Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Para os amigos, tudo. Até uma nova lei

Alguns atribuem a frase ao ex-presidente Getúlio Vargas; mas parece mais provável que seja de outro presidente da República Velha, Arthur Bernardes, nas primeiras décadas do século passado. ‘Para os amigos, tudo; aos inimigos, a lei’.


O Brasil mudou, como mostra o escândalo da compra da Brasil Telecom pela Oi: agora, para os amigos, também se oferece a lei. A gigantesca transação, que acaba de ser fechada, é integralmente ilegal: a Lei de Outorgas, em pleno vigor, proíbe uma operadora de telefonia fixa de comprar outra empresa do mesmo ramo que opere em outra praça. Mas ninguém se importou com isso (e a imprensa tratou a ilegalidade como uma side-story, uma curiosidade, mais vinculada aos amores e ódios de alguns jornalistas pelo banqueiro Daniel Dantas do que à manutenção da integridade legal). O BNDES, parte do governo, se dispôs a financiar boa parte da operação, mesmo sabendo que a lei a proíbe. E não é pouca coisa, não: são quase 2,6 bilhões de reais.


Nossa imprensa (e nossa sociedade) aceitou a tese de que, já que o governo se propõe a mudar a lei, desrespeitá-la não chega a ser grave. Afinal de contas, a lei vai ficar bonitinha, certinha, para regularizar o fato consumado.


E, se alguém perguntar por que a lei não foi mudada antes, para que a operação já se realizasse de maneira correta, dentro do novo quadro jurídico, a resposta é simples: os amigos merecem mais do que uma lei genérica, à qual possam adaptar-se. Para os amigos, a lei deve ser sob medida, tailor-made. Primeiro se faz o negócio, depois se muda a lei, de maneira a que cada detalhe sirva perfeitamente à transação que já foi feita, e permitindo que se torne legal o uso maciço de dinheiro público em benefício de grupos particulares – particulares, sim, mas amigos de quem vale a pena ser amigo.




O golpe dos preços


A Lei de Outorgas, que proíbe a compra de uma operadora de telefonia fixa por outra, de outra praça, tem um objetivo claro: estimular a concorrência. E é duro ver nos meios de comunicação, sem qualquer crítica, aquela velha história de que uma empresa de porte, operando em escala, terá condições de oferecer preços menores. Afinal de contas, qualquer jornalista que trabalhe na área econômica sabe com perfeição que o que rebaixa preços é a concorrência. Sem concorrência, por que o conglomerado Oi-Brasil Telecom iria baixar seus preços?




História velha


Aliás, mesmo que o pessoal não soubesse que a concorrência é importante na redução de preços, um caso bem recente deveria no mínimo acionar-lhes a memória. Lembra quando a Brahma comprou a Antarctica? Os objetivos eram dois: primeiro, garantir que uma grande empresa brasileira ganhasse porte para resistir às multinacionais; segundo, baixar os preços.


A grande empresa brasileira ganhou porte e se tornou um alvo muito mais desejável pelas multinacionais. Hoje, sua sede é na Bélgica. E alguém se lembra de alguma redução no preço de algum de seus produtos?




Meninos, eu vi


E há cenas de jornalismo que seria melhor não ter visto. Foi terrível acompanhar, na prisão do advogado Ricardo Tosto (aliás, alguém fará a gentileza de explicar qual o motivo de sua prisão, com algemas e tudo?), jornalistas denunciando a presença, nas proximidades, de funcionários do escritório de advocacia. Em que é que eles prejudicavam as entrevistas?


Foi ruim, também, ter visto numa CPI, no momento em que o relator pedia a um determinado grupo de pessoas que se identificasse levantando a mão, uma repórter gritar, estridente: ‘Manda eles ficarem de pé, que a gente escracha na fotografia!’


Mas foi bom ouvir o jornalista Valmir Salaro dizer que não é ‘repórter justiceiro’. Boa, Salaro! Repórter é repórter, ponto final. Aliás, está muito na moda essa história de qualificar repórter. Este colunista, em 45 anos de profissão, aprendeu que só há dois adjetivos aplicáveis ao substantivo ‘repórter’: ou é bom ou é ruim. O resto é firula.




Onde está a ingenuidade 1


O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, voltou a defender o aumento dos impostos sobre cigarros. A medida traria duas vantagens importantes para o país: primeiro, seguindo as orientações da Organização Mundial da Saúde, elevaria o custo do cigarro, reduzindo o consumo e as inúmeras doenças causadas pelo fumo; segundo, geraria mais recursos para a Saúde, ajudando a compensar as despesas que o governo tem no tratamento dos fumantes.


Recordando (e o caro colega não imagina como é difícil encontrar essas informações, que são da maior importância, nos meios de comunicação): o Tesouro brasileiro dá subsídios ao consumo de cigarros – algo como 12 bilhões de reais, dinheiro suficiente para substituir larga parcela da finada CPMF; o cigarro paga IPI inferior ao de uma caneta esferográfica, daquelas essenciais para um estudante; o cigarro brasileiro está entre os cinco mais baratos do mundo. Pois nossa imprensa aceita tranquilamente, placidamente, ingenuamente as explicações da Receita Federal, de que a alta no imposto do cigarro estimulará o contrabando. Pode ser verdade; mas o policiamento das fronteiras e a prisão de alguns contrabandistas e seus revendedores desestimularão o contrabando.




Onde está a ingenuidade 2


Desde os tempos em que José Serra comandou o setor, ainda no governo Fernando Henrique, José Gomes Temporão é o ministro da Saúde que mais combate o cigarro. Vale a pena observar com lupa a campanha contra Temporão, que visa marcá-lo como incompetente ou coisa parecida. As multinacionais fabricantes de produtos cancerígenos são poderosas e mantêm o ministro na alça de mira.


A propósito, o foco do ataque a Temporão é o crescimento da dengue. Foi o mesmo argumento usado contra Serra, que também combatia o cigarro.




Onde está a ingenuidade 3


A ministra Dilma Rousseff, que tenta viabilizar sua candidatura à sucessão do presidente Lula, pelo PT, anunciou que um imenso consórcio japonês está disposto a investir 9 bilhões de dólares num trem de alta velocidade entre Rio e São Paulo. Mais: os japoneses estariam dispostos também a transferir tecnologia.


Este colunista é gordo (e, como os elefantes, colegas de porte físico, nunca esquece). Jornalista não pode esquecer. Tem de lembrar, no mínimo, o passado recente. Os japoneses prometeram, caso o Brasil adotasse seu padrão na TV digital, transferir tecnologia e montar uma fábrica de semicondutores no Brasil. A tecnologia não foi transferida, os japoneses já anunciaram que não vão montar fábrica nenhuma de semicondutores no Brasil e a TV digital é essa que está aí.




Onde está a ingenuidade 4


David Neeleman, que criou nos Estados Unidos a Jet Blue, está fundando no Brasil uma empresa nos mesmos moldes da americana, com baixo custo de operação e tarifas reduzidas – aliás, aquilo que a Gol prometeu e só cumpriu pela metade. A imprensa está dando boa cobertura a Neeleman: sua idéia de usar jatos da Embraer, de ter apenas aviões novos, de convidar o comandante Ozires Silva, uma lenda da aviação brasileira, para seu principal auxiliar.


Talvez esteja faltando um pouco de bastidor. Este colunista não se lembra de ter visto nenhuma referência aos advogados que comandam a parte jurídica da nova empresa. E parece que os nomes são muito conhecidos na aviação.




Disciplina e censura


Na luta para evitar que o poder econômico domine a campanha eleitoral, os tribunais eleitorais estarão extrapolando os limites e confundindo disciplina e respeito às leis com censura?


O deputado Fernando Gabeira, do PV, forte candidato à prefeitura do Rio, acha que o que está acontecendo é censura. Ele recebeu notificação do tribunal eleitoral por retransmitir, via internet, entrevistas já publicadas em jornais.


Uma opinião preliminar deste colunista: em princípio, Gabeira parece ter razão. Se um candidato reimprime entrevistas publicadas pelos jornais e as envia pelo Correio a alguns milhares de eleitores, tem gastos consideráveis; só pode fazê-lo se dispuser de poder econômico. Via internet, o custo praticamente desaparece. Qual o sentido de proibir a divulgação de suas opiniões pela rede?




Como é mesmo?


Está num grande jornal: de acordo com a notícia, ‘diariamente, aproximadamente 310 mil adultos morrem nos Estados Unidos vítimas de um ataque cardíaco súbito (…)’.


Se este número estiver correto, em pouco mais de um ano a população adulta americana estará extinta.




E eu com isso?


Guerras, linchamentos, ilegalidades, suspeitas – que panorama mais sombrio! E, no entanto, existe um lado do jornalismo bem mais ameno. Somos informados, por exemplo, de que Brad Pitt, descuidado, deixou a cueca à mostra. Talvez as cuecas de Brad Pitt não nos interessem (talvez tenhamos mais interesse naquelas outras cuecas que desapareceram do noticiário, em que cabiam dezenas de milhares de dólares). Mas há notícias para todos os gostos:


1. ‘Depois do jantar, Caetano passa no mercado’


2. ‘Reynaldo Gianecchini sai de academia no Rio com toalha enrolada no pescoço’


3. ‘Paris Hilton passeia com ursinho de pelúcia em Los Angeles’


4. ‘Kanye West termina relacionamento com estilista’


E este colunista nem sabia quem é Kanye West! Vai lá: é um rapper e produtor musical americano. Pode virar uma estrela mundial do hip hop.




O grande título


Na série ‘Comparações Estranhas’, um campeão:


** ‘Mega-Sena pode pagar até 46 Mickeys de ouro’


Se o caro colega não está interessado em adquirir Mickeys de ouro, certamente ficará menos chateado por não ter ganho a mega-sena.


Mas o melhor título da semana é daqueles bem misteriosos:


** ‘Papel de nanotubo engorda quando é esticado’


Dizem que qualquer professor de Física Avançada é capaz de decifrá-lo.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados