Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Quem pode e quem não pode

Não faz muito tempo, não: um dia, Joelmir Beting informou às Organizações Globo que decidira aceitar convite do Bradesco para participar de uma campanha publicitária. A Globo não concordou, Joelmir insistiu, e o antigo contrato de ambos foi rescindido, tanto na TV como no jornal. Como disse o comunicado interno de O Globo, a aceitação de convites para fazer propaganda comercial ‘não é compatível com a publicação da coluna e contraria as Normas de Conduta do jornal’ (ver, neste Observatório, ‘Em casa de enforcado…‘).

Mas amanhã, como diria Chico Buarque, já é outro dia. As Organizações Globo fecharam acordo com o mesmo Bradesco para difundir merchandising (pela primeira vez) no Jornal Nacional. A cobertura nacional das eleições usará como veículo oficial um avião com a logomarca do banco e da Globo. Sempre que as reportagens entrarem no ar, aparecerá atrás dos apresentadores uma arte com o jato, ostentando o nome do banco. O Bradesco coloca também seu comercial no intervalo do Jornal Nacional (e, ao mesmo tempo, patrocina a cobertura eleitoral de todas as outras tevês comerciais abertas). [Ver no OIAlém dos aviões de carreira‘.]

Nada contra, nem a favor. A apresentação de anúncios ou de merchandising por jornalistas vale outra e extensa discussão. O curioso é como mudou a percepção das coisas. Um colunista não podia associar sua imagem ao Bradesco, por ser essa associação incompatível com as normas de conduta da empresa, mas o jornal inteiro pode. Funcionário é funcionário, patrão é patrão.

 

Liberdade por assinatura

Nossos meios de comunicação efetivamente são muito bonzinhos. Os candidatos José Serra e Dilma Rousseff assinaram a Declaração de Chapultepec, de 1994, a respeito da liberdade de expressão, e os títulos que saíram foram coisas como ‘Liberdade de imprensa garantida’.

É como se a assinatura num papel garantisse alguma coisa, especialmente num país em que a censura prévia é proibida pela Constituição e continua funcionando de maneira feroz – não apenas para proibir os veículos de divulgar determinadas notícias, mas também para obrigar emissoras de TV a mudar horários e conteúdos de programas que as doutoras Solanges de hoje considerem inadequados (a propósito, em 1994 o presidente da República era Fernando Henrique, José Serra era seu ministro, e não aproveitou a oportunidade para assinar a Declaração. Em 2003, assumiu o presidente Lula, tendo Dilma Rousseff como sua ministra, e só agora, no meio da campanha eleitoral, ela encontrou uma oportunidade de apoiar o que se decidiu em Chapultepec).

Seria mais interessante, do ponto de vista da liberdade de imprensa, ouvir uma declaração da candidata Dilma Rousseff contra as restrições venezuelanas ao livre funcionamento dos meios de comunicação; ou do candidato José Serra contra as cartas recheadas de acusações a repórteres que os diversos segmentos do governo paulista costumam enviar às redações. Exemplos são sempre melhores do que declarações de intenção.

Seria interessante, também, ouvir de alguns veículos o motivo pelo qual só concedem direito de resposta quando forçados pela Justiça, ou quando a pressão se torna forte demais. Apenas um exemplo, como recordação: certa vez, numa audiência judicial, não havia nenhum repórter presente. No dia seguinte, os jornais traziam relatos minuciosos da audiência, sempre favoráveis à acusação. E foi necessário informar-lhes que haveria um pedido à Justiça de direito de resposta, com a convocação de todos os presentes (inclusive os informantes dos repórteres) como testemunhas de que lá não havia jornalistas, para que concordassem em publicar cartas educadas, civilizadíssimas, com o outro lado da questão.

 

A culpa…

Da candidata Dilma Rousseff: a reportagem sobre irregularidades no DNIT, antigo DNER, ‘poderia ter uso eleitoral’, e por isso não a comentaria. Também a acusação de lavagem de dinheiro contra a governadora do Maranhão, Roseana Sarney (feita com base em documentos do Banco Santos), não seria comentada, por se basear em ‘acusação de jornal’.

Do candidato José Serra, diante das perguntas a respeito de suas declarações sobre ‘blogs sujos’ financiados pelo governo federal e patrulhas organizadas para intimidar jornalistas que não se submetessem aos interesses petistas (os repórteres pediam que ele desse os nomes de quem acusava): ‘Próxima pergunta, por favor’.

 

…é da imprensa

Do técnico palmeirense Luiz Felipe Scolari, expulso de campo pelo juiz Wilton Pereira Sampaio e advertido por demorar a deixar o gramado: ‘Não saí porque não dá pra sair. A imprensa fica com microfone (…) vocês querem ver se a gente pisca, assopra. Vão buscar confusão. Se querem confusão, vão ter’.

E o juiz que o expulsou? Este foi poupado: ‘Ele é um árbitro novo (…) Se achou que foi ofensa, o que posso dizer?’

A imprensa com certeza tem as costas mais largas que a do juiz.

 

Nossos símbolos mudados

Serra diz que o governo criou um cabidaço de empregos para jornalistas. Mas nem sempre a abundância de pessoal significa bom funcionamento: o site oficial do governo brasileiro, descrevendo os quatro símbolos nacionais (Hino Nacional, Bandeira, Brasão e Selo) traz erros em três deles – Símbolos e hinos no site Brasil.gov.br . Só acerta no Selo.

Quem pegou os erros foi uma jornalista que pesquisa o tempo inteiro e é cheia de curiosidade: Rosana Hermann.

Começa pelo Hino Nacional: segundo o site oficial do governo brasileiro, letra e música foram compostas em 1822, para comemorar a Independência, por Joaquim Osório Duque Estrada e pelo maestro Francisco Manuel da Silva.

Não dá: Osório Duque Estrada nasceu em 1870, quase meio século depois da data apontada pelo site. A música foi composta em 1822 ou 1823 (há divergências), o concurso para a letra foi aberto em 1906, e o poema escolhido foi adotado em 1922, no Centenário da Independência. Um errinho de um século, apenas.

As cores da Bandeira, segundo o site, simbolizam o verde de nossas matas, o amarelo-ouro as nossas riquezas, o azul o nosso céu e o branco a paz. Só que isso não está definido oficialmente em documento nenhum. Tradição oral, talvez?

E o Brasão, segundo o site, é envolvido ‘por uma coroa feita de ramos de café frutificado sobre um resplendor de ouro’. Não é verdade: não é uma coroa, pois há apenas um ramo de café, do lado esquerdo. Do lado direito, é um ramo de fumo, com flores. Basta olhar: o da direita tem flores, o da esquerda tem café.

Louve-se, entretanto, o esforço oficial: não há erro na descrição do Selo.

 

E ela leva a fama

O pior é que dizem que a cantora Vanusa é que erra o Hino.

 

Ler, escrever

Por falar em erro, está na hora de a imprensa voltar a se preocupar um pouco com a correção do texto. Regências, por exemplo, talvez valham até um novo capítulo dos manuais de Redação. Um exemplo, de jornal importante:

** ‘O comediante credita o sucesso atual à paixão pelo trabalho autoral e à perseverança, que nunca o faltou’.

Será tão difícil aprender quando se usa o ‘lhe’? Um profissional do texto que leia algo de bom todos os dias não absorverá automaticamente a regência correta?

 

Aprovação automática

O candidato do PT ao governo paulista, Aloízio Mercadante, criticou duramente a aprovação automática dos estudantes das escolas públicas no ensino fundamental (‘progressão continuada’), e atribuiu a falha ao PSDB, que governa São Paulo desde 1994.

Tudo bem, não é questão de discutir esse tema: há especialistas que entendem de educação o suficiente para apresentar críticas, sugerir correções de rumo, aplicar condenações definitivas. A questão aqui é discutir a imprensa. A aprovação automática foi implantada em São Paulo pelo educador Paulo Freire, secretário da Educação da prefeita Luiza Erundina, do PT, e por seu principal seguidor e herdeiro intelectual, o professor Mário Sérgio Cortella, Os tucanos mantiveram o sistema e ampliaram sua abrangência para todo o estado.

A propósito, a progressão continuada está prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996). Paulo Freire, educador de renome internacional, cumpriu o que a lei mandava.

Será que, se a imprensa pesquisar a origem da aprovação automática, não ajudará a retirar da Educação o clima de jogo de futebol entre petistas e tucanos e facilitar a correção dos problemas que, não há dúvida, existem e são graves?

 

Como…

De um grande portal noticioso, ligado a um dos maiores jornais do país:

** ‘Gabrielli admite que plataformas da Petrobras têm problemas de conversação’

 

…é…

De um importante jornal regional, editado do interior paulista:

** ‘Dois ladrões roubam máquina de compactuar’

Não, não foi erro de digitação: o texto insiste na máquina de compactuar. Mas, a julgar pelo gênero de serviço prestado por seus proprietários, deve ser mesmo uma compactadora. Uma máquina de compactar.

 

…mesmo?

De um grande jornal, de circulação nacional:

** ‘(…) a festa realizada ontem por Galvão Bueno(…)’

E, na frase seguinte, (…) ‘anteontem, em SP’.

Talvez não sejam duas festas. É que houve farta degustação dos vinhos que Galvão Bueno lançou com sua marca. E aí, sabe como é, né?

 

Mundo, mundo

Estados Unidos:

** ‘Namorado pede que Britney Spears lave o cabelo e troque de roupa com mais frequência’

Dizem que, quando Marlon Brando surgiu no cinema, este era também o pedido de suas namoradas. Quando entrava no estúdio, garantiam seus contemporâneos, produzia uma inolvidável sensação olfativa.

 

Vasto mundo

Do Brasil:

Uma jornalista que cobriu a chegada de Mariah Carey a São Paulo, para participar da Festa do Peão Boiadeiro de Barretos, aproveitou a primeira folguinha para usar o twitter:

** ‘O que é a Mariah Carey?????????? Que bucho!!!! Uma baleia, gente!!!’

Logo depois, pediu desculpas. Não pelo que disse, mas pela forma que utilizou.

** ‘Desculpem as exclamações, mas é que tomei um susto. Está enooooorme, ainda bem que a voz não engorda.’

Questão de gosto, mas este colunista preferiria que a voz engordasse um pouco. Quanto ao corpo, parece que Mariah Carey engordou 25 quilos depois de casar com Nick Cannon.

 

E eu com isso?

Muito, muito frufru, nacional e internacional. As conversas com os vizinhos e as amigas ganham uma porção de novos temas:

** ‘Mulher Maçã revela estar grávida de ator global’

(Suas principais concorrentes, a Mulher Pera e a Mulher Melão, se dedicam a outras atividades: são candidatas a deputada).

** ‘Garotas usam seios como distração antes de roubar’

O objetivo era desviar as atenções. Não funcionou: foram presas.

** ‘Kelly Brook mostra as pernas na estreia de `Piranha 3D´’

** ‘Jennifer Lopez procura assistente pessoal sem vida social’

** ‘Jovem de 19 anos leiloa a virgindade em canal de TV da Hungria’

** ‘Jovem é preso nos EUA por deixar a cueca aparecendo’

Só que a coisa não foi tão simples assim. Um guarda o advertiu e ele o insultou. E por isso foi detido.

** ‘Aos 37 anos, britânico é preso pela 73ª vez após roubar loja com pedra’

Ao todo, ele já compareceu 96 vezes aos tribunais. Se morasse em outro país, teria agora a grande chance de candidatar-se.

** ‘Ladrão esquece o celular, e polícia liga para mãe dele’

** ‘Angelina Jolie diz que filhos gostam de brincar com sangue falso’

** ‘Leonardo DiCaprio acredita que se casar pode destruir sua carreira’

** ‘Katie Holmes diz que estar casada com Tom Cruise é `estranho´’

** ‘Motorista é preso dirigindo bêbado, sem pneu e com a carteira vencida’

A carteira de motorista estava vencida há 33 anos. Há algum tempo, num grande jornal paulista, um excelente repórter que morava em outra cidade ia e voltava todos os dias, em seu carro, sem nunca ter se preocupado com a formalidade de tirar a carteira. A seu lado, de carona, ia outro maluco do mesmo jornal. Isso durou anos, até que o motorista sem carteira dormiu na estrada, bateu o carro e ficou sem os dentes. Talvez depois disso ele tenha providenciado a habilitação. Nomes? Não, nada disso. O importante é o milagre, não o santo.

 

O grande título

Ah, a mania de enfiar um título onde ele não cabe! Sempre fica alguma coisa de fora. Mas pior ainda é enfiar um título que cabe, diagramado com espaço para a frase toda, e mesmo assim deixar alguma coisa de fora. Fica parecendo frase de índio de filme americano.

** ‘Polícia prende suspeito roubar condomínios’

Uma novidade: o título invertido.

** ‘cadastro Tatuadores terão de fazer’

Experimente: lendo ao contrário, de baixo para cima, dá certinho.

Outra novidade: o título tatibitate:

** ‘Dudu leva babá para depor contra Bombom’

E o melhor título da semana, que retoma um velho tema e muda apenas os objetos envolvidos no caso:

** ‘Homem é preso com diamantes na cueca em MT’

O cavalheiro tentava embarcar de Cuiabá para São Paulo com 24 diamantes na cueca. Não podia dar certo: como é que ele iria sentar-se?

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados