Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Veja ensina como editorializar uma reportagem

A revista Veja consegue se superar a cada edição. A capa desta semana foi para a eleição do venezuelano Hugo Chávez, reeleito para mais um mandato de 6 anos. O lide da ‘matéria’ segue abaixo e poderia ser utilizado nas escolas de comunicação como exemplo do que jornalistas não devem fazer. Senão vejamos:




‘Com o cubano Fidel Castro no leito de morte, o coronel Hugo Chávez, ditador eleito da Venezuela, está se apresentando como o novo farol da esquerda revolucionária na América Latina. `Ninguém vai me impedir agora de construir o socialismo´, disse Chávez, na semana passada, depois de reeleito para mais seis anos no poder. Ninguém impediu Fidel. Deu no que deu. Cuba tornou-se hoje uma nação pária no mundo, com uma população faminta, despreparada para os rigores da economia globalizada e, mesmo que alfabetizada no jargão marxista, iletrada nas questões que determinam a riqueza das nações. Aparentemente, ninguém vai impedir Chávez de continuar sua tarefa de construção do socialismo na Venezuela. Tanto em Cuba quanto na Venezuela – e de resto em todos os outros lugares onde a experiência foi testada – a construção do socialismo coincide sempre com a destruição dos países nos quais o sistema é implantado. Cubanos e venezuelanos são hoje povos com horizonte menor do que tinham antes de ser submetidos a ditaduras socialistas.’


Em primeiro lugar, Veja qualifica o presidente venezuelano de ‘ditador eleito’, o que não chega a ser uma contradição em si, pois de fato há ditadores que forjam eleições (além dos eleitos indiretamente, como os generais-presidentes brasileiros). O problema é que Chávez venceu uma eleição acompanhada de perto por mais de 400 observadores internacionais, que atestaram a legitimidade do pleito. Chávez, portanto, não pode ser qualificado de ‘ditador eleito’.


Estudo de caso


Não bastasse isto, o lide da ‘reportagem’ continua em um tom editorializado, fazendo a condenação do regime socialista de forma tão peremptória que o leitor ou descarta o texto de imediato, se tiver um mínimo de senso crítico, pois o contrabando ideológico é evidente; ou segue em frente, se tiver simpatia pelas idéias expressas pela revista.


A verdade é que Veja optou por se fechar cada vez mais em torno desta fórmula: um anticomunismo tosco e obsoleto que permeia praticamente todas as reportagens sobre assuntos políticos e até as que nada têm a ver com política. Há um público que gosta, acha válido o ‘combate’ dos cruzados que se encarregam de escrever a revista contra as ‘forças do mal’. No futuro, a revista vai ser estudada nas faculdades como um exemplo de panfleto ideológico de extrema-direita que conseguiu ser bem-sucedido e vender mais de 1 milhão de exemplares. Porque Veja hoje é exatamente isto: um panfleto e como tal deve ser tratado.

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Blog do autor: Entrelinhas