Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Parece que faz um século

Não faz nem uma semana: um advogado, Rodrigo Duenhas, foi baleado no pescoço, em São José dos Campos, por ter sido confundido com o radialista João Alckmin, duro crítico dos caça-níqueis e dos desmanches clandestinos. Os meios de comunicação deram a notícia, com competência e precisão. Mas cadê o acompanhamento das investigações? A máfia dos caça-níqueis e os desmanches clandestinos só podem existir com a ajuda de uma banda podre da polícia. Se a imprensa não acompanhar o caso, será mais um crime de autoria desconhecida.

A tendência de acompanhar os fatos apenas no calor da hora é muito forte. Quando as notícias esfriam, segui-las fica difícil – mas é essencial. Quando a imprensa afrouxa, acontecem coisas como o buraco do Metrô paulistano, que até hoje é um mistério (por que ocorreu?, quem é responsável?) Acontecem outras coisas: todo mundo lembra dos dólares na cueca, mas qual a origem do dinheiro, a quem (e por que) se destinava? Os quase dois milhões de reais do dossiê falso, de onde surgiram? Qual a origem real do dinheiro que o Banco Rural emprestou, digamos, a Marcos Valério, para aquela farta distribuição a parlamentares? E o velho caso da emenda da reeleição? Houve até deputado que perdeu o mandato por receber seus duzentinhos, mas de onde veio o dinheiro?

Não, a imprensa não pode abaixar a guarda. Se o pessoal já faz safadezas com a imprensa por perto, imagine o que não fazem quando os repórteres se distraem!

A limpeza do álcool

Mudam os tempos, não muda a Europa. Em outras épocas, os europeus ocuparam a América para levar o cristianismo e ocuparam a África para conduzir seus habitantes ao progresso – era aquilo que chamavam de ‘o fardo dos homens brancos’. Hoje, a União Européia diz defender os trabalhadores do setor canavieiro do Brasil, para isso repudiando ‘o álcool sujo’.

A imprensa registrou a posição européia, mas faltou contextualizar o súbito progressismo que os atingiu: como nos tempos antigos, usam belos argumentos para disfarçar o colonialismo. Seu objetivo nunca foi difundir o cristianismo, nem desenvolver os povos africanos, nem defender os trabalhadores espoliados: é manter submissos os países que possam pôr em xeque alguma riqueza européia. A proteção a seus agricultores contra a importação de alimentos mais baratos é a outra face da mesma moeda.

O álcool e o trabalho

Para nosso jornalismo, a posição européia traz dois riscos:

1. em nome da defesa de uma boa causa, colocar-se ao lado do colonialismo;

2. para não ficar ao lado do colonialismo, deixar de acompanhar com o rigor desejável a luta contra o trabalho escravo (ou, mais precisamente, contra as condições degradantes a que são submetidos muitos trabalhadores rurais).

É preciso, simultaneamente, denunciar as más condições de trabalho, lutar pelo progresso social dos canavieiros e combater o colonialismo dos países desenvolvidos. Um trabalho jornalístico como o da Agência Repórter Brasil é essencial (se bem que seria desejável a manutenção de certa distância crítica diante do Ministério Público do Trabalho). Seus repórteres, incansáveis na denúncia de condições degradantes a que são submetidos trabalhadores rurais, têm forçado inúmeras empresas agrícolas a revisar as relações de trabalho. Mas é preciso também manter o alerta diante do farisaísmo de países ricos que, para proteger a atual estrutura de comércio de combustíveis, que os beneficia, tentam destruir o álcool.

Rombo à vista

Atenção, colegas: discretamente, a Câmara Federal está preparando a votação de um gigantesco aumento no número de vereadores, em todo o país. Pelo projeto (de autoria do deputado Pompeo de Mattos, do PDT gaúcho, com substitutivo do deputado Luís Eduardo Greenhalgh e apoio do presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia, ambos do PT paulista), surgirão quase 8 mil vagas novas de vereadores. Cada um, naturalmente, terá assessores, gabinete, verbas diversas, talvez carro com motorista – vamos calcular este custo?

Nossos meios de comunicação bem que poderiam patrocinar pesquisas para saber se a população acha que há falta de vereadores. Que tal essa pauta de reportagem?

Mais de 100%

A leitora Tânia Machado, médica em Porto Alegre, debate a nota sobre a vacinação em Mogi das Cruzes. Esta coluna achou estranhíssimo que, lá, a porcentagem de vacinados tenha sido maior do que 100% – exatamente 100,69%.

‘Epidemiologicamente’, diz a dra. Tania Machado, ‘o resultado de 100,69% pode estar correto. Digamos que existam na cidade 200 crianças menores de 5 anos, mas no dia da vacinação, um sábado, pessoas que não tinham com quem deixar seus filhos tenham ido fazer compras em Mogi e fizeram a vacinação lá mesmo’. Somando-se as 200 crianças da cidade e as visitantes, o índice superior a 100% pode estar correto’. OK: a explicação é boa. Leitor atento é outra coisa!

Jeitos de falar

Um dos grandes jornalistas brasileiros, Humberto Werneck, comenta a nota sobre jogadores que não mais se machucam: ficam ‘lesionados’. Werneck lembra o livro Hora do Recreio, de Paulo Mendes Campos, que recolheu um colar de pérolas sobre futebol. A bola, daquelas de capotão (na época, a capa de couro da bola cobria uma câmara de borracha), levou uma pancada violenta e entortou. O acidente foi assim narrado pelo lendário locutor Oduvaldo Cozzi: ‘Num impacto um tanto mais violento com o pé de um dos litigantes, o balão perdeu a sua esfericidade legal, tornando-se obsoleto para a prática do association‘.

É a vida de locutor, que transmite ao vivo e não pode errar. Este colunista foi fã de carteirinha de Raul Tabajara, que transmitia futebol pela TV Record. Tabajara é autor de duas frases inesquecíveis: ‘Joaquinzinho, embora esteja com a camisa 11, vai cobrar a falta’. E, transmitindo do estádio da Portuguesa de Desportos, seu time de coração: ‘Até aqui, no estádio do Canindé, você encontra o Guaraná Champagne da Antarctica’.

Textos exóticos

1. Ela teve a casa invadida por um morto, em estado de decomposição, durante um temporal, que destruiu o muro do cemitério municipal.

2. CORREÇÃO: ‘Após panela de R$ 1 mil, Nívea Stelmann se casa’.

‘Ao contrário do que foi publicado anteriormente (…), ‘Após panela de R$ 1 mil, Nívea Stelmann se casa com executivo’ ‘.

E eu com isso?

Atentado promovido pela máfia dos caça-níqueis, libertação recorde de trabalhadores em condições degradantes, renúncia de Joaquim Roriz, pressão forte contra Renan Calheiros – mas este colunista tem certeza de que são outros temas que consomem boa parte do esforço de nossos jornalistas. Por exemplo:

** ‘Luana Piovani corre com namorado em praia carioca’

** ‘Grávidas, Dieckmann e Danielle Winits vão a festa no Rio’

** ‘Deborah Secco só pensa em curtir férias’

** ‘De sunga, Marcos Frota caminha em estrada’

** ‘Famosos vão ao casamento de Eva Longoria’

Aliás, entre os famosos, está Teri Hatcher, que foi com sua filhinha. E como é que se chama a menina, tão bonitinha? Emerson.

Os grandes títulos

Houve três destaques na semana. Um deles, ótimo, é…

** ‘Balança surpreende, mas problemas seguem ocultos’

Mas há dois títulos que, na opinião deste colunista, empatam: não foi possível decidir qual o mais interessante.

** ‘Senado abre semana com discussões entorno do caso Renan’

** ‘`Proibido fumar´ significa que não se pode fumar, diz OMS’

O curioso é que são opostos: um transgride as normas da língua, enquanto outro não se cansa de reafirmá-las.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados