Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A polarização política e o exercício do jornalismo na Venezuela de Chávez


Quem estiver preocupado sobre como a polarização politico-partidária afeta o jornalismo deve pensar seriamente em visitar a Venezuela, em especial a sua capital, Caracas. É um estudo de caso imperdível dadas as circunstâncias especiais criadas pelo fato de que a divisão entre chavistas e antichavistas é tão radical que são raríssimos os temas e situações em que há espaço para posições intermediárias.


Isto acabou criando um ambiente onde a atividade jornalistica enfrenta um problema básico: como atender princípios elementares da profissião, como a fidedignidade, imparcialidade e diversidade? No meio desta guerra verbal permanente entre governo e oposição, os próprios profissionais já não sabem mais se o que fazem é jornalismo ou não. Fica realmente dificil fazer esta distinção quando chavistas e antichavistas esgrimem comunicados de imprensa que vão para as primeiras páginas, sem a menor avaliação de credibilidade.


Isto ficou claro na experiência que tive como mediador convidado pelo Centro Carter, de Atlanta, Estados Unidos, num workshop de jornalistas venezuelanos sobre cobertura de processos eleitorais na era da internet. O fato de ser brasileiro e do Observatório da Imprensa me ajudou a ser visto com uma mínima isenção, mas isto não impediu que em alguns momentos fosse necessario usar da energia para evitar confrontações.


O problema é que o desconfiança mútua, tanto entre jornalistas como entre leitores, chegou a um tal ponto que os efeitos sobre a credibilidade geral da imprensa venezuelana tendem a ser devastadores, num cenário pós-Chávez. Nestas condições ficam muito difícil praticar o jornalismo, porque os porta-vozes do governo atendem preferencialmente a imprensa que apóia o presidente Hugo Chávez. Em represália, os políticos e empresários de oposição só atendem repórteres de órgãos que estão contra o governo.


Resultado: um mesmo fato é coberto de duas formas diferentes pela imprensa local e o leitor é obrigado a uma ginástica mental para entender o que está acontecendo. Nas redações se discute mais política do que procedimentos jornalisticos. Os profissionais são empurrados pelas respectivas direções para a posição de agentes de propaganda e pouco ou nada podem fazer para mudar esta situação.


Nestas circunstâncias, a tiragem dos jornais está despencando. Eu não consegui números exatos porque, aparentemente, ninguém os tem. Mas repórteres tanto de jornais oposicionistas como de governistas admitiram que a situação é preocupante. Este ambiente de radicalização e o cansaço provocado por cinco anos de polarização passional impedem que tanto os profissionais como os executivos da imprensa venezuelana pensem no futuro, em especial sobre os efeitos da transição do modelo analógico para o digitial.


O imediatismo está aumentado cada vez mais o fosso entre a capacidade instalada atual da imprensa venezuelana e a demanda futura de um país que em algum momento terá que trocar a polarização pela busca de soluções negociadas, capazes de dar um mínimo de estabilidade às relações entre governo e oposição.


Está cada dia mais evidente que todos perdem no jornalismo venezuelano com a continuidade da radicalização verbal.