Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A pesquisa guia a notícia?

A crítica mais comum feita às pesquisas eleitorais – além da eterna desconfiança sobre a sua credibilidade – é a de que a sua divulgação, principalmente na reta final das eleições – influi nas urnas.

Conforme o que indicarem os números das sondagens, o eleitor poderá trocar o candidato com quem se mais se identifica por outro com chances presumivelmente maiores de derrotar aquele que lhe parece o pior de todos – o voto útil.

Nada de errado com isso. O voto calculado com base nas tendências reveladas pelos levantamentos – supondo-os confiáveis – é tão legítimo, “consciente”, quanto o voto no candidato que se preferia de saída.

Sabendo em que pé está a corrida, o eleitor tem a oportunidade de fazer uma escolha mais elaborada: ou se atém ao seu preferido, mesmo que aparentemente fora do páreo, por uma questão de princípio, e ponto final, ou – dependendo do que considerar a questão essencial em jogo –, votará para barrar o candidato a quem mais rejeita.

O problema é outro tipo de influência potencial das pesquisas. Nesse caso, o influenciado seria o jornalismo.

Um trabalho do Pew Research Center, dos Estados Unidos, citada pela Folha de sexta-feira (24/10), concluiu – e não pela primeira vez – que a posição de um candidato presidencial nas pesquisas afeta o modo como o noticiário o trata.

Analisando a cobertura das campanhas de Barack Obama e John McCain, entre 8 de setembro e 16 de outubro, quando foi ficando mais nítida a vantagem do democrata sobre o republicano nas sondagens, o instituto contou 36% de matérias positivas para o primeiro e 14% para o segundo (e 29% negativas para o primeiro e 57% negativas para o segundo).

O Pew é um centro de estudos sério e competente. Mas ainda assim não é de excluir que possa ter confundido correlação com causação, como dizem os estatísticos. Nem sempre, quando dois fatos se relacionam, um é decorrência do outro.

É bem provável que o candidato que lidera as pesquisas receba mais atenção da mídia do que o outro (no caso de uma disputa mano-a-mano). Atenção, no entanto, pode significar um escrutínio mais rigoroso de seus atos e posições, em vez de mais complacência.

A proporção bem maior de matérias favoráveis a Obama (e desfavoráveis a McCain) talvez não se explique pelo crescimento da popularidade do democrata nas pesquisas. O comportamento da imprensa e o desempenho dele nos levantamentos podem, isso sim, ser consequência de um terceiro fator – a reação de McCain à crise financeira, considerada desastrosa pela quase unanimidade dos comentaristas (mesmo entre os republicanos).

Por sinal, o estudo do Pew registra que a diminuição das reportagens positivas sobre McCain se acentuou depois do desmoronamento de Wall Street.

E é bom não esquecer que a Obamania vem de muito antes de sua ascensão nas sondagens. Aliás, não foram poucos os comenaristas americanos que se perguntaram durante muito tempo por que a onda Obama não se refletia nos números.

Evidentemente, nada disso anula, em qualquer eleição de qualquer país, um cenário do tipo bola de neve: à medida que um candidato se destaca nas pesquisas, tanto mais a mídia se ocupa dele, tanto maior a sua oportunidade de aparecer bem na fita, o que se refletirá nas pesquisas seguintes e no tratamento da imprensa, e assim sucessivamente – pelo menos enquanto não aparecer um fato novo capaz de quebrar o encanto.

Terá sido o que aconteceu em São Paulo com a candidatura Kassab? Deu para ver a olho nu que o seu espaço na imprensa foi aumentando à medida que ele passou a ameaçar a posição de Alckmin nas pesquisas como o mais provável adversário de Marta no segundo turno, o que só se acentuou quando ficou nítido – e não só nos números, mas no clima da campanha – que vinha uma “onda Kassab” na cidade.

No Rio, é bem possível que o avanço de Gabeira, que o levaria ao segundo turno, tenha aberto o caminho para ele receber da imprensa tratamento VIP – embora ele não tenha sido poupado dos efeitos do flagra (do Globo) da conversa em que ele dizia que a vereadora Lucinha tinha uma “visão suburbana”.

O ponto, de todo modo, é que a eventual influência dos levantamentos de opinião sobre a cobertura das campanhas deve ser estudada em cada ciclo eleitoral. E os jornalistas que se cuidem para não ser acusados depois, com base em fatos, de levantar a bola para esse ou aquele candidato por sua dianteira nas pesquisas.