Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Para Estadão, promotor é ‘assassino’

Thales Ferri Schoedl figura como réu no processo criminal 118.836.0/0-00. Promotor de Justiça acusado de homicídio e de tentativa de homicídio, deverá ser julgado em breve pelos 25 desembargadores do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo.

O velho-oeste da mídia, contudo, está a postos e já construiu a sua forca. Em 29 de abril, o jornal O Estado de S.Paulo proferiu uma sentença que, longe de antecipar uma decisão judicial, dado não vivermos, ainda, sob uma ditadura, expõe o veículo ao ridículo de uma autocondenação pública:

Conselheiro mantém promotor assassino

Ernando Uchôa, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), votou ontem pelo vitaliciamento na carreira do promotor Thales Ferri Schoedl, que matou um garoto e feriu outro, em 2004. Faltam 13 votos. O advogado da família das vítimas vai recorrer, alegando que o voto é nulo, pois Uchôa analisou o mérito do crime.

Homicídio doloso ou legítima defesa

Na madrugada de 30 de dezembro de 2004, o promotor Schoedl matou o jogador de basquete Diego Mendes Modanez e feriu o estudante e jogador de basquete amador Felipe Siqueira Cunha de Souza. Os fatos se deram nas ruas da Riviera de São Lourenço, condomínio de alto padrão de Bertioga, litoral de São Paulo.

De acordo com a acusação, ao passar por um grupo de rapazes, o promotor descontrolou-se com os olhares despretensiosos de alguns deles para a sua namorada, Mariana Ozores Bartoletti. Schoedl acabou discutindo e disparou várias vezes com o intuito de assassinar as vítimas.

Conforme a versão da defesa, Souza e Modanez desrespeitaram o casal com palavras obscenas. Ao reagir verbalmente, Schoedl foi acuado pelos dois e por vários outros agressores. Para se proteger, foi obrigado a mostrar a sua arma e a dar tiros de advertência. Como nada disso bastasse, fugiu e foi perseguido por cerca de cem metros por Souza, Modanez e outros que, aos gritos de ‘mata!, mata!’, ameaçavam espancá-lo até a morte. Encurralado, teve de atirar para salvar a própria vida.

Sem direito a julgamento

Ao que parece, o Estadão dá as costas para o contraditório. Processo judicial é uma bobagem. À margem da lei e da virtude inspirada pela razão, o jornal exibe, com espantoso orgulho, o assassinato da reputação de um cidadão ao qual não concede nem sequer o direito a um julgamento.

Do alto do seu patíbulo artificioso, usurpa direitos, como este, expresso pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal: ‘Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória‘. Em outras palavras, trata-se do princípio de não-culpabilidade: todo cidadão deve ser considerado inocente até a publicação da sentença definitiva (pelos tribunais, diga-se).

Afronta à democracia

O título jornalístico em questão, Conselheiro mantém promotor assassino, é compatível com a política de qualquer desses periódicos de que se servem os regimes totalitários. Condenar em público um cidadão que não foi julgado é indesejável em um Estado democrático que faça jus à essa predicação. É mais do que indesejável: é covarde.

É indesejável porque, por mais que se arrogue a prerrogativa, um veículo de comunicação não é e nunca será um tribunal. Apoderar-se, capciosamente, do direito constitucional de julgar cidadãos é uma afronta à democracia.

É covarde porque, no caso em análise, condena-se à execração pública um cidadão a que se recusa, nas entrelinhas, o direito a um julgamento e, por conseguinte, à defesa. Tudo sintetizado em apenas quatro palavras: Conselheiro mantém promotor assassino.

Preparemo-nos todos: em meio à histeria do Caso Isabella, logo teremos a volta de mais um show de horrores midiático de grande audiência. A cobertura do Caso Thales Schoedl tem sido desastrosa, como já se demonstrou neste Observatório. Diz a experiência que continuará a sê-lo.

O mau exemplo aqui exposto é apenas um entre vários outros. Em poucos dias, haverá novos cadafalsos. Vítima e verdugo serão, como sempre, enforcados juntos. Toda vez que se assassina uma reputação, mata-se, também, a credibilidade de quem cometeu o abuso.

Deixemos ao público o julgamento que lhe cabe; e à Justiça, o que lhe é de direito.

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Jornalista