Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Quem é maior, a lei ou o leitor?

Champinha, o assassino dimenor que hoje ultrapassou a barreira dos 18 anos, fugiu da Febem e foi recapturado. Um jornal, a Folha de S.Paulo, seguindo rigorosamente a lei, não divulgou seu nome nem sua foto; todos os demais veículos de comunicação divulgaram foto e nome verdadeiro de Champinha, ignorando a proibição expressa no Estatuto da Criança e do Adolescente. A própria presidente da Febem se cansou, nas entrevistas, de chamá-lo por seu nome próprio.

A Lei está ao lado da Folha. Mas o bom-senso e o interesse de nosso patrão maior – o consumidor de notícias – exigiam que Champinha fosse plenamente identificado. Trata-se de assassino cruel, como comprovou por seu passado – torturou e matou o jovem Felippe Café, torturou, violentou e assassinou a menor Liana Friedenbach – e pelos laudos médicos, que desaconselharam soltá-lo, embora já tenha ficado na Febem mais tempo do que devia.

Champinha provou que é fácil fugir. É muito possível, portanto, que a qualquer momento esteja novamente circulando pelas ruas. É de interesse público que as pessoas possam identificá-lo, evitando que se aproxime, protegendo-se, dificultando a concretização de novos crimes. Enquanto era menor e estava contido, tudo bem: por menos que merecesse, a lei o protegia. Hoje já não é menor e ninguém irá jurar que não vá fugir de novo. Deve continuar a ser protegido pelo anonimato, para que possa, camuflado, aproximar-se das futuras vítimas?

Num caso anterior, o próprio Grupo Folha publicou a foto de um menor que havia ameaçado de morte uma repórter da Rede Globo, exatamente para que não apenas ela como outras possíveis vítimas pudessem precaver-se. E, correndo o risco de parecer piegas, se as vítimas de Champinha, uma delas menor de idade, têm nome e foto publicados, por que só ele deve ser privilegiado, podendo manter-se à sombra?



Alguém explica?

Nessa história da quebra de patente do Efavirenz, antiretroviral do laboratório Merck, faltou pesquisar um pouco o que acontece com outros medicamentos e produtos diversos. Nossa imprensa poderia tentar responder a uma pergunta interessantíssima: como é que no início do governo Lula, com o dólar a quase R$ 4,00, os medicamentos importados custavam o mesmo que hoje, com o dólar pertinho dos R$ 2,00? Casos clássicos são o Xenical, da Roche, inteiramente importado; os remédios para Aids, como o Efavirenz; e até produtos para cuidados pessoais, como a Gillette Mach 3 Turbo, trazida dos EUA. Se, em vez de cair à metade, o dólar tivesse dobrado de valor, esses produtos importados teriam se mantido com o mesmo preço?



Longe demais

Já houve pesadas guerras jornalísticas no Brasil – a mais famosa delas, nos anos 1950, entre Carlos Lacerda e Samuel Wainer. Em outras disputas, Alberto Dines mostrou quem era e como agia a imprensa marrom; em São Paulo, o Diário da Noite se referia à concorrente Última Hora como ‘a prostituta do Anhangabaú’. Na imprensa regional, houve brigas que terminaram em assassínios.

Mas só agora, na imprensa nacional, há ameaça explícita de morte contra um jornalista, feita por um jornal. No clima de radicalização a que se entregaram no pró e contra o presidente Lula, o jornal Hora do Povo, porta-voz do MR-8, grupo ao qual anteriormente pertenceu o hoje ministro Franklin Martins, fez clara ameaça ao colunista Diogo Mainardi, de Veja, que se especializou em denúncias contra o governo Lula e seus participantes – inclusive Franklin Martins.

A ameaça deve ser levada a sério: o MR-8, nos tempos stalinistas de Franklin Martins, se dedicou à luta armada; depois, transformou-se, dentro do PMDB, em braço armado de interessados em confusão, contribuindo para tumultuar, a pauladas, convenções nacionais do partido. E, no movimento sindical, também teve ocasiões de tentar impedir atos da CUT, com uso de correntes, bastões etc.

Chega: é hora de Franklin Martins, hoje ministro, desautorizar publicamente seus antigos companheiros. A amarga disputa que mantém com Diogo Mainardi pode perfeitamente ser decidida na Justiça, sem a presença de arruaceiros.



Presente e futuro

Quando Octavio Frias de Oliveira assumiu o comando, a Folha de S.Paulo estava em péssima situação financeira. Como ele mesmo contava, Frias ficou uns três anos no centro de São Paulo, negociando incessantemente com os bancos. Ao mesmo tempo, calmamente, cuidou de reequipar o jornal. Trouxe-o para a era do off-set, quando seus concorrentes ainda apostavam no chumbo; ampliou o prédio do jornal de cinco para dez andares; construiu outro prédio acoplado, também de dez andares.

Com as finanças em ordem, o jornal bem instalado, os equipamentos modernos, Frias levou para a Redação jornalistas como Cláudio Abramo, Alberto Dines, Mino Carta, Boris Casoy, Janio de Freitas, e passou a investir na qualidade e pluralidade da informação. Entre a compra da empresa quase quebrada e o início do crescimento do jornal, passaram-se doze, treze anos. Frias teve a capacidade de planejar o futuro e a paciência para esperar todo esse tempo para implementá-lo.

Seus herdeiros no jornal, Otavio e Luís Frias, têm competência e formação para continuar sua obra. Se tiverem a calma necessária para esperar o momento certo de crescer, como teve seu pai, o futuro da Folha estará assegurado.



Tem coisa que pode…

Um grande jornalista, guru supremo deste colunista, merecedor de confiança irrestrita, teve acesso a alguns arquivos das operações Hurricane e Têmis e acha que as acusações até agora publicadas pela imprensa são fortemente embasadas. Acredita que as dúvidas manifestadas por esta coluna, de que a imprensa talvez estivesse aceitando as acusações como fatos comprovados e com isso prejudicando a reputação de pessoas possivelmente inocentes, não se sustentam.

OK: se ele assim o acha, deve ter razão (especialmente por ter informações exclusivas sobre o caso específico). Mas, de qualquer forma, este colunista conhece uma série de histórias inexpugnáveis que foram derrubadas tão logo as vítimas da artilharia da imprensa puderam expor sua versão dos fatos. Enfim, os nomes continuam sendo divulgados às catadupas, referentes não apenas à máfia dos caça-níqueis e aos bingos, mas também à eventual venda de sentenças judiciais. O alvo da vez é o ministro Paulo Medina, do Superior Tribunal de Justiça, irmão de Virgílio Medina, alvo da Operação Hurricane, e afastado do cargo. Magistrado ou não, sofre intensa carga dos meios de comunicação.



…tem coisa que não pode

Mas, na mesma notícia que envolve o ministro Paulo Medina em acusações de venda de sentenças, surge um banco – um grande banco, que teria sido ajudado pelas sentenças vendidas. Qual é o banco? Bom, aí os meios de comunicação se tornam extremamente cautelosos: ninguém o identifica. É ‘um grande banco’ – e ponto final.

Traduzindo: ripa nas pessoas físicas, cautela com as jurídicas – especialmente se trabalharem na área financeira.



E eu com isso?

Este colunista aprendeu a ler na Folha da Manhã, mãe da Folha de S.Paulo, aos seis, sete anos de idade – numa época em que televisão era uma dessas invenções americanas que um dia chegariam por aqui. Desde então, viciado em jornal, raramente passou um dia sem lê-los. Hoje, viciado em notícias, dificilmente passa um dia sem consultar, além dos veículos impressos, também a internet.

Ainda bem: se não fosse assim, talvez perdesse a informação de que, ‘de minissaia, Maria Paula participa de lançamento no Rio’. E não teria como saber, exceto nas discussões provocadas por este momentoso tema, que ‘Cauã Reymond aparece de bigode em evento’.

Aliás, nosso ministro Miguel Jorge aparece de bigode em todos os eventos há quase 40 anos. E ninguém noticia isso!

Há outras notícias imperdíveis:

1.Isabela Garcia vai ao teatro com o marido

2. ‘Após dia cheio, Kate Moss descalça’

Convenhamos, não vale a pena perder algumas horas do dia para ficar bem informado?



O grande título

Nesta semana, não foi possível escolher o melhor título. Há dois que disputam pau a pau, toque a toque, sem que seja possível dar vantagem a um ou outro.

** ‘Indústria remédios critica decisão Brasil suspender licença fármaco’

** ‘Professores realizam manifestação na região Assembléia em São Paulo’

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados