Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A fala que faltou contra a violência fascista

É verdade que o presidente Lula não estava em Brasília quando mais de 500 membros do Movimento de Libertação dos Sem-Terra – MLST, perto do qual o MST parece uma confraria de querubins – invadiram e depredaram o Congresso.

É verdade também que, ao ser informado desse ato de selvageria sem precedentes contra as instalações do Poder Legislativo federal, Lula – segundo o Estado de hoje – ficou “muito irritado”, mandou o Planalto redigir uma nota de repúdio condenando o que ela chamaria “grave ato de vandalismo” e telefonou para se solidarizar com o presidente da Câmara, Aldo Rebelo.

Mas, com a logística de que dispõe a Presidência e a atual tecnologia da comunicação, Lula, em viagem pelo Ceará, poderia ter ido o quanto antes a Fortaleza e dali mesmo falar ao país, numa rede nacional de rádio e TV que àquela altura já deveria ter sido convocada.

Não importa que, falando de um estúdio de televisão, ou – por que não? – da Assembléia Legislativa do Ceará, pelo significado simbólico da locação, houvesse um quê de improviso na aparição presidencial, ao contrário dos seus pronunciamentos formais em rede, quando, em cenário solene, lê no teleprompter o que tem a dizer.

Ao contrário, pensando bem. O improviso reforçaria o senso de urgência do titular da República em transmitir aos brasileiros a mensagem de indignação com a fúria depredadora que deixou aturdidos todos quantos a viram de corpo presente ou nos telejornais.

Falando com a mesma espontaneidade de quando se dirige ao povo nos comícios da sua campanha não declarada, Lula daria outra dimensão – a dimensão imprescindível nessa hora – à exigência, manifestada na nota oficial, de que a agressão precisa “ser tratada com o rigor da lei”.

Com a sua proverbial intuição, Lula saberia achar as palavras certas e o tom certo para deixar claro que existe um abismo impossível de transpôr entre liberdade de manifestação e ataque fascista à instituição-síntese da democracia.

Até para calar a boca de tipos como o “senhor de engenho” e “lambe-botas da ditadura” Antonio Carlos Magalhaes, nas palavras do governador paulista Claudio Lembo, que aproveitaram a ocasião para pôr para fora o golpismo que é a sua segunda natureza, conclamando os “comandantes militares” a reagir.

Parece saída de um jornal de 1964, às vésperas da deposição do presidente João Goulart, a vituperação de ACM:

”Reajam enquanto é tempo, antes que o país caia na desgraça de uma ditadura sindical presidida pelo homem mais corrupto que já chegou à presidência da República.”

P.S.

Discordo em gênero, número e grau do argumento do colunista Fernando Rodrigues, na Folha de hoje.

Ele escreveu que “não se sabe ao certo quem é mais vândalo – se os que promovem o quebra-quebra ou os deputados e senadores que absolvem seus colegas criminosos”.

A comparação é descabida. O Congresso abriga, sim, políticos corporativistas, cínicos ou venais. Ainda assim, repito, é a instituição-síntese da democracia.

Políticos corruptos, acumpliciados ou lenientes com a corrupção, podem ser removidos pela força do voto. O que não se pode é relativizar a bárbarie de ontem em Brasília a pretexto de que a Casa das Leis abriga mensaleiros e sanguessugas.

Tampouco é certo dizer que “a impunidade generalizada no Congresso torna tudo confuso”. Torna, não. E se torna, cabe à imprensa desconfundir as coisas. O contrário beira o equivalente moral do golpismo de ACM.

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