Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A ‘caixa de pandora’ da relação leitor/jornalista


Depois de quase um ano e meio editando este blog estou chegando à conclusão de que está na hora de começarmos a enfrentar alguns dilemas surgidos na relação entre jornalistas profissionais e leitores. Não se trata de um tema fácil e suspeito que vou provocar mais polêmica do que espero, mas começo a perceber os riscos da postergação da abertura desta verdadeira caixa de pandora.


Esta semana comecei a ler o rascunho do livro Media Work que o professor da Universidade de Indiana (EUA), Mark Deuze , está escrevendo sobre o novo ambiente de trabalho nas redações jornalísticas na era da participação dos leitores. Já nas primeiras linhas dá para sacar que Deuze acertou na mosca ao discutir as mudanças provocadas pela internet no exercício do jornalismo.


O professor distribuiu antecipadamente capítulos de seu livro para uma série de pessoas procurando comentários, críticas, correções e sugestões. É uma prática iniciada em 2004 pelo colunista de tecnologia Dan Gillmor que contou com a colaboração de quase cinco mil ‘críticos’ na redação do livro We The Media. Hoje, a participação antecipada do público na produção um livro já se tornou um processo comum nos Estados Unidos.


Na imprensa, os comentários de leitores deixaram de ser um penduricalho modernoso e começam a tirar o sono de alguns profissionais, diante dos dilemas e desafios surgidos por conta do novo tipo de relacionamento com os consumidores de notícias.


Para quem observa rotineiramente o teor e os autores de comentários postados em weblogs e páginas noticiosas na Web brasileira fica claro que a esmagadora maioria deles contém críticas à imprensa, em graus variáveis desde a argumentação séria até o xingamento grosseiro.


Não há nada de surpreendente neste comportamento, pois a participação dos leitores está ainda na primeira infância e a maioria deles está fortemente marcada por frustrações acumuladas ao longo de anos. É normal uma reação inicial do tipo catarse que geralmente é seguida pela busca da racionalidade, caso a parte atacada consiga manter a serenidade.


Acontece que nem todos os jornalistas estão conseguindo assimilar este inédito protagonismo do público, porque nunca antes haviam se defrontado com um fenômeno desta natureza. No regime militar de 1964 a 1985, a imprensa contou com a tolerância dos leitores, mesmo sendo dócil aos militares. As pessoas sentiam-se de alguma forma solidárias com os jornalistas, por conta da censura imposta pelo autoritarismo.


Na redemocratização, o público se embriagou com a liberdade de opinião num processo que chegou ao climax no impeachment do presidente Collor, mas depois perdeu intensidade. As simpatias da época da ditadura começaram a ser substituidas pela desconfiança de que a imprensa, na verdade, possuía seus próprios interesses corporativos, que nada tinham a ver com os dos leitores.


Na virada do milênio, a internet deu ao público as ferramentas necessarias para ‘botar a boca no trombone‘ e o quadro mudou completamente. A crise do mensalão foi o pretexto para que setores do público expressassem com veemência ainda maior a desilusão com os políticos e a imprensa. Em pouco tempo, as redações e os comentaristas começarm a sentir-se patrulhados e não raro hostilizados.


O impacto está sendo grande, pode danificar currículos e deixar cicatrizes profundas, caso o problema não seja analisado de forma aberta e transparente, tanto pelos leitores como pelos jornalistas profissionais. E duas questões já estão colocadas para a reflexão e discussão:


1) A função dos jornalistas está mudando e a sua grande responsabilidade hoje já não é mais apenas contar histórias e investigar denúncias mas, também, pensar como deve ser a nova ecologia informativa da sociedade atual e oferecer aos leitores os instrumentos necessários para que eles participem da produção de notícias. A era do jornalismo vertical acabou e a agora os profissionais terão que aprender a conviver com uma nova realidade.


2) O público vai passar por um complexo aprendizado para poder assumir suas responsabilidades no novo contexto informativo criado pela internet. Os leitores dispõem hoje de ferramentas incríveis de participação informativa mas isto não pode ocultar o fato de que este protagonismo tem um custo: a aceitação de responsabilidades.


O quadro é muito mais complexo, mas estes dois enfoques podem ser um ponto de partida para discutir uma possível nova parceria entre jornalistas e leitores.


Conversa com os leitores
Este post está mais longo do que o desejável, mas é que o tema é complexo. Há muitas outras idéias para debate, mas temos que começar despretenciosamente. É a minha colaboração e talvez depois de ler o trabalho do professor Deuze eu possa dar opiniões mais consistentes. A partir do próximo post volto a tratar de mudanças na imprensa, especialmente a decisão de grupos tradicionais na imprensa mundial de vender seus ativos para fugir da pressão de acionistas e investidores.