Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Salto da CNN ameaça a Fox News

O candidato democrata Barack Obama, como costumo lembrar, já fez história ao se tornar o primeiro negro a ter sua indicação presidencial aprovada num dos dois grandes partidos dos EUA. Ele ainda corre o risco de contribuir para outros marcos. Por exemplo, a derrubada da Fox News Channel (FNC) da liderança na audiência das redes de TV a cabo dedicadas exclusivamente ao jornalismo.

Um indício claro de que isso poderá acontecer foi registrado no sábado (28/6) pelo New York Times (leia aqui), com base em pesquisa Nielsen (o ibope deles). Graças à campanha democrata, a audiência no horário nobre das duas redes rivais da FNC – a CNN, do império Time Warner, e a MSNBC, criada numa associação entre a NBC (propriedade da General Electric) e a Microsoft – cresceu bem mais do que a do império de Rupert Murdoch.

Observe acima o quadro publicado pelo Times. A Fox ainda lidera a audiência, mas por causa dos mais velhos. A mudança, conforme destacou a reportagem, ocorreu precisamente na faixa etária que mais atrai os anunciantes e as agências de propaganda – a dos 25 aos 54 anos de idade. Entre os telespectadores desse grupo, a audiência no horário nobre da FNC era antes mais do dobro da CNN: 530 mil contra 248 mil. Mas de janeiro a junho deste ano de 2008 a Fox caiu para 440 mil e a CNN subiu para 420 mil.

O formato que Turner criou

Esses números equivalem a um quase-empate. O salto da CNN foi superior, em média, a 170 mil telespectadores, a cada noite, no horário mais cobiçado da TV. Ao mesmo tempo, a FNC perdia nada menos de 90 mil. A outra rival, MSNBC, cresceu ainda mais que a CNN: 181 mil, em boa parte empurrada pelo programa do liberal Keith Olbermann – uma ameaça direta a Bill O´Reilly, o campeão de audiência da FNC.

Ironicamente o grande avanço inicial da FNC, nascida em meados da década de 1990, tinha sido favorecido pela política: primeiro, a euforia republicana com o escândalo de sexo que quase derrubou o presidente Clinton; depois, o roubo de votos na Flórida para eleger George W. Bush presidente; e, finalmente, a histeria patrioteira abraçada por ela depois do terrorismo de 11 de setembro de 2001.

O inventor desse formato de rede de cabo dedicada ao jornalismo nas 24 horas do dia foi o magnata Ted Turner, suficientemente ousado para bancar em Atlanta, na Georgia, seu desafio às três gigantes da TV aberta – CBS, ABC e NBC – que tinham consolidado bases sólidas, simultâneas, tanto na costa leste (Nova York) como na costa oeste (Los Angeles).

A programação das grandes redes incluía mil coisas (filmes, entretenimento, novelas, shows) além daquele jornalismo de credibilidade na TV, simbolizado então pelo noticiário das seis e meia da noite, em rede nacional, com âncoras como Walter Cronkite. ‘Se perdi Cronkite, perdi a América’, queixou-se com realismo o presidente Lyndon Johnson ao reconhecer, depois de uma crítica do âncora da CBS, a falta de apoio para sua guerra no Vietnã.

A aposta no conservadorismo

A audiência nos anos seguintes ainda continuou favorecendo majoritariamente as três grandes redes. Até o período de Dan Rather na CBS, Peter Jennings na ABC e Tom Brokaw na NBC. Os três (leia aqui uma análise feita em 2005 pela American Journalism Review sobre o trabalho deles) ainda reinaram nas décadas de 1980, 1990 e início da de 2000, mas passaram a perder terreno. Lançada a CNN em 1980, ninguém acreditava no projeto de Turner. Ainda assim ele mudou hábitos e acabaria por impor aos poucos o jornalismo ‘all news’.

Só depois de ter a cobertura da guerra do Golfo, em 1991, consolidado o sucesso da CNN, as três grandes redes, preocupadas, anunciaram a intenção de criar canais para competir no jornalismo de TV a cabo. Uma delas, a NBC, concretizou a idéia (com a MSNBC), as demais desistiram. Mas Murdoch, depois de firmar uma quarta rede aberta nos EUA, a Fox, decidiu lançar a FNC para desafiar a posição privilegiada da CNN.

O império de mídia de Murdoch tivera início na Austrália, onde ele nasceu. Na Grã-Bretanha, entrou comprando tablóides de escândalos (mas hoje até o tradicional The Times já é dele) e aliou-se aos conservadores de Margaret Thatcher. Nos EUA enfrentou resistências e teve de naturalizar-se americano para entrar no mercado de TV, sempre contando com apoio republicano – desde o governo Reagan.

Ao ser criada a FNC, rede de cabo, o governo era democrata (Clinton), mas a oposição republicana acabara de ganhar (em 1994) o controle das duas casas do Congresso. A direção da rede foi entregue a Roger Ailes, que nunca fora jornalista. Ailes era formado em política partidária: só tinha experiência na área de relações públicas, tendo trabalhado na Casa Branca durante os governos Reagan e Bush I (o pai).

Errando e pedindo desculpas

A aposta de Murdoch foi sempre política, a ponto de investir (financiando desde o primeiro número) e bancar a revista ideológica dos neoconservadores Weekly Standard, que se anuncia desde 2001 como a mais lida na Casa Branca. Neocons notórios como William (Bill) Kristol, Charles Krauthammer e Fred Barnes são presenças predominantes, diariamente, nos debates políticos da FNC.

Mesmo criada à imagem e semelhança da CNN, de tendência liberal, a FNC buscou ser mais dinâmica, provocadora e agressiva. Sua aposta maior foi ideológica. Os talk shows denunciavam o resto da mídia como parcial (a favor do Partido Democrata) e liberal (contra os conservadores). Na crise do impeachment, seu moralismo seria derrotado no julgamento do Senado; mas depois ela ganhou seguidamente, com Bush na Flórida (graças à Suprema Corte) e na histeria patrioteira depois do 11 de setembro.

Na campanha eleitoral de 2008 teve conduta facciosa no único debate dos democratas que promoveu. Em razão disso, foi preterida, em favor da CNN, da NBC e da ABC nos demais – o que ajudou a empurrar a audiência da principal rival. Aparentemente, a declaração recente de Murdoch de que talvez vote em Obama foi uma tentativa de reabilitar a imagem declinante da FNC. E nas últimas semanas ela ainda se viu constrangida a pedir desculpas pelo menos três vezes por declarações mentirosas ou levianas contra o democrata Obama (leia aqui uma crítica dura do candidato às distorções de liberadas da FNC).

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Jornalista