Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Segurança esquizofrênica

Duas páginas do caderno “Cidades/Metrópole” do Estado de S.Paulo (25/8) são um retrato da situação do aparato policial no Brasil. De um lado, noticia-se – o título é um retrato da criminalização da pobreza − iminente intervenção para tentar controlar uma onda de assaltos em bairro onde convivem riqueza e pobreza, o que é relativamente raro na cidade de São Paulo: “PM vai cercar hoje as três favelas do Morumbi”.

De outro lado, flagrantes de selvageria e de suposto crime cometido por policiais:

** “Vídeo em que PM humilha jovem agonizando será investigado”

** “269 quilos de cocaína apreendida viram 10. 2 anos após mega-apreensão, teste aponta só 3% de droga em pó guardado no Denarc”

De um lado, transmite-se a ideia de que a intervenção policial funciona para conter a criminalidade. De outro, constata-se que uma parte substantiva do problema criminal é a própria polícia. Não deixa de ser curioso que o autor de duas das reportagens seja o mesmo, o competente Bruno Paes Manso.

Alarmai-vos

A principal manchete do conjunto, na página ímpar, alarma: “Crianças agora fazem arrastão no Itaim-Bibi. Grupo de 8 meninos e meninas tentou furtar produtos em lojas da Avenida São Gabriel”. O “agora” remete a noticiário precedente sobre o mesmo fenômeno no bairro da Vila Mariana. O espaço ocupado pela notícia espelha o tamanho do medo das “classes perigosas”. Ainda que a mais velha das crianças não passe dos 12 anos de idade.

Meno male que o jornal dá voz a um integrante da Comissão Especial da Criança e do Adolescente da OAB, Ariel Castro Neves. O título da coluna, sob o chapéu “Análise”, martela o sempiterno conceito de que “Criminalizar a pobreza só vai agravar a situação”. O único problema, aí, é o tempo verbal. Embora se entenda que o futuro, no caso, funciona como presente (poder-se-ia perfeitamente escrever “Criminalização da pobreza só agrava a situação”), o tempo sociologicamente correto seria o pretérito: “Criminalização da pobreza só agravou a situação”.

Desde quando? Ora, desde sempre. Cinco séculos. A imprensa brasileira nasceu, há quase duzentos anos, mergulhada numa crueldade com a qual até hoje não acertou suas contas. Gazeta do Rio de Janeiro (1/1/1820, página 4):

“Vende-se huma preta nova, de deseseis annos, bem parecida, e com bella disposição para aprender tudo quanto se lhe ensine, sadia, e que já teve bexigas, quem a quizer comprar dirija-se á primeira das cazas terreas, que estão defronte do Erario, hindo do largo do Rocio”.