Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Tragicomédia

A situação é tragicômica. Bill Gates, Melinda Gates e Bono Vox foram eleitos as personalidades de 2005 pela revista Time. Foram escolhidos por suas ações contra a pobreza e contra a Aids no mundo. Para completar, George Bush e Bill Clinton foram classificados como os ‘companheiros do ano’ por terem liderado uma campanha humanitária para auxiliar as vítimas do tsunami na Ásia e do furacão Katrina nos EUA. Mas o trágico e o cômico não residem no fato em si, pois é coerente que essa revista tenha escolhido esses personagens.

A tragédia envolta num quê hilariante vem da constatação de que muitas, mas muitas pessoas acreditam nisso. Talvez até mesmo a maioria da população mundial realmente acredite que Bill Gates seja um benfeitor da humanidade. É trágico porque só mesmo através dessa percepção adulterada o mundo segue sua rota de injustiças. Ou a ninguém ocorreu questionar como é possível esse paradoxo: os que mandam no mundo de hoje, repleto de fome e miséria, são os mesmos considerados heróis? Ao mesmo tempo é hilário porque, bem, porque tem que ser muito trouxa para levar isso a sério.

Até Hitler

Dos cinco eleitos pela revista, talvez apenas as boas intenções do vocalista do U2 possa entrar em discussão. Nesse caso, entretanto, há uma constatação: ainda que com todos os esforços de Bono Vox contra a pobreza, o mundo está cada vez mais pobre. Tudo bem, ainda poder-se-á dizer que se não fossem por seus shows para arrecadar fundos para combater a Aids na África a situação estaria ainda pior. Mas o fato é que esse tipo de projeto atua como paliativo e não atinge as verdadeiras causas da desgraça, o que não impede que a imagem do artista ganhe contornos nobres. Afinal, a população já está condicionada pelos meios de comunicação de massa a encarar a injustiça com naturalidade, como se fosse parte integrante de nossa existência. Por isso, consideram heróica a luta para amenizar a pobreza, mas não imaginam a possibilidade de sua absoluta erradicação.

Quanto ao veículo, temos que a revista Time, além de ser reconhecidamente uma publicação conservadora, é citada no livro A era da manipulação como exemplo do uso de mensagens subliminares. No caso, uma de suas capas de 1979 (se não me falha a memória), trazia não uma foto, mas uma pintura com Muammar al-Gadaffi, onde as palavras ‘sexo’ e ‘matar’ foram inseridas pelo artista e estavam ocultas. O objetivo, segundo o autor, era jogar a população contra o então presidente da Líbia (‘matar’) e fazer com que as pessoas comprassem a revista (‘sexo’). A obra, publicada no Brasil pela editora Scritta, não é de nenhum comunista lunático, mas do professor de Comunicação e diretor da Mediaprobe, Wilson Bryan Key.

Outros nomes eleitos pela Time como personalidades do ano foram Adolf Hitler, aiatolá Komeini e George W. Bush.

******

Coordenador do site Fazendo Media