Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Prender, massacrar, julgar, condenar

E ainda bem que as leis brasileiras não permitem a pena de morte. Senão, haveria muito jornalista tão ocupado que não teria tempo nem para descansar.

O grande tema em debate é o do assassínio da menina Isabella. Não se trata de analisar o caso do ponto de vista da investigação: os acusados podem ou não ser culpados. O inquérito, espera-se, lançará as bases para identificação e julgamento dos criminosos. Do ponto de vista jornalístico, boa parte da imprensa comprou a versão que deu audiência, e, como normalmente sucede, se baseou em suspeitas de delegados. Cria-se a comoção pública; e, em seguida, como conseqüência da comoção, surgem as cenas de jornalismo explícito, com multidões tentando agredir os suspeitos. No caso, houve até uma delegada, Maria José Figueiredo, que, em vez de investigar e enquadrar legalmente os suspeitos, com frieza e profissionalismo, gritava ‘assassino’.

Mas, se este é o grande tema, não é o único. Há o caso do Rio Grande do Sul, onde tudo indica que, com forte participação da imprensa, se transformou uma briga de condomínio num espetáculo de preconceito contra nudistas (se é nudista e de certa idade, conclui-se, tem também de ser pedófilo). Há o caso dos pilotos americanos do Legacy, que viraram culpados mesmo depois da certeza de que havia sérias deficiências no controle brasileiro de tráfego aéreo.

Na briga pela audiência, a ridicularia dominou o noticiário. Fomos informados de que o rapaz acusado de matar a filha não se alimentou à noite, e também de que o repórter, sempre alerta e a postos, aguardava a informação a respeito do que ele teria comido no café da manhã. Fomos informados do tamanho da cela, soubemos que ali não havia colchão.

E se tudo o que a imprensa noticia hoje for verdade? Não importa: noticiar não é transformar um crime em espetáculo. Noticiar exige sobriedade; noticiar exige, e exige sempre, desconfiar das informações das autoridades. As autoridades são inimigas naturais do jornalismo. E agora as autoridades descobriram que, para distorcer o noticiário à sua vontade, mais eficiente do que a censura policial é a aliança com alguns jornalistas, é o fornecimento a conta-gotas de informações e opiniões, é a disponibilidade para dar entrevistas onde quer que se acenda uma luzinha.

É o caso Escola Base? Depende: de qual dos inúmeros casos Escola Base estamos falando?



E, por falar nisso

Alex Ribeiro, o talentoso e meticuloso autor do livro Caso Escola Base: os abusos da imprensa, hoje repórter do Valor em Brasília, acha que um caso como o da menina Isabella é chocante demais para não estar na imprensa. Ele teme, entretanto, o vale-tudo, em que os jornalistas disputam uma declaração qualquer, feita num momento de dor, com a volúpia do faminto diante de um prato de comida.

Como cobrir um caso como esse? A receita de Alex Ribeiro: ‘É preciso analisar friamente o fato, sem pender para nenhum dos lados; confrontar tecnicamente e juridicamente o trabalho do delegado antes de publicar sua posição; e procurar outras fontes, parentes, amigos’. E, da maior importância, é preciso ‘colocar o delegado na parede, mesmo, antes de publicar’.



Desconfiar, jamais

O promotor do caso Isabella primeiro deu entrevista de uma hora e meia, depois foi ao local do crime, ‘para ter uma visão espacial do local do ponto de vista das testemunhas’. E estranhou que o corpo da menina não fosse tocado até que bombeiros e policiais chegassem. ‘Não foi mexido. Não houve desespero de ninguém em prestar um socorro imediato’.

E não houve um repórter que lembrasse imediatamente que, em casos de queda grave, não se deve movimentar o corpo da vítima, para evitar o agravamento dos traumas. Quem pode mexer no corpo é o médico ou o resgate – ninguém mais. Claro que o promotor deveria saber disso. Os jornalistas também.



Inflação silenciosa

O Plano Real é do final do Governo Itamar Franco. De lá para cá, houve os oito anos de Fernando Henrique, os mais de cinco anos de Lula, e a população se acostumou à inflação controlada. Controlada, mas em parte: o preço dos automóveis subiu 140% em dez anos. A inflação, no mesmo período, foi de 70%.

Quem descobriu esse manancial de aumentos não foram os grandes jornais, as redes de TV, os portais de Internet, que há alguns anos simplesmente deixaram de acompanhar os preços. Foi o excelente AutoInforme, portal automobilístico de Joel Leite. As vendas subiram, mas os preços subiram muito mais.

Agora que os grandes meios de comunicação foram deixados para trás pelo faro jornalístico de Joel Leite, que tal mobilizar-se para mostrar por que os preços subiram? Os robôs, a automação, os novos processos produtivos, tudo isso não deveria redundar em aumento da produtividade e custos mais baixos?



A boa notícia

‘Good news are no news’, costumam dizer os americanos. Mas, no Brasil, com a abundância de más notícias, as boas notícias também se transformam em notícia – no mínimo, pela raridade.

A grande imprensa noticiou muito pouco o lançamento do DVD-CD Formação Musical em São Bernardo do Campo: afinal de contas, é uma notícia boa, ocorrida fora das capitais, sem que haja comércio envolvido – e quem é, então, que vai fazer força para divulgá-la? Se fosse um novo CD de algum luxemburguês esquisito, daqueles que só fazem show se no camarim houver 64 garrafas de suco de laranja com acerola esmeralda, estaria na primeira página dos cadernos de cultura e em todas as colunas sociais do país.

A idéia é brilhante: a jornalista Andréa Brock, assessora do prefeito de São Bernardo, William Dib (PSB), reuniu 12 corporações musicais, envolvendo 450 pessoas no total – entre 7 e 80 anos. O DVD-CD é o retrato da produção musical de uma das principais cidades do ABC paulista e funciona como material de divulgação para quem quiser seguir carreira. E tudo de graça: os músicos não pagaram para gravar, o lançamento foi feito pela prefeitura. Não há gasto nem para levar o material para casa. O DVD-CD está disponível, para consulta e empréstimo gratuitos, nos Centros Culturais e bibliotecas públicas de São Bernardo.



Los vecinos

Não, nossa imprensa não está em silêncio com relação às eleições paraguaias. Mas, considerando-se a possibilidade de alguém se sentir tentado a reduzir a produção de Itaipu, tem feito pouco barulho. O que sabemos é que o padre Fernando Lugo, um dos principais candidatos, promete rever o acordo de Itaipu e multiplicar o preço da energia elétrica que o Paraguai vende ao Brasil; e que o general Lino Oviedo, seu principal concorrente, promete trabalhar em conjunto com o presidente Lula num grande plano de desenvolvimento para o Paraguai, com apoio do Brasil. E a terceira candidata, que tem o apoio do presidente Nicanor Duarte e de seu poderoso Partido Colorado? Que é que defende?

Oviedo tem dito que, tão logo inicie o governo, convocará uma reunião com Lula e a presidente argentina Cristina Kirchner para construir a usina de Corpus, de grande importância para os dois vizinhos e que levaria novos recursos para o Paraguai. Corpus seria a última da série de três grandes usinas nas fronteiras do Paraguai, completando as que já existem – Apipé-Yaciretá e Itaipu. Quem financiaria essas usinas? Há dinheiro? Qual o projeto do padre Fernando Lugo para a usina de Corpus? É parecido com o de Oviedo, é diferente?

Como dizia o título de um antigo livro de jornalistas, ‘Isso o jornal não conta’.



O refúgio da dengue

O grande problema do mosquito da dengue é que não basta que você, caro colega, faça tudo certo: é importante que seus vizinhos também o façam. Uma água limpinha e parada no vizinho é tão boa para o mosquito quanto a de sua casa; e o raio de ação do mosquito é suficiente para infectar muita gente.

Que está acontecendo no Rio de Janeiro, nas áreas controladas por traficantes? Permite-se a entrada dos agentes sanitários? Como é que se sabe que ali não há pneus velhos, água parada, essas coisas? Este colunista, certamente por não ter visto com atenção o noticiário dos jornais, rádios, tevês e internet, não achou esse tipo de informação. Não estará neste bloqueio uma das causas da epidemia de dengue? A falta de presença do Estado, tradicional em lugares mais pobres, terá de repente sido corrigida em nome da saúde pública?



Jornalista é tão bonzinho

Está nos meios de comunicação: o TSE informou que, para fazer economia, vai trocar todas as 430 mil urnas eletrônicas de que dispõe. Pois é: as novas urnas usarão o sistema operacional gratuito Linux, em vez do Windows. Claro que nenhum veículo fez as contas e verificou quanto haverá de economia, quanto haverá de novos gastos. Brasileiro é bonzinho, já ensinava Kate Lyra, e a reportagem aceitou como válidos, sem maiores discussões, os números do Tribunal: haverá economia de 3 milhões de reais a 5 milhões de reais. Em dez anos, a economia será de até 15 milhões de reais. Então, tá.



E eu com isso?

Só notícias tristes. Mas o mundo continua lindo. Veja só que coisa meiga:

1. ‘Dado Dolabella leva flores à vovó’

2. ‘Juliana Paz namora em pizzaria carioca’

3. ‘Britney perde 7 kg em 4 semanas’

Este colunista prefere a frase de Tim Maia, citada por Nélson Motta. Algo como ‘cortei gorduras, açúcar e álcool, e em duas semanas perdi 14 dias’.

E que tal esse título?

** ‘Glória Maria faz compras do mês em supermercado do Rio’

O caro leitor costuma viajar para fora de sua cidade para efetuar as compras do mês?



O grande título

** ‘Pitty e baterista do NX Zero esperam seu 1º filho juntos’

É sempre bonita a solidariedade do pai, ao lado da mãe durante todo o tempo da gravidez!

Mas o grande título vem de uma grande publicação, um veículo importante que já deve estar tentando descobrir quem é que lá não sabe conjugar um verbo:

** ‘Empresa dará passagens a quem propor o melhor nome’

E ai de quem propuser a volta dos revisores!

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados