Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

A pauta é o consumidor

A decisão do governo de lançar uma espécie de campanha do otimismo, para estimular o consumo e, portanto, ativar a economia, foi recebida com desconfiança na imprensa.


Um editorial falou em “palavrório”. Outro fez votos “para que se saiba em Brasília que apenas carisma e discursos são incapazes, por si sós, de alterar a realidade econômica”. E um colunista escreveu que Lula “parece comandar um bloco do auto-engano”: ou ele “enxerga o que ninguém vê, ou prepara o país para uma das maiores decepções recentes ao longo do ano de 2009”.


Tudo bem. Livre-pensar é só pensar, já dizia Millôr. Mas faz falta uma discussão jornalística sobre o governo e o comportamento do consumidor em tempos de incerteza.


O governo, até certo ponto, está na dele. Lula sabe e disse, com outras palavras, que a retração do consumo, quando o consumidor teme pelo que o dia de amanhã lhe trará, é a proverbial profecia que se cumpre por si mesma: se eu passo a comprar menos de receio de perder o emprego, porque a economia vai esfriar, aí é que ela esfria mesmo.


Mas a recíproca não é necessariamente verdadeira. A economia pode esfriar ainda assim – porque a sua temperatura, em meio ao tsunami da finança global, depende de outros fatores também, sobre os quais nem o governo, nem os agentes econômicos têm controle. Nesse caso, se o cidadão que tiver seguido o conselho do governo ficar em apuros por ter perdido renda, como é que fica?


Visto desse ângulo, o governo está assumindo o equivalente ao que os economistas chamam “risco moral”.


Depois do 11 de setembro, quando a economia americana se retraiu, o presidente Bush mandou o povo ir às compras – “Go shopping”, exortou -, ao mesmo tempo em que o Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos assustava esse mesmo povo com alertas sobre um novo ataque terrorista iminente.


A diferença é que os alertas agora não são nem paranóicos, nem politicamente motivados, como foram aqueles. O brasileiro liga a TV – não precisa nem ler as páginas econômicas dos diários – e em minutos é informado de que, de alguma forma, estamos todos sentados ao pé do vulcão.


Os resultados são contraditórios – e a imprensa bem que podia trabalhar com os dados que ela mesma publica para mapear os efeitos possíveis da campanha de incentivo ao consumo que vem aí.


De um lado, os jornais dão que o Índice de Confiança do Consumidor, da Fundação Getúlio Vargas, é hoje o mais baixo desde setembro de 2005, quando começou a ser apurado. As pessoas estão preocupadas com a situação financeira familiar e tendem a apertar os cordões da bolsa.


De outubro para novembro, a parcela dos que acham que as finanças familiares vão bem caiu de 20,6% para 17%, enquanto os que acham que vai mal ficaram mais numerosos (de 13,9% para 16,1%). Daí que a parcela dos que dizem que vão gastar mais nos próximos seis meses com a compra de bens duráveis caiu de 17,5% para 14,4%. E o percentual dos que prevêem gastar menos aumentou de 32,9% para 35,6%.


De outro lado, as consultas ao Serviço Central de Proteção ao Crédito – um dos melhores termômetros sobre o comércio varejista – aumentaram em novembro 2,1% em comparação com novembro de 2007. Sinal de que “o impacto inicial da crise em outubro não está se agravando e agora há uma reação”, diz a Associação Comercial de São Paulo.


Os jornais não explicam como isso se concilia com a alta desembestada dos juros ao consumidor – o que levou uma autoridade do Banco Central, ouvida pelo Jornal das 10, da GloboNews, a dizer com todas as letras que, se é para comprar, compre à vista.


‘É preciso”, diz o presidente Lula, “encorajar os empresários para continuarem produzindo; os trabalhadores para continuarem consumindo e o comércio para fazerem mais vendas a juros mais baratos. E que o sistema financeiro reduza o preço dos juros, porque não é justo numa crise aumentar juros”.


O sistema não é justo, mas alguma vez foi?


À parte isso, os limites ao incentivo ao consumo são dados pelas percepções que as pessoas formam, a partir da experiência direta, do conhecimento da realidade próxima – nos Estados Unidos, por exemplo, parece que todo mundo conhece alguém ou ouviu falar de alguém que acabou de perder o emprego – e do panorama oferecido pelos meios de comunicação.


O que inclui, ou deveria incluir, matérias sobre o próprio estado de espírito dos consumidores que não se limitem à publicação de indicadores econômicos de centros de pesquisas e entidades do setor.