não deixou passar. E o autor do texto ganhou o imortal apelido de Xerox.

O caso dos dados atribuídos a The Economist é parecidíssimo: uma leitora havia lido num blog, há tempos, um artigo igualzinho, e escreveu para protestar. E outros leitores, que tinham lido The Economist, escreveram para perguntar onde estavam aqueles dados, porque na revista deles não havia nada semelhante.

Em resumo, a culpa de tudo é dos malditos leitores. Por que é que eles têm de se meter onde não são chamados?

 

Estadão x Sarney

Este colunista não entende nada de Direito: só sabe que 11 de agosto é o Dia da Pindura. Talvez por isso esteja confuso sobre a censura ao Estadão. O empresário Fernando Sarney, que administra os bens da família, moveu ação para impedir o jornal de publicar informações sobre a Operação Boi Barrica, da Polícia Federal, e com isso manteve o jornal sob censura durante uns seis meses. No fim do ano, Fernando Sarney, jurando que seu objetivo jamais havia sido limitar a liberdade de imprensa, desistiu do processo. E mesmo assim, no dia em que esta coluna é escrita, no final de semana anterior à data da publicação, as matérias continuam inéditas.

1. Se a ação foi retirada, que é que impede que as reportagens sejam publicadas?

Talvez o jornal aguarde o pronunciamento definitivo da Justiça, declarando extinto o processo. Neste caso…

2. …por que não entregar as reportagens a outros jornais, sobre os quais não pesa a sentença judicial, para que o público receba a informação?

Nos Estados Unidos, na época dos Papéis do Pentágono, o jornal que tinha obtido os documentos foi proibido de continuar a publicá-los. Passou-os para outro, que publicou a reportagem seguinte e foi por sua vez proibido pela Justiça de continuar a série. Passou-os para outro, e assim por diante, até que toda a série dos Papéis do Pentágono foi publicada.

Tudo bem, o Estadão conseguiu a informação e talvez não queira liberá-la para seus concorrentes. Nesse caso, como fica o patrão de todos os patrões, o patrão de cada um dos jornalistas, Sua Excelência, o Consumidor de Informação? Os meios de comunicação existem basicamente para difundir informações. Sempre que não o fazem, seja qual for o motivo (exceto colocar terceiros em risco), estarão deixando de cumprir sua atividade principal.

 

Bom e de graça

Thaís Rodegueri Manzano, jornalista e professora universitária, inicia na quarta-feira (13/1), uma série de três palestras semanais, ‘Artimanhas da Ficção’, em que mostra como surgiu o romance, sua ascensão no século 18 e o romance modernista. Sempre às quartas, às 19h30, em São Paulo, na Livraria Martins Fontes – Avenida Paulista, 509.

Thaís trabalhou no Jornal da Tarde, em sua primeira fase, e demonstrou grande talento. Tem três livros publicados: Artimanhas da Ficção, Chopin e Schumann. Inscrições gratuitas pelo e-mail jvieira@martinsfontespaulista.com.br

 

Como…

De um jornal americano, incluído na lista Farks de textos improváveis, enviada pelo diretor do excelente Diário do Comercio, Moisés Rabinovici:

** ‘Carpinteiros estão mais expostos do que a média dos trabalhadores a altos índices de morte por amianto; mais do que a média da taxa de ressurreição’.

 

…é…

Da mesma fonte:

** ‘Polícia em Londres soluciona 1 crime para cada 1.000 câmeras do circuito de TV. Ou aproximadamente 2 para cada 1.984’.

 

…mesmo?

Da mesma fonte (na semana que vem haverá mais):

** ‘Polícia encontra cabeça cortada, e mais tarde revelará se ela `faz parte de corpo encontrado em Hertfordshire´.’

Apresentada aos suspeitos a resposta pode ser ‘não faz mais’.

 

E eu com isso?

Dizem os americanos que esta época do ano é a silly season – uma época de notícias desimportantes. Nem sempre: temos aí o Plano de Direitos Humanos, as novas medidas americanas de proteção aos voos, chuvas como nunca dantes houve neste país. E mais:

** ‘Britney Spears faz compras usando blusa manchada de café’

** ‘Americano usa 54 toneladas de esterco para escrever mensagem para mulher’

Ele escreveu: ‘Feliz aniversario, te amo’. A notícia não informa a reação da esposa homenageada.

** ‘Drew Barrymore e Justin Long vão juntos ao mercado’

** ‘Susana Vieira vai ao cabeleireiro e acena para os fotógrafos’

** ‘Paris Hilton tem um porco de estimação’

** ‘Aeroporto de Boston fecha por odor suspeito em avião’

Estará Paris Hilton viajando com seu novo pet?

** ‘Idoso de 92 anos bate carro em restaurante e aproveita para lanchar’

** ‘Pedra do céu era xixi’

Explicando: num dia nublado, mas sem chuva, a pedra caiu no telhado de uma casa, em Catanduva, no interior de São Paulo, e arrebentou até o forro. Analisado o material, era urina. A hipótese mais provável é de que o xixi foi lançado de um avião e congelou no caminho. E o dono da casa? Tanto esforço para escolher um bom terreno, pagá-lo, construir como queria, tudo para descobrir que estava na rota do xixi congelado!

** ‘Homem com o maior pênis do mundo está desempregado’

A propósito, qual era o emprego do cavalheiro?

 

O grande título

Dois exemplares, ambos notáveis.

De um grande jornal paulistano:

** ‘Daniel abre Aberto de São Paulo’

De uma rede internacional de notícias, noticiando a caçada ao líder terrorista Osama bin Laden:

** ‘Peritos concordam: o líder da Al Qaeda está vivo ou morto’

Este colunista se sente orgulhoso: os peritos concordam com sua opinião.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados