Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Xerox de chapa-branca

Faz alguns anos, um jornalista famoso foi flagrado copiando na íntegra o texto de uma revista americana. Foi só uma vez, mas isso lhe deu o apelido que carregou por muito tempo: Xerox. Na opinião geral, copiar texto dos outros era pior que pirataria, era pior que violação de direito autoral: era uma vergonha.

Hoje, caro colega, abra jornais, navegue na internet, ouça o rádio, veja TV em qualquer lugar do Brasil. O texto é o mesmo, rigorosamente igual; eventuais erros são mantidos intactos, exatamente como foram cometidos. E, por incrível que pareça, o pior não é isso: o pior é que os textos são produzidos por fontes governamentais, Agência Brasil, Agência Câmara e Agência Senado. São agências competentes, bem intencionadas, bem dirigidas, têm equipes amplas, com jornalistas de boa categoria. Mas são oficiais; por menos que o desejem, sua reportagem tem o viés chapa-branca. E, monopolizando na prática a informação, comprometem a variedade de ângulos de visão à disposição do público.

As agências oficiais que hoje respondem pela maior parte do noticiário de Brasília são fortemente influenciadas pelo poder. Agora, por exemplo, o presidente da Agência Câmara foi substituído, apenas porque o presidente da Casa, Aldo Rebelo, quis fazê-lo. E, mesmo que não o fizesse, qual reportagem da agência a ele subordinada faria uma matéria sobre o líder comunista que se diz temente a Deus? Alguém estará com tanta vontade assim de perder o emprego?

Jornais e agências privadas têm donos, também. Mas há vários jornais e vários donos. Isto é o que mudou: há várias agências oficiais, mas o dono é um só.



Data vênia

Está em todos os noticiários: cassado, José Dirceu pensa em advogar. Não está em noticiário nenhum: quando é que José Dirceu se formou em Direito? Dirceu, na época em que foi líder estudantil, cursava outra faculdade que não a de Direito. Foi preso e exilado; viveu algum tempo em Cuba, voltou ao Brasil, viveu com nome suposto no interior do Paraná, e depois da anistia se dedicou por inteiro à política. Qual o tempo que dedicou à faculdade? Terá cursado Direito nos tempos em que viveu clandestinamente no Paraná? Nesse caso, estará o diploma em seu nome? Ou terá estudado Direito em Cuba? E exame da Ordem dos Advogados do Brasil, essencial para que um bacharel se transforme em advogado, já o fez?



Rio sem lei

A imprensa noticiou bem este horror que foi o incêndio de um ônibus com gente dentro; falhou, na opinião deste colunista, ao aceitar passivamente a informação de que as pessoas que apareceram mortas no dia seguinte eram os bandidos responsáveis pelo incêndio. Uma informação desse tipo, dada pelos próprios assassinos, merece no mínimo algum questionamento. Mas a falha principal dos meios de comunicação foi no balanço da conjuntura: quais são os pontos do Rio em que a polícia não entra – pontos em que o governo, portanto, não tem jurisdição. Dá trabalho, exige fontes, exige tempo de rua de muitos repórteres; é uma reportagem cara. Mas é melhor do que repetir, tentando ser politicamente correto, que tragédias como essa são motivadas pelo descaso com os pobres. Descaso existe, sim. Mas gente que põe fogo num ônibus lotado não merece desculpa. Não devem ser classificados como pobres, mas como assassinos e bandidos.



Delícias da imprensa

1. De um grande portal de internet: ‘Sepúlveda defende que processo de Dirceu volte ao Conselho’. Um dia alguém descobrirá nas Redações que juiz não ataca, não defende, não pede, não solicita: juiz manda, determina. Juiz sentencia.

2. Também de um grande portal: ‘Suposto ladrão mata estudante no Rio’. Esta coluna tratou da banalização da palavra ‘suposto’ na semana passada. No caso, o título deu maior importância ao crime menor. O ‘suposto ladrão’ era, na verdade, um assassino.

3. Título de um jornal: ‘Harry Potter faturou quase meio milhão de dólares’. De acordo com o texto do mesmo jornal, o faturamento foi de US$ 408 milhões. Quase meio bilhão de dólares, portanto. O velho problema continua de pé: para boa parte dos meios de comunicação, milhão e bilhão é tudo a mesma coisa.


Como é mesmo?

A imprensa informou que o veteraníssimo Armazém 4, em Santos, será reformado e servirá para despacho rápido de mercadorias. A notícia parece ótima. O armazém é um daqueles velhos galpões desativados do porto, relegados ao abandono; seria excelente, para o porto e para a cidade, se fosse mesmo reformado. Mas como fazer despachos rápidos, se entre o armazém e a cidade há cinco linhas de estradas de ferro e os trens passam o dia inteiro? O governo adora divulgar planos, confiante em que o jornalista que vai publicá-los não conheça Santos ou não saiba onde fica o Armazém 4.



Só ele?

A polícia informa que o vendedor do DVD pirata do filme Dois filhos de Francisco, a que o presidente Lula assistiu em seu avião, foi preso. Tudo muito bom, tudo muito bem, mas a imprensa não concluiu a notícia: quais foram os assessores do presidente Lula que compraram o DVD pirata? Serão processados?

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados