Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A dura fala de Lula e a letargia dos jornais

Dos principais jornais brasileiros, só o Globo, pelos colunistas Teresa Cruvinel e Merval Pereira, teve a necessária agilidade para levar ao leitor, já hoje, comentários sobre as gravíssimas declarações do presidente Lula ontem, em Montevidéu.

Como está em todas as manchetes, ele chamou a oposição de golpista. Comparou-a explicitamente à Fedecámaras, a entidade do patronato venezuelano que há dois anos tentou um golpe de opereta contra o presidente Hugo Chávez.

Quer dizer, chutou o pau da barraca.

Os jornais, evidentemente, foram correndo ouvir a oposição – e dela ouviram o previsível: o presidente parece que perdeu o equilíbrio, se ela fosse golpista teria iniciado campanha pelo impeachment de Lula, e por aí.

Mas não é por aí que a imprensa, embora tenha de publicar o que os advogados chamam de contraditório e os jornalistas, o outro lado, há de oferecer ao leitor a melhor matéria-prima disponível na praça para que forme o seu próprio juízo sobre as pesadas palavras do presidente – cujas consequências, como diria o Conselheiro Acácio, virão depois.

Foi o que fizeram os já citados Teresa e Merval. Pode-se discordar de suas interpretações. Mas, hoje como hoje, até por falta de alternativas, não pode passar sem elas quem dá valor à política – apesar dos políticos.

No artigo “É a campanha”, a colunista – cujas boas relações pessoais com Lula fizeram com que se realizasse na casa dela, durante um jantar, a primeira entrevista informal do presidente a jornalistas políticos de Brasília, ainda em 2003 – não deixou barato.

Qualificou a fala de Montevidéu a um “radicalismo verbal defensivo, inútil e talvez danoso”.

E adiante:“Lula só perde ao entrar no jogo da radicalização verbal […]. Chamar a oposição de golpista foi uma volta ao discurso que utilizou na vertigem do estouro da crise, quando falava em conspiração das elites apesar das evidências de que o PT montara o caudaloso valerioduto que garantia a governabilidade com favorecimento financeiro aos aliados.”

Sua conclusão: “Mas agora não está apenas ressuscitando o discurso original do auto-engano. Parece estar aceitando o desafio da oposição, agindo como candidato e antecipando a pancadaria que assistiremos durante quase um ano. Perde, e não apenas ao passar a idéia de que tenta reduzir o escândalo a manobras da oposição. Tendo responsabilidade de governar, amplia as dificuldades políticas que o governo já enfrenta.”

“Estado de espírito compreensível”

De seu lado, Merval Pereira – um colunista cerebral, que recorre costumeiramente a escritos de ciência política para embasar as suas análises que evitam as armadilhas do partidarismo – atribui o que chamou de “avaliações completamente despropositadas” de Lula à dificuldade “cada vez mais acentuada de se reeleger, revelada por pesquisas eleitorais”.

No artigo “Ser ou não ser”, Merval procura casar o que Lula disse no Uruguai com o que disse na entrevista exclusiva de 12 páginas à edição desde ontem nas bancas da revista Carta Capital – que apoiou declaradamente a sua candidatura em 2002 e deve ser um dos dois únicos periódicos que os lulistas e petistas excluem do que dizem ser uma conspiração da mídia contra o governo. [O outro é Caros Amigos].

Das palavras do presidente, Merval conclui que “a tática de tentar marcar os adversários com a pecha de que todos são iguais nas falcatruas eleitorais do caixa 2 faz parte da estratégia [eleitoral] candidamente revelada por Lula na entrevista”.

Na contramão da opinião dominante, segundo a qual o presidente faz jogo de cena quando diz que ainda não decidiu se será candidato de novo, Merval admite que ele esteja hesitando – daí o “ser ou não ser” do seu título.

“Quando diz que só entra na disputa para vencer, revela um estado de espírito até compreensível para quem perdeu três eleições seguidas e não gostaria de deixar o Palácio do Planalto, depois de uma vitória consagradora, novamente derrotado”, deduz o colunista.

“O presidente se debate entre preservar seu prestígio político em 2006, quem sabe até mesmo para uma eventual volta ao poder, e ajudar a recuperar o partido que criou do zero com a força de sua liderança sindical.”


Seja como for, a propósito da acusação presidencial, lembrar não ofende: ‘A gente precisa pensar mais naquilo que fala’. Isso foi dito na quarta-feira numa entrevista a emissoras de rádio – pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

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