Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Xingar é fácil, apurar é bem mais difícil

Tudo bem, suíço é chato mesmo. Se você entra num cinema, tem de ocupar a cadeira ao lado do último que se sentou, mesmo que a sala esteja vazia. Os italianos, no meio de toda aquela confusão que os caracteriza, geraram Michelangelo, Mascagni, da Vinci, Dante, Bernini, Verdi, Rossini, Rafael. Os suíços, no meio de toda aquela ordem, conseguiram criar o relógio-cuco e alguns queijos.

Pronto: já falamos mal dos suíços. Agora entremos no caso de Paula Oliveira. Nossos meios de comunicação repetiram todos os erros do caso Escola Base; e as consequências só não foram mais graves porque o caso ocorreu fora do Brasil. As informações foram aceitas sem contestação. A imprensa não fez o mínimo indispensável (por exemplo, falar com a mãe da moça, que estaria com ela ao telefone no momento do ataque, para saber o que teria ouvido; ou entrevistar um médico sobre a possibilidade de uma pessoa consciente ser cortada sem que houvesse sequer um tremor nos riscos. Seria possível que a moça não tivesse nem contraído os músculos de dor ao ser riscada por estilete?). E, já que não havia fatos a narrar, saiu batendo nos suíços, como se lá houvesse uma caça aos estrangeiros. E, dos países europeus, a Suíça é dos menos xenófobos.

O SVP, por exemplo, é um partido detestável. É ultranacionalista, é contra a imigração, essas coisas. Mas não é neonazista. O SVP integra um governo democrático, que trata os imigrantes melhor que os espanhóis, onde os guardinhas de aeroporto maltratam os brasileiros (e provavelmente outros visitantes) e não provocam, da parte de nossas autoridades, reação tão violenta.

Um detalhe interessante é a justificativa de muitos jornalistas para chutar da medalhinha para cima: basearam-se em portais que mereceriam confiança. Se é para repetir o que publicaram ‘portais confiáveis’, por que jornais, por que tevês, por que rádios, por que outros portais? Por que não ficar só naqueles confiáveis?

O pai agiu certo: achou que a filha tinha sido atacada e chamou a imprensa. Caberia à imprensa, diante dos fortes indícios de que tinha acontecido alguma coisa (e os indícios iniciais eram fortes), noticiar o fato, mas deixando para o leitor uma porta aberta, que demonstrasse que não se tratava de uma história sem falhas. Caberia levantar dúvidas, pensar sobre a história, procurar congruências e incongruências. E, principalmente, não caberia de forma alguma atacar outro país, considerando-o responsável por um evento que, mesmo que tivesse ocorrido, poderia ter sido fortuito.

A propósito, os jornais suíços incorreram no mesmo erro: passaram a atacar o Brasil, a dizer que aqui as notícias são inventadas, que 72% dos brasileiros não gostam de imigrantes – de onde tiraram esses números, ninguém sabe (e este colunista, neto de imigrantes do exterior, filho de imigrantes do interior, não encontrou ainda todo esse povo xenófobo que a imprensa suíça está vendo).

Besteira: transformou-se um incidente numa espécie de jogo de futebol, em que o importante é ganhar no grito, não importa quem tenha razão.

 

A Folha e os patrulheiros

A Folha de S.Paulo publicou editorial referindo-se ao Governo militar como ‘ditabranda’. Na opinião do jornal, a ditadura brasileira, com todos os seus excessos e violência, não atingiu os níveis de barbárie de outras ditaduras latino-americanas. Não é a opinião deste colunista, que divide a ditadura brasileira em dois períodos distintos: o primeiro, em que houve determinados níveis de violência, e o segundo, em que a violência se aprofundou terrivelmente. E, por chamar a primeira fase de ‘ditamole’, um leitor protestou duramente e manteve com este colunista uma excelente troca de cartas, muito bem embasada de sua parte.

A opinião da Folha não é a deste colunista, mas o jornal tem todo o direito de tê-la; da mesma forma, os leitores têm todo o direito de discordar do jornal, no todo ou em parte, de manifestar-se com veemência e indignação, de levar suas divergências até o ponto de eventualmente deixar de lê-lo. Não é aceitável, porém, que patrulheiros ocultem sua militância política e escrevam como se fossem leitores comuns, sem interesse ideológico especial – ou, pior ainda, escondam-se sob pomposos títulos universitários e ocultem sua intensa atividade partidária.

É dentro dessa perspectiva que deve ser avaliada a dura resposta da Folha aos professores Maria Victoria Benevides e Fábio Konder Comparato (‘A Folha respeita a opinião de leitores que discordam da qualificação aplicada em editorial ao regime militar brasileiro (…) Quanto aos professores Comparato e Benevides, figuras públicas que até hoje não expressaram repúdio a ditaduras de esquerda, como aquela ainda vigente em Cuba, sua ‘indignação’ é obviamente cínica e mentirosa.’): nenhum dos dois se identifica como militante de esquerda, nenhum dos dois se identifica como militante do PT, nenhum dos dois se identifica como simpatizante do MST. É como se fossem leitores comuns, não-militantes, mas que não esquecem dos títulos universitários para dar mais peso a suas opiniões.

 

Erramos

Sérgio Davila, leitor desta coluna e correspondente da Folha de S.Paulo nos EUA, pegou um erro básico publicado aqui: o caso do ladrão de cavalos, antepassado comum de uma genealogista e de um senador, é uma lenda de internet. A história era ótima – tão boa que deveria ter acionado as antenas deste colunista. O erro é ainda pior porque várias versões do caso estão citadas entre as lendas da Internet, no site http://www.snopes.com/politics/humor/horsethief.asp

 

Faltou dizer

Dos demitidos da Embraer, a maior parte é de São José dos Campos, SP, berço da empresa. Três mil pessoas são 0,5% da população da cidade. E as coisas não param por aí: há dezenas de empresas na região cujo principal ou único cliente é a Embraer, e que terão de cortar fundo. Apenas como comparação, três mil demitidos em São José equivalem, como porcentagem da população, a 12 mil desempregados em Belo Horizonte. Os meios de comunicação preferiram uma cobertura macroeconômica, mas faltou mostrar o que acontece a uma cidade em que 0,5% da população perde o emprego de uma hora para outra (e mais um monte de gente sabe que também está à beira do corte).

É numa hora como esta que se lamenta a falta que fazem na redação repórteres como Ricardo Kotscho, Ewaldo Dantas Ferreira, Fernando Portela. Estes nem precisariam de pauta, ou de ordem do chefe de reportagem: já chegariam à redação com a mochila de roupas, procurando a requisição de transporte e de verba.

 

Bye, Bill

Ele ocupou um cargo que nos jornais de hoje não existe mais. Nos velhos tempos, como as sucursais eram pequenas e as comunicações deficientes, os jornais do Rio e de São Paulo tinham uma espécie de convênio de aproveitamento mútuo de informações. O Jornal do Brasil colhia as informações paulistas na Folha de S.Paulo. E quem fazia o meio de campo era Guilherme Duncan de Miranda.

Parece fácil, mas não era. Os repórteres, ciumentos de suas matérias, muitas vezes as escondiam do representante do outro jornal. Bill, muito hábil, extremamente simpático, foi conquistando todo mundo e conseguindo as matérias numa boa (detalhe curioso: em suas folgas e férias, quem aparecia na Folha para pegar matéria era o hoje ministro Miguel Jorge).

Esses convênios, creio, nunca terminaram; mas se esgarçaram com o tempo. O JB acabou levando para sua sucursal boa parte da Folha. Era um timaço (no qual este colunista se incluía): Ebrahim Ali Ramadan, Bernardo Lerer, Laerte Fernandes, Rolf Kuntz, Guilherme Miranda, Miguel Jorge, grandes fotógrafos como Manoel Motta e Oswaldo Maricato. No Rio, a redação era comandada por Alberto Dines, tendo como lugares-tenentes Carlos Lemos e Luís Orlando Carneiro; na chefia da reportagem, Fernando Gabeira – ele mesmo.

Não era lugar para amadores, e Bill Duncan sempre esteve entre os melhores. Foi para o Jornal da Tarde, que surgia, junto com quase toda a redação paulistana do JB; mais tarde, bem mais tarde, foi um dos comandantes da Sucursal do JT no Rio. O Rio ficava mais perto de sua cidade natal, Campos – dele e de sua esposa, Cláudia, também uma grande figura (ambos devem estar no livro Guiness, quesito Casal no Jornalismo, com seus 40 anos de casamento).

Bill, atraído por uma grande empresa, a Esso, coordenou durante anos, primeiro como funcionário, depois como sócio de um escritório especializado (onde era sócio de outro craque, Ruy Portilho), o Prêmio Esso. Foi um dos que convenceram os novos donos brasileiros da Esso a manter o prêmio, o mais importante do jornalismo brasileiro.

Guilherme morreu na semana passada, depois de seis anos de luta contra o câncer. Foi um jornalista importante, competente, sério, inatacável. Mas não é possível lembrá-lo só por este lado. Bill Duncan sempre foi um grande companheiro, pronto para ficar ao lado dos amigos – e quantos amigos! Para usar uma expressão insubstituível, em yiddish, Bill era mensch – gente boa.

 

…e o eco responde

De acordo com a notícia, várias línguas estão em risco de extinção no Brasil. Em dois casos, o kaixana e o apiaká, cada língua é falada por apenas uma pessoa. No caso do kaixana, só Raimundo Avelino, de 78 anos, fala a língua.

Só uma dúvida, que a reportagem bem que poderia esclarecer: se só Raimundo Avelino fala a língua, com quem é que ele fala?

 

Como…

De um grande portal jornalístico:

Cavalo da PM dispara após jogo

Animal atuava no clássico entre Cruzeiro e Atlético-MG.

 

…é…

De um grande jornal:

Bombeiros isentam muro de culpa no clássico

O muro, espera-se, será imediatamente posto em liberdade.

 

…mesmo?

Este saiu de um press-release:

Dia da Mulher regado a morango e champanhe no Spa (…)

Se não falha a memória deste colunista, a proposta do Spa citado não era, antigamente, conhecida como ‘bacanal’?

 

E eu com isso?

Demissões, quebras, empréstimos trilionários (quando é que o caro leitor pensou que leria, sem mexer uma sobrancelha, a notícia de que o plano Obama envolve dois trilhões de dólares?), mistérios – como é que o mercado de carros se mantém razoavelmente aquecido nesse clima terrível?

Mas a vida continua. Luana Piovani, por exemplo, foi à praia no Rio. Sozinha! Roberta Close toma caldo no mar de Ipanema, no Rio, e exibe celulites. Amy Winehouse mudará de casa. E há muito mais notícias de onde estas saíram:

1. Tony Ramos compra revistas no Leblon

2. Thiago Lacerda discoteca no Bailinho

3. Kevin Federline é visto bem acima do peso

4. Sérgio Marone é fotografado saindo de lavanderia no Rio

5. Ronaldinho perde seu cachorro em Milão

6. Fátima Bernardes faz caminhada com amiga, no Rio

E, naturalmente, há notícias sobre a crise mundial:

Com recessão global, ataques de tubarões diminuem no mundo

 

O grande título

Há excelentes exemplares nesta semana. Comecemos com dermatologia, cosmetologia, beleza, biologia, tudo junto:

Roedor pelado dá pistas para fugir das rugas

Continuemos tratando de medicina, problemas de saúde, aviação:

Vôos cada vez mais longos aumentam crises de saúde em aviões

Coitados dos aviõezinhos! Os passageiros, vá lá, não podem manter a saúde viajando apertadíssimos, sem espaço nem para ler, naquelas poltronas que o ministro Nelson Jobim disse que iria mandar trocar e esperando a hora em que vão lhe botar um passageiro no colo. Mas os aviões, puxa, com tanto espaço lá fora!

E, mudando um pouco os hábitos desta coluna, o melhor título da semana não é exatamente um título: é um texto. Mas vale:

No segundo, aos 44, ele comeu um zagueiro e deu com capricho para Wilson fazer o segundo gol do rubro-negro pernambucano

Deve ter sido um espetáculo assaz singular.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados