Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A mão que lava a outra

Todo dia aparece uma prova de que o brasileiro precisa ler mais de um jornal para se considerar razoavelmente bem informado.


O caso do momento é a atitude do governo em relação aos aumentos prometidos a uma ampla gama de setores do funcionalismo, depois que o presidente do TSE, Marco Aurélio de Mello, considerou que o Executivo perdeu o prazo legal para concedê-los – até seis meses antes da eleição, ou 4 de abril.


Das reportagens de hoje sobre o assunto no trio de ferro da imprensa diária, a do Estado é uma barafunda, a da Folha é arrumada, mas só a do Globo foi direto ao ponto – a começar do título “Um aumento pode levar a outro”.


E o ponto, como convém, está logo na abertura do texto:


”Disposto a aumentar os salários de mais de 1,4 milhão de servidores federais do Executivo às vésperas das eleições, o presidente […] garantiu ontem reajuste também para todos os funcionários do Judiciário. Com isso, ele deve vencer resistências na Justiça à concessão dos aumentos depois de o Tribunal Superior Eleitoral ter decidido que estão proibidas revisões gerais de salários 180 dias antes da eleições.’


Foi no que deu o polêmico parecer do ministro Marco Aurélio. Para ele pouco importa que o governo não esteja promovendo “revisões gerais” – isto é, aumentos lineares para todos os funcionários; que essas revisões estivessem previstas na proposta orçamentária da União para este ano; e que não se concretizaram antes de 4 de abril apenas porque o Congresso não aprovou o Orçamento até aquela data.


Aliás, esse fato tem sido menos destacado pela mídia do que seria jornalisticamente correto.


P.S. 1 Um título duas vezes certo


A minha primeira reação ao título na Folha de hoje “Americanos têm cada vez menos amigos, diz pesquisa” foi achar que o jornal perdeu o bonde da notícia. Faz algumas semanas, de fato, que uma nova pesquisa internacional mostrou que a popularidade dos Estados Unidos no mundo continua em queda livre.


E a retranca da matéria – “Comportamento” – me pareceu absolutamente inadequada para um assunto político.


Mas as primeiras linhas do texto esclareceram tudo:


”Quase uma em cada quatro pessoas nos Estados Unidos não tem um amigo confidente, segundo estudo cujo resultado mostra que o círculo de amigos de um norte-americano médio diminuiu consideravelmente nas últimas duas décadas.”


Pobre poderosa América: um país de poucos amigos e uma população cada vez mais ensimesmada e entregue aos “fortes laços do núcleo familiar”.


Mas uma coisa não tem nada a ver com a outra. Ou tem?


P.S. 2 Maldade gratuita


Em dado momento da matéria do Estado sobre a convenção de hoje do PT, lê-se que o salão onde se realiza, em Brasília, foi decorado com banners gigantes, exibindo em letras garrafais o slogan “Lula de novo. Com a força do povo”.


Até aí tudo bem, apesar da redundância – como se banners gigantes pudessem exibir seja lá o que for em letras miúdas.


Ruim mesmo é a oração intercalada que se segue ao nome do slogan – “que reproduz o estilo populista do líder venezuelano Hugo Chávez”.


Alusões à “força do povo”, em publicidade eleitoral, são tão velhas como o sufrágio universal.


Depois se queixam quando os petistas dizem que a mídia é parceira da oposição.


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