Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Sai pra lá, dedo-duro

O.F.B., que se identifica como sexagenário, escreve para dizer que não assimila certas coisas de hoje em dia. ‘Uma delas é o dedo-duro. Em minha infância-juventude, dedo-duro era simplesmente alijado da turma.’

O dedo-duro, o delator, sempre mereceu repúdio geral – de nomes depreciativos, como ‘cagüeta’ (sim, com trema), ‘ganso’, ‘x-9’, ‘traíra’, a atitudes que demonstravam a repugnância por eles, como esfregar as unhas na lapela quando chegava um indivíduo desses, significando ‘sujou’. No mundo do crime, a pena para o dedo-duro é a morte. Os serviços secretos têm uma máxima: usar o dedo-duro porque é necessário, e depois descartá-lo, porque dedo-duro é gente que não presta.

A coisa pegava tanto que um grande jornal tinha como norma, em reportagens investigativas, usar a palavra ‘revelou’ em vez de ‘denunciou’. Pois denúncia, lembremos, era coisa de pessoas desclassificadas.

Algumas coisas mudaram no mundo, e o leitor O.F.B. faz muito bem em não assimilá-las. Hoje, no meio de reportagens e colunas, quem assina a matéria se orgulha de ter entregue denúncias ao Ministério Público, de ter montado dossiês para enviá-los à polícia, de ter, antes mesmo de publicar seu texto, passado informações a policiais, para que pudessem agir de surpresa contra os alvos.

Uma excelente reportagem de Gabriel Manzano Filho no Estado de S.Paulo conta que a família de Vladimir Herzog, jornalista assassinado por torturadores durante a ditadura militar, articula a criação da Casa de Vlado Vivo, cujo objetivo, mais do que perpetuar sua memória, é garantir a realização de suas esperanças (Luiz Weis, que foi parceiro e amigo de Vlado, sempre atento aos bons textos da imprensa, transcreveu esta reportagem no blog Verbo Solto deste Observatório).

Quando se recorda Vlado, recorda-se também que dedos-duros da imprensa moveram-lhe feroz campanha, até que os homens da ditadura o prenderam e mataram. Vlado morreu; e os dedos-duros que contribuíram para sua morte morreram em vida, afastados do convívio de outros jornalistas, afastados da profissão, carentes do respeito de seus pares.

Como explicar que, hoje, jornalistas orgulhosamente acusem colegas de parcialidade por estudar com determinados professores, ou trabalhar em determinadas empresas, porque fazem restrições aos proprietários ou acionistas destas empresas? Como explicar que, hoje, jornalistas repitam os erros trágicos do passado, em nome do mesmo pretexto, a luta política? Como explicar que, como no tempo da ditadura, jornalistas peçam a cabeça de outros? Como explicar o retorno do ridículo ‘meu patrão é melhor do que o seu’, e ainda em tom acusatório, prejudicando companheiros de profissão?

Não dá: quando aqueles a quem Ricardo Kotscho chama de ‘cachorros loucos’ saem escrevendo besteira, isso é uma questão a ser resolvida com novos dispositivos legais que inibam a irresponsabilidade. Mas jornalista é diferente: o Código de Ética diz que a opinião expressa em meios de comunicação exige responsabilidade. E disso não podemos fugir.

 

Um retrato riscado…

Dois jornalistas de primeiro time escreveram, nos últimos dias, contra o anonimato na internet. Tanto Luiz Antônio Magalhães (aqui no OI) como Ricardo Kotscho (Balaio do Kotscho, transcrito no OI) têm razão: cada um pode escrever o que quiser, sem censura, mas responsabilizando-se pelo que diz. Para usar a expressão de Kotscho, ‘a valentia dos anônimos’ não pode se confundir com livre manifestação de pensamento.

Livre manifestação de pensamento é o que exercitam colunistas como Paulo Henrique Amorim, que critica duramente três homens poderosos, o presidente do Supremo Tribunal Federal, o governador de São Paulo e um banqueiro de larga influência, Daniel Dantas. Paulo Henrique diz o que quer e se responsabiliza por isso. Luis Nassif bate duro numa das maiores empresas de comunicação do país, a Editora Abril, nos jornalistas que comandam a principal revista semanal do país, e se responsabiliza por isso. Reinaldo Azevedo critica pesadamente membros do governo federal, e se responsabiliza por isso. Se alguém se sentir ofendido, tem a Justiça para protestar e buscar reparação.

A valentia do anonimato é outra coisa. É a facada nas costas, é a emboscada, é o uso de pistoleiros contra os inimigos. Não se trata, portanto, de valentia.

E que fazer quando uma pessoa quiser se manifestar mas sem, por qualquer motivo, divulgar seu nome? Simples: seus dados não precisam ser divulgados, mas devem estar disponíveis em algum lugar. Em caso de processo legal, ou o responsável pelo blog entrega esses dados à Justiça ou responde pelo material publicado, assumindo toda a responsabilidade. Nada diferente do que acontece hoje nos jornais e revistas: o leitor pode até usar pseudônimo, pode ter sua identidade resguardada, mas haverá como chamá-lo à responsabilidade, se for o caso. Nada diferente do que acontece naquelas entrevistas de jornais da TV em que a imagem é desfocada e o entrevistado fala com voz de Pato Donald. Se alguém se sentir atingido, pode pedir que sejam identificados para a abertura de processo. Ou podem, caso a identificação não lhes seja fornecida, processar a emissora.

 

…e fora de foco

E essa questão, a propósito, é urgente. Se estamos a mais de um ano das eleições e o clima dos comentários na internet já é este, buscando a desqualificação pessoal do suposto adversário, a adjetivação mais pesada, os bordões mais violentos, imagine o que acontecerá quando se aproximar o dia da votação.

 

As doações de campanha

Comecemos por um ponto: campanha eleitoral tem custos. Há países em que o Estado arca com os custos (como a Alemanha – e mesmo assim um primeiro-ministro caiu porque fazia caixa 2), há países em que os candidatos e partidos angariam recursos (como os Estados Unidos, em que Barack Obama rejeitou os recursos públicos disponíveis e apelou a seus eleitores para que o financiassem). Campanha de graça só naqueles países em que o presidente tem 99% dos votos.

No Brasil, a imprensa vem tratando as doações de campanha como crime, sejam legais ou não. Se a empresa doa ilegalmente, é crime mesmo; se a empresa doa legalmente, basta ganhar uma concorrência para que os meios de comunicação lembrem que a empresa ‘contribuiu com N reais para a campanha’. Não importa que a concorrência seja de alguns bilhões e a doação de alguns milhares de reais: nas matérias, sem qualquer investigação sobre a lisura da concorrência, há sempre insinuada uma relação de causa e efeito entre a vitória e a doação.

Se a empresa doa para candidatos, não importa que seja legal: só doou para políticos que atuem no setor econômico dessa empresa. Se doa para partidos, o que também é legal, a empresa é acusada de camuflar suas doações.

Enfim, qual a saída?

 

Gripes e porquices

No meio da vasta cobertura sobre gripe suína, duas coisas ótimas. Para evitar o nome ‘gripe suína’, a Organização Mundial da Saúde criou uma sigla complicadíssima. Os meios de comunicação passaram a referir-se ao vírus H1 NaGTB@117 C, ‘ou gripe suína’.

E há uma definição maravilhosa do repórter Leandro Fortes, sobre a incompreensível explicação do governador paulista José Serra a respeito do tema: ‘Serra, o dos porquinhos espirrantes’.

 

Meio muito

Tudo bem, é preciso vender jornais. Tudo bem, os tempos do puritanismo, em que uma falha no título referente ao Marechal da Vitória, Paulo Machado de Carvalho, obrigou um jornal a recolher a edição, já passaram. Uma falha como a que ocorreu no título do filme Um Raio em Céu Sereno, que levou uma série de senhoras à Redação de um grande jornal para fazer seus protestos, hoje passa sem problemas.

Mas pegar uma foto do vestiário de um clube, pegando num cantinho a silhueta das nádegas de um atleta, e perguntar aos leitores se aquele não seria o grande astro do time, aí já é um pouco demais. Será que os jogadores precisarão chegar vestidos ao vestiário (que, claro, não se chamará mais ‘vestiário’) para escapar às câmeras indiscretas?

 

Alguns vícios…

Preste atenção: isso sai muito em anúncios e em press-releases, quando se trata de algum produto desses meio sem gosto, cujo objetivo é substituir alguma coisa gostosa mas que traz algum tipo de inconveniente. Ninguém mais ‘faz questão’, ‘não quer perder’, ‘quer desfrutar’. Agora, as pessoas ‘não abrem mão’. Algo como ‘quem se preocupa com uma alimentação equilibrada mas não abre mão do sabor do chocolate’, ou ‘quem não quer engordar mas não abre mão do gosto da fruta’, ou ‘quem não quer gastar muito mas não abre mão de estar na moda’. Quem gosta de ler e não abre mão do prazer do texto está perdido!

 

…de linguagem

Houve época, lembre, em que sua geladeira era GE (e ‘geladeira começa com GE’) e a televisão RCA, e a frase ‘his master´s voice’ era ‘A Voz do Dono’. Seu carro provavelmente era fabricado pela GM. Hoje, a ESPN é ‘ispien’, a MGM virou ‘emgiem’, a MTV, tadinha, é ‘emtivi’. O Telecine Premium insiste em chamar-se ‘prímiun’, como se latim fosse inglês. O Volkswagen, ‘a marca que conhece nosso chão’, ‘o bom senso em automóvel’, agora é ‘Das Auto’, seja lá isso o que for. E a Mont Blanc, caneta alemã com nome francês referente a uma montanha suíça, é ‘Meisterstuck’ (obra-prima, em alemão) e ‘The art of writing’, em inglês.

Está bem, está bem: deve fazer sentido, como o ‘Sense and Simplicity’ que é difícil entender mesmo com a Ivete Sangalo tentando explicar. Mas há coisas engraçadas acontecendo no nosso mundo da comunicação. Recentemente, um executivo deixou o seguinte recado para seus assessores de imprensa:

** ‘Fico no aguardo do briefing para fazer o look and feel da newsletter’.

Cinco substantivos, dos quais quatro em inglês.

 

Noça izcola

Pode ser que a mania de falar em outras línguas tenha seus pontos positivos. Em português, as coisas andam pra lá de alarmantes. Uma universidade, em seu anúncio de Dia das Mães, usa, entre outros termos, ‘proteje’ e ‘simplismente’. E o reitor ainda explicou.

 

Como…

De um portal noticioso importante:

** ‘Lewis Hamilton mostra como é apertado o cockpit da McLaren para a namorada Nicole Scherzinger’

É apenas impressão, ou será só este colunista que lê com tanta malícia?

 

…é…

De uma coluna especializada:

** ‘Jornalistas em área de conflito – Os soldados brasileiros são adestrados à exaustão para o êxito em missões de manutenção da paz’

Se é para manutenção da paz, a paz existe. Então, qual é o conflito?

 

…mesmo?

Da edição online de um grande jornal:

** ‘Governador defende mais forte durante evento em SP’

Não, não era a construção de novos fortes no litoral. Era alguma outra coisa.

 

A volta dos que não foram

Não deu para resistir: a pressão dos leitores para o retorno do ‘E eu com isso?’ foi avassaladora. Nosso e-mail recebeu quatro ou cinco mensagens exigindo o item de volta. Então, voltamos, com aquelas notícias que exigem apuração, tempo, dinheiro, muita eletrônica, eventualmente papel e tinta, e sem as quais não poderíamos dormir à noite.

** Adriana Bombom tira dia para fazer exercícios’

** Drew Barrymore só lava os cabelos com xampu de hotéis’

** Meg Ryan busca a filha Daisy na escola’

** Inseto mãe usa cheiro para privilegiar crias fortes, diz estudo’

** Durante passeio, Hilary Swank limpa cocô de cachorro’

** Mãe do ator Shia LaBeouf limpa nariz do filho em público’

** Foto pode tirar coroa de miss contra união gay’

Alguma coisa quer dizer. Ou não teriam publicado nada sobre isso.

 

O grande título

Coisas boas, títulos caprichados. Há um daqueles que não entravam nem com reza brava, e aí coube o que coube.

** Brasil ainda levará décadas para erradicar o analfabet’

Há um daqueles títulos que permitem divagar à vontade:

** A nova Miss Brasil promete, no concurso Miss Universo, dar o melhor de si’

Tomara.

E temos até um excelente título internacional. Clarín informa:

** Una grave lesión deja a Caraglio afuera de la Selección’

Pare de pensar em bobagem: Milton Caraglio, atacante do Rosario Central, pouco menos de 21 anos, é uma das esperanças (ou era, antes da contusão) do futebol argentino.

Mas, no capítulo de nomes e apelidos do futebol, vale lembrar a dupla Silvio Luiz – Flávio Prado. Os dois passaram meses atormentando um colega finíssimo, Pedro Luís, um dos maiores nomes do rádio esportivo brasileiro. Certo dia, quando o centroavante Careca (que chegaria à seleção brasileira e seria campeão italiano pelo Napoli, ao lado de Maradona) já estava se transformando num astro do Guarani de Campinas, Pedro Luís comentou que ele deveria movimentar-se mais e fazer o vai-vem na frente.

Foi o suficiente: daí em diante, os dois viviam perguntando a Pedro Luís se ele não achava que Careca devia tentar a penetração, ou jogar mais duro, ou fixar-se ali na zona do agrião – isso mesmo quando Careca não estava jogando, mesmo quando não era jogo do Guarani. Pedro Luís não gostava, mas foi muito divertido enquanto durou.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados