Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

A ecologia veste terno e gravata, mas há tempo para salvar o Planeta?

Até a pouco tempo, temas como desmatamento da Floresta Amazônia, aquecimento global, destruição da camada de ozônio, efeito estufa e coisas do gênero eram conversa de bicho grilo ou papo de cientista maluco. Na década de 70-80, boa parte da mídia, das empresas e dos governos não levavam a sério os ‘movimentos verdes’, tachados de alternativos e aloprados, para usar a palavra da moda.


Hoje o mundo percebe que os malucos belezas, entre um e outro baseado, não estavam viajando na maionese. Prova disso, é o que discurso dos chamados alternativos virou coisa de ‘gente grande’’. Hoje, ele anda na boca dos empresários, nas mesas de conversação dos grandes organismos internacionais e até nas bolsas de valores. Para alguns cientistas, como James Lovelock, a consciência da sociedade sobre os desastres ambientais chegou tarde demais.


‘O aquecimento global já passou do ponto sem volta. A situação se tornará insuportável a pertir de 2040’, disse ele em entrevista à Veja desta semana (25/10/2006). Ou seja, a catastrófe já está ao alcance de nossos filhos e netos.


Cana x floresta


Lovelock foi além e lançou previsões polêmicas, criticando por exemplo a produção de etanol. ‘Para produzir a cana-de-açúcar para o biocombustível, é preciso derrubar florestas, que ajudam a regular o clima. Isso é contraprodutivo. É mais inteligente produzir energia nuclear e usá-la para fazer combustíveis para os carros’, disse o cientista inglês.


Não é o que pensa o seu colega brasileiro, o físico José Goldemberg, secretário do Meio Ambiente de São Paulo, para quem o álcool é um sucesso econômico e ambiental e melhorou a qualidade do ar nas grandes cidades como São Paulo. Para o professor Goldemberg há uma possibilidade real de se substituir até 10% da gasolina por etanol nos próximos dez anos. ‘O grande problema hoje é saber para onde a cultura da cana vai se expandir. Se ela crescer muito, corre-se o risco de as plantações invadirem áreas ecologicamente inapropriadas, como já aconteceu no Pantanal. Em São Paulo, esse problema não vem ocorrendo, porque a cana está ocupando áreas de pastagens’’, disse o secretário.


Posição muito semelhante tem o ex-vice-presidente dos EUA, Al Gore. Desde que perdeu por meia dúzia de votos à presidência dos EUA para Bush, Al Gore virou uma espécie de ecologista de terno e gravata. Além de investir um bom punhado de dólares em um fundo de investimentos na área de produção de energia sustentável, Gore bancou o documentário ‘Aquecimento Global: uma Verdade Inconveniente’, premiado no Festival de Cannes.Em visita ao Brasil, virou celebridade na mídia. Ganhou as páginas amarelas de Veja, uma grande entrevista na Época, outra na Globo News, além da Folha de S.Paulo e de O Estado.


Pessimismo?


A julgar pelo que disse à Veja, Al Gore acha Lovelock meio lunático ‘Lovelock, por quem tenho imenso respeito, é muito pessimista e erra em presumir que o ser humano é incapaz de mudar seu comportamento’’, disse.


Gore elogiou o programa brasileiro de etanol. Para ele, o álcool é o substituto mais importante que temos hoje para os combustíveis fósseis. ‘Acredito que seja uma solução concreta para a ameaça de aquecimento da Terra. É claro que há limites para a produção de álcool na enorme escala necessária para substituir totalmente a gasolina, mas já estão sendo desenvolvidas técnicas para resolver esse problema. São tecnologias que, no futuro, poderão produzir álcool pela metade do preço do petróleo. O mais importante é que permitirão produzir o combustível com raízes, bagaços e folhas de plantas, evitando que alimentos sejam usados para esse fim. Se conseguirmos avançar nesse ponto, não haverá mais a competição comida versus combustível’’, declarou.


Já é possível imaginar um mundo que não dependa do petróleo?
‘O Brasil não só inovou no desenvolvimento desse combustível alternativo como se tornou líder mundial dessa indústria. O país pode ensinar o resto do mundo a ter um melhor entendimento na solução de problemas relacionados aos combustíveis fósseis. Prova disso é o sucesso dos carros flex. Esses veículos mostram aos demais países que há alternativas viáveis e que não é necessário mendigar a misericórdia dos países do Oriente Médio e da Venezuela’’, disse o ex-vice-presidente dos EUA.


Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura do Brasil, também acredita que o álcool traz mais benefícios do que riscos ao ambiente. Em entrevista à revista Agroanalysis, que chega aos assinantes na próxima semana, Rodrigues diz que o Brasil tem hoje 62 milhões de hectares agricultáveis e mais de 200 milhões de hectares de pastagens, dos quais 90 milhões são aptos para agricultura.


‘Não há nenhum continente, para não falar país, com este potencial de crescimento espantoso, que não implica em derrubar a Amazônia. São pastagens, já conquistada a qualquer bioma do país. Só no caso do etanol, para o qual usamos 3 milhões de hectares plantados com cana, há espaço para quadruplicar esta área, além da capacidade de dobrar, em 10 anos a produção de etanol por hectare. O biodiesel, por sua vez, tem potencial quase ilimitado, dadas as diversas matérias-primas que o Brasil pode usar, em função das suas disparidades regionais: mamona e pinhão manso no semi-árido, óleo de palma na Amazônia, e soja, girassol, amendoim, algodão, sebo bovino, entre outros, no país inteiro’’.


Mídia verde


De uns tempos para cá, a ecologia vestiu terno e gravata e passou a frequentar as páginas de economia e negócios da grande mídia. Época desta semana, em matéria de Marcela Buscato, traz uma interessante matéria com o economista americano, Richard Sandor, que transformou o aquecimento global em negócio.


Ele foi o responsável pela criação da CCX (Chicago Climate Exchange), que desde 2003 negociou US$ 50 milhões em crédito de carbono. Pouco? Sem dúvida, mas Sandor estima que em 20 anos o mercado de carbono estará movimentando cerca de US$ 1 trilhão.


O Banco Mundial (Bird) pretende investir muito dinheiro no mercado de emissões para salvar a Floresta Amazônica, segundo mostra a Folha de S. Paulo desta terça-feira (24/10), em matéria assinada por Cláudio Ângelo, editor de Ciência. ‘O carbono do desmatamento evitado é a grande oportunidade inexplorada pelo Planeta para reduzir a pobreza e, ao mesmo tempo, conservar a biodiversidade e ajudar a resolver a crise climática’, destaca relatório divulgado pelo Bird.


Pelo visto, os engravatados roubaram definitivamente dos bichos grilos as grandes causas ambientais e prometem mais eficiência. A questão é saber se o interesse dos empresários pelos grandes problemas ecológico é meramente comercial ou se eles realmente estariam preocupados com a sobrevivência do Planeta. Mais do que isto: a grande dúvida é saber se ainda há tempo para salvar a Terra.