Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

A idéia ‘genial’ que quase todos condenam

Fez bem a mídia em levar a julgamento a idéia que o presidente Lula achou “genial” e que o jurista seu eleitor Dalmo Dallari achou “um absurdo”.

A idéia “saiu”, como diria Lula, vagamente, numa reunião com advogados, entre eles, aliás, Dalmo Dallari, aos quais o PT havia encomendado uma avaliação dos poderes das CPIs e da conduta dos seus membros.

Conversa vai, conversa vem, alguém sugeriu levar o Congresso a votar uma emenda constitucional para a eleição de uma Assembléia Constituinte destinada a fazer a reforma política.

É uma dessas propostas bombásticas, mas sem futuro pela frente. No caso, porque não há hipótese de o Congresso delegar a outro colegiado eleito uma tarefa tipicamente sua – e, mesmo que houvesse, é inconstitucional.

Por isso se escreveu que a idéia é um factóide – parece um fato, mas não é.

Nem assim deveria ter relegada no noticiário. Primeiro, porque se um presidente, qualquer presidente, produz um factóide, isso é notícia – desde que a mídia a trate na devida perspectiva crítica.

Do contrário, aí sim ela estaria deixando se pautar, no mau sentido, pelo governo.

Segundo e mais importante, porque a quase unanimidade das objeções com que a idéia foi recebida – por adversários e correligionários de Lula – mostra a futilidade de se querer legislar por cima do Legislativo com poções mágicas para vencer dificuldades reais.

No caso, a relutância dos políticos em mudar as regras do jogo graças às quais se elegem, operam e se reelegem.

Mas é como se diz: todo problema complicado tem uma solução simples – e errada.

Detalhando: mesmo que Lula estivesse certo quando diz que uma reforma política profunda acabaria com a corrupção – o que significa estabelecer um nexo muitíssimo maior do que parece efetivamente haver entre uma coisa e outra –, ou o Congresso fará a reforma ou ela não sairá.

De mais a mais, não existe “a” reforma. Existem pontos de reforma que têm menos ou mais apoio entre os políticos e os cientistas políticos. Estes últimos por sinal vivem advertindo que a mudança não só não é uma panacéia, mas pode gerar emendas piores do que os sonetos. Por isso recomendam cuidados redobrados ao se mexer com a questão.

Seja como for, convocam-se assembléias constituintes em situações de ruptura institucional. Foi o que aconteceu no Brasil depois que a ditadura militar deu seu último suspiro.

Fora disso, como lembra o presidente do Senado, Renan Calheiros, do PMDB governista, “sempre que se tentou substituir o Parlamento, a sociedade foi jogada na vala comum dos regimes de exceção”.

Não é à toa que um dos grandes combatentes da redemocratização do país, o hoje nonagenário Goffredo da Silva Telles, o deão dos constitucionalistas brasileiros, disse ter sentido “cheiro de golpe” quando ficou sabendo da idéia.

Ele não disse que Lula está querendo dar um golpe. Advertiu implicitamente para os riscos que se corre toda vez que se quer dar um chapéu no Legislativo, mesmo quando o Legislativo está desmoralizado, mesmo quando as intenções reformistas são as melhores possíveis.

Pela leitura dos jornais do dia, não falta quem ache que nem sequer as intenções são boas. Lula é acusado de surfar na onda do desencanto da sociedade com os políticos, seja para se antecipar aos ataques que sofrerá no horário eleitoral no quesito ética, seja para aparecer como o patrocinador de uma reforma moralizadora – em cujos méritos as pessoas acreditam mais do que talvez devessem.

Curiosamente, as críticas mais cáusticas à idéia da Constituinte foram disparadas por dois petistas.

Um deles aparece na coluna de Dora Kramer, no Estado, dizendo: “Deputado não compra deputado, nem se vende para deputado. O caixa eletrônico está no Executivo.” É o deputado federal Paulo Delgado.

O segundo é citado pela Folha, com as seguintes palavras: “Isso é jogar areia nos olhos da sociedade.”

O nome de quem falou? José Dirceu de Oliveira e Silva.

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