Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Tão inculta que não pode ser bela

Um dos maiores jornalistas brasileiros fazia questão de dizer que não era jornalista (mas era, e dos bons): Octavio Frias de Oliveira, o empresário que reergueu a Folha de S.Paulo e a transformou no maior jornal do país. Frias gostava de dizer que, quando o leitor encontrava erros nos assuntos de que entendia, passava a duvidar de todo o jornal. E, completava: Sua Excelência, o Leitor, costumava ter sempre razão.

Como é que alguém que conhece futebol encara a frase ‘levemente impedido’? Impedido é impedido, pronto. Ou está impedido ou não está impedido. Levemente impedido é como ligeiramente grávida, ou um pouco morto. Dizer que o desenho animado Yellow Submarine ‘foi lançado’ pelos Beatles é meio muito: se o veículo de comunicação não entende de Beatles, não é capaz de consultar o Google sobre a filmografia do grupo, não entende de animação, do que é que entende?

Houve época em que era difícil encontrar um jornalista que soubesse mais de uma língua. Era a época em que as oficinas de um jornal no exterior eram destruídas a bomba e o jornal saía normalmente. Explica-se: em espanhol, língua na qual chegava boa parte dos telegramas internacionais, ‘oficina’ é ‘escritório’. Aquilo que chamamos de oficina, sem a qual o jornal não sai, em espanhol é ‘taller’. Isso mudou: hoje, boa parte dos jornalistas só se inicia na profissão se souber ao menos inglês. O que não impede os sauditas de mandar ‘mais de mil tropas’ ao Bahrein. Só que, em inglês, ‘troops’ são ‘soldados’. Em português, ‘tropa’ é o conjunto dos soldados. Pode ser outro coletivo, mas isso não vem ao caso.

Muitos, muitos anos atrás, para evitar repetir palavras, havia jornalistas que chamavam bananas de ‘musáceas’, amendoim de ‘aquela papilionácea’ e café de ‘rubiácea’. Hoje é diferente: chama-se o Irã de ‘país persa’ e o Rio Grande do Sul, principalmente na previsão do tempo, de ‘estado gaúcho’. Mas não se chama o Rio Grande do Norte de ‘Estado potiguar’ nem a Alemanha de ‘país germânico’. Odiosa discriminação! E, enquanto Eike Batista é empresário, Benjamin Steinbruch é empresário, Eduardo Rocha Azevedo é empresário, Jacob Safra é banqueiro, o empresário e banqueiro André Esteves, do Banco Pactual, é sempre ‘o bilionário André Esteves’ – como se os outros não o fossem.

O mundo gira, a Lusitana roda e os meios de comunicação com grande frequência ficam no mesmo lugar. Hoje já não há quem invente apelidos para clássicos de futebol. Em compensação, outro dia mesmo se referiram à Champions League como ‘a nobre liga’. Pois é: existe uma nobre liga, só que não tem nada a ver com futebol. É uma das maiores condecorações inglesas, a Ordem da Jarreteira, sendo que Jarreteira é aquela liga que segura as meias. E não dizem que uma economista, famosa por chorar quando apóia alguma medida econômica, ‘veio ao mundo’? Outras pessoas ‘nascem’. E, se ela ‘veio ao mundo’ no momento em que nasceu, onde é que estava antes?

 

Sugestão

A regência continua brava: as pessoas vão ‘o dar’, em vez de ‘dar-lhe’, mas em compensação ‘vão lhe amar’, em vez de ‘amá-lo’. A concordância balança: ‘umas das mais recentes envolve (…)’

‘Mal’ e ‘mau’, aparentemente, são intercambiáveis. Tudo igual. Depende da posição dos dedos no momento de digitar.

Os manuais de Redação são ótimos, mas se ninguém os manusear não funcionam. Corretor ortográfico também é ótimo, mas milagre não faz.

Talvez valha a pena lembrar um finíssimo escritor, com absoluto domínio de sua língua: Sir Winston Churchill. Ele conta como o professor de Latim procurou ensinar-lhe a declinação de ‘mensa’: ele deveria usar o vocativo quando se dirigisse a uma mesa. Churchill disse-lhe que não tinha a menor vontade de conversar com mesas. Acabou sendo afastado da escola de elite em que fora matriculado e tomou uma decisão: iria dedicar-se somente ao inglês, esquecendo o latim e o grego. E funcionou.

 

Renovando

Vale a pena acompanhar o Brasil 247, o jornal eletrônico que Leonardo Attuch e Joaquim Castanheira, jornalistas de sucesso, acabam de lançar. O veículo é para iPad, mas quem ainda não tem iPad pode buscá-lo na internet. Por enquanto é uma edição diária, às oito da noite, num formato visualmente próximo ao do americano Huffington Post. O Brasil 247 ainda tateia, mas mostra bom potencial de crescimento. E, sem dúvida, indica o caminho que muitos meios de comunicação vão seguir em futuro próximo.

 

Loucuras no ar

Um grupo de tuiteiros discutia o caso Maria Bethania – Lei Rouanet. Um dos tuiteiros mudou repentinamente de assunto: disse que o prédio da Editora Abril estava pegando fogo, e ele via o incêndio. Várias pessoas retuitaram. Alguns demoraram a acreditar. Aí o maluco explicou o que tinha feito:

1. estava cansado do assunto Bethania e disse que pegava fogo no prédio da Abril para desviar do tema;

2. era tudo mentira, ‘mas eles vivem fazendo isso também. Inventam uma notícia, dizem que viram e publicam. Eu só queria ter o gosto’.

Em seguida, começou a dar lições de moral: o pessoal não deve retuitar tudo o que recebe. E completou: ‘Espero que não tenha de ficar explicando a brincadeira até amanhã’. Notícia de um incêndio numa grande avenida, num grande prédio cheio de gente – ‘a brincadeira’!

É chato, dá trabalho, mas está aí: a imprensa não pode deixar de acompanhar este novo fenômeno de comunicação, sob pena de ficar desinformada e deixar desinformado o seu cliente – Sua Excelência, o Consumidor de Informações. E veja a nota seguinte, que mostra como é importante estar informado.

 

Crime anunciado

Também no twitter, agora entre participantes de um grupo chamado White Power, de São Paulo, ligado aos Skinheads, ao White Power 88HH (referência ao aniversário de Hitler), Extrema Direita Antigay, Homofobia sempre!!!

Informa um tuiteiro: ‘Terminando aqui o chope, vamos bater em um grupo de gays que desceu a Augusta. Hoje eu mato um gay!’

Uma moça faz comentários depreciativos sobre o Nordeste, ‘uma região em que o próprio povo não quer morar’. Mais: ‘Nordestino é um povo sem cultura sem ideais, em vez de reerguer a porra do Nordeste NÃO, vem para cá mendigar e morar em favelas’.

Um rapaz responde: ‘Fui. Tô indo pro rolê na Paulista e na Augusta… batê em uns gays e nordestinos. White Power Skinhead SP’.

Se a imprensa não acompanha, se a polícia não é pressionada, estes malucos agridem e matam gente. E aí, vamos todos lamentar a barbárie?

 

Boa Morte

Foi uma figura tão fascinante que dois grandes repórteres, José Maria Mayrink e Sérgio Vaz, escreveram duas matérias esplêndidas sobre sua morte, cada uma abordando aspectos diferentes de sua personalidade. Não foi fácil: este colunista conviveu com Antoninho Boa Morte, apelido de Antônio de Carvalho Mendes, redator da coluna de ‘Falecimentos’ de O Estado de S.Paulo, durante mais de dez anos; manteve com ele relações cordiais, extremamente amistosas; e jamais soube algo de sua vida particular. Não sabia sequer que foi ele o autor da sugestão de que os jornais da empresa publicassem poemas de Camões no lugar de matérias censuradas pela ditadura (houve uma exceção, logo no início, quando saíram versos do Y-Juca Pirama, de Gonçalves Dias; e o Jornal da Tarde publicava receitas culinárias – que, como nunca eram do tamanho exato da matéria censurada, nunca davam certo). Antoninho levou para o jornal seu exemplar de Os Lusíadas, e já mandou imprimir versos de vários tamanhos, para adiantar o serviço.

Antoninho Boa Morte era um tipo raro de jornalista: adorava o que fazia (e, quando um colega lhe pedia para incluir algum nome na coluna de ‘Falecimentos’, ele gentilmente o atendia e, mais gentil ainda, comprometia-se: ‘Se precisar da coluna, é só falar’).

Adorava a empresa em que trabalhava, e jamais se imaginou trabalhando em qualquer outro lugar. Adorava os proprietários da empresa – e isso numa época em que a família Mesquita estava permanentemente presente na casa, à frente dos trabalhos, cuidando dos jornais e da rádio com aquele cuidado e carinho meticulosos que muitas vezes geram atritos com os funcionários.

Não, não era temor reverencial. Antoninho Boa Morte não gostava, por exemplo, de Augusto Nunes, poderoso diretor de Redação do Estado; e não hesitava em proclamá-lo sempre que possível, sem medo de consequências (e tanto Augusto quanto seu principal executivo, o gentleman Ricardo Setti, sempre deixaram para lá). E se considerava um membro da família Estadão.

Nos velhos tempos do Estadão, não era preciso ler o editorial nem o noticiário sobre um recém-falecido para saber qual a opinião do jornal sobre ele. Bastava passar os olhos pela coluna do Antoninho: se era gente da Casa, saía matéria em corpo 12, com destaque, texto caprichado (‘descendente de tradicionais estirpes paulistas’). Se era persona non grata, corpo 7 e olhe lá. E o texto sairia o mais convencional possível: ‘Faleceu ontem, nesta capital, o sr. (…)’.

Depois de ler as grandes matérias de Mayrink e Sérgio Vaz, hoje este colunista sabe um pouco mais sobre Antônio de Carvalho Mendes. Ele vivia sozinho, comprava alimentos todos os dias. Aos 76 anos, cozinhava para si, arrumava e limpava seu pequeno apartamento. Nem geladeira usava, por considerá-la desnecessária. Tinha uma ex-esposa, com quem trocava telefonemas, um filho, uma neta que amava de paixão. E um jornal ao qual dedicou, com prazer, a sua vida.

 

Cadê o meu?

Sobre o esclarecimento de Luciana Genro (PSOL-RS) a respeito da utilização de salas de um colégio público para o curso que mantém, publicado na semana passada, um assíduo leitor desta coluna pede mais informações: ‘Desde quando se pode sublocar salas em escolas estaduais? Se pode, me diga o nome da imobiliária , pois estou interessado!’

 

O livro do ouro

Em cem anos, entre os séculos 17 e 18, o Brasil produziu mais da metade do ouro extraído em todo o mundo. Em cem anos, Portugal, que recebeu este ouro, transformou-se num país doente: tamanha riqueza fez com que não fosse interessante abrir negócios, produzir tecidos, produzir coisa alguma. Os ingleses, que não tinham províncias tão ricas, providenciaram as mercadorias de que Portugal precisava. E ficaram com boa parte do ouro brasileiro.

Lucas Figueiredo, o premiado repórter que escreveu Morcegos Negros, Ministério do Silêncio, O Operador e Olho por Olho, traça um retrato do Brasil que buscava ouro e pedras preciosas, e com isso multiplicou sua população de 300 mil para quase 4 milhões de habitantes, defendeu suas fronteiras e criou uma nação. Boa Ventura!, seu livro que a Editora Record está lançando, a R$ 39,90, traz no título uma referência a D. Manoel, o Venturoso, o rei da época do Descobrimento; e aos aventureiros que mergulharam nas florestas e sertões para formar suas fortunas (e que, em grande parte, foram dizimados).

Vale a pena: livros como este mostram como o Brasil se tornou o que é.

 

Bons poemas, sem pedágio

O caro colega acha que Maria Bethania abusou, ao pedir para captar R$ 1,3 milhão para fazer um blog de poesia? Pois abusou, sim: Cláudia Alencar, estrela de TV e teatro, descendente do romancista José de Alencar, tem um belíssimo blog de poemas e não quis torrar dinheiro público para montá-lo. É um bom endereço: veja aqui.

 

Como…

De um grande jornal, comentando a proposta da Rede Record pela transmissão do futebol:

** ‘A proposta da Record, assim, se igualaria ao ágil de 20% sugerido pelos clubes’.

Não dá sentido. Mas, trocando ‘ágil’ por ‘ágio’, aí dá para entender.

 

…é…

De um jornal de circulação nacional, em matéria sobre as notas de US$ 100:

** ‘A principal característica é a figura de Franklin Roosevelt’.

A efígie das notas é de Benjamin Franklin. Nem parecidos eles são.

 

…mesmo?

De um portal especializado em esportes:

** ‘Kleber treina normalmente com bola sem Valdivia’

Vai ver que é por coisas como essa que Valdivia se machuca tanto.

 

Mundo, mundo

Há coisas que só acontecem nos Estados Unidos. Mas os britânicos, quando entram no jogo, ganham qualquer campeonato. Tony Johnson, 73 anos, desfruta há 39 anos da companhia de uma torta queimada de carne, de estimação, e a leva sempre com ele, o que inclui as viagens internacionais. Johnson já levou a torta aos Barbados, Kuwait, Egito, Marrocos, Tailândia, Estados Unidos e Síria. A esposa já se acostumou, mas acha que a coisa toda ‘é meio maluca’.

 

E eu com isso?

Todo mundo adora discutir desgraças – mas a discussão de desgraças tem limite. Todo mundo adora discutir desmandos de governo – mas a discussão de desmandos de governo, infelizmente, tem limites. É preciso buscar notícias fresquinhas, não apenas fresquinhas de recém-acontecidas, mas cheias de frescor.

** ‘Carolina Dieckmann mostra coleção de biquínis a Mariana Weickert’

** ‘Sem camisa, Zac Efron deixa nova tatuagem à mostra’

** ‘Geisy publica foto do bumbum e diz que não é gorda’ (clique aqui para conferir)

** ‘Britney vai com namorado a jogo do filho e encontra ex-marido’

** ‘De sunga vermelha, ex-BBB Diogo vai à praia da Barra’

** ‘Ex-BBB Diogo joga futevôlei de sunga vermelha’ (a mesma celebridade, a mesma sunga)

** ‘Suri é fotografada segurando balas em formato erótico’

Suri é filha de Katie Holmes e Tom Cruise. Tem quatro aninhos. E as balas são as Fruity Flavored Penis Gummies.

** ‘Mayana Neiva e Rodrigo Lopez trocam selinho no Leblon’

** ‘Cynthia Howlett brinca com a filha na praia’

** ‘Luana Piovani contrata segurança particular para circular no RJ’

 

O grande título

Uma boa safra. Começa com a Líbia: já que o título não cabia, foi enfiado na paulada, como convém a um país em guerra civil.

** ‘Kadafi insurgentes em Benghazi com ‘grandes bombardeios’’

‘Ameaça’ não coube, mas se não tem tu vai tu mesmo.

Há um título daqueles com palavra mal escolhida.

** ‘Canadá diz que situação no Japão não justifica evacuação de cidadãos’

Que é que os cidadão vão fazer: resistir até que a crise passe?

E um título primoroso, o melhor da semana, que ainda por cima remete à primeira nota desta coluna:

** ‘Setores de metalurgia e petróleo do Japão se arrastam após cismo’

O pessoal deveria seguir o exemplo de Jack Warner: como não sabia se thursday (quinta-feira) era com ou sem ‘h’, marcou a reunião para tuesday, terça.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados