Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

A remixagem de textos ganha status na mídia digital


O recurso à remixagem de textos e imagens ganha cada vez mais adeptos entre os grandes jornais do mundo como forma de aumentar os espaços de participação de leitores. A iniciativa mais recente foi do repórter e correspondente Nicholas Kristof, do The New York Times que pediu para seus leitores reescreverem as reportagens que ele produziu sobre os conflitos militares nas repúblicas africanas do Sudão e do Chad.

Antes de Kristof, o comentarista político do jornal The Washington Post, Dana Milbank  protagonizou um curioso experimento de participação de eleitores num vídeo onde o jornalista fazia perguntas e o ‘entrevistado’ gravava suas respostas e poderia enviá-las para o jornal.

Steve Bryant, um dos editores do jornal The Hollywood Reporter  e colaborador da revista acadêmica Online Journalism Review  é um dos grandes apologistas daquilo que ele chama de ‘teleologia da utilidade‘, noutras palavras o remix, recombinação ou refrito de conteúdos. No início de dezembro, ele publicou um texto com o título: ‘ Se eu não puder reutilizar o seu contéudo (mídia) , ele é inútil’.

As idéias de Bryant causaram uma grande polêmica entre os jornalistas americanos, a maioria dos quais ainda defende intransigentemente a inviolabilidade dos textos. Ele adverte que, ‘todo mundo quer participar da criação de conteudos online, não importa se são os criadores originais ou não. Assim, se você é um produtor de conteúdos, o conselho é muito simples: o desejo de interagir não vai desaparecer, pelo contrário vai crescer..’

Na introdução de sua matéria, que infelizmente está vedada aos não assinantes do Times, Kristof justificou a sua proposta de jornalismo interativo afirmando que ‘ as reportagens podem ser contadas de muitas formas diferentes e entendidas também de incontáveis maneiras ‘. Jeff Jarvis, autor do weblog Buzzword pediu que o The New York Times liberasse a leitura das matérias de Kristof para que os leitores pudessem fazer uma recombinação dos textos do repórter mas até o natal o bloqueio continuava vigente .

A popularização dos mash ups ou remixagem de textos jornalisticos é uma consequência da enorme expansão que esta técnica de recombinação de imagens e sons ganhou ao longo dos últimos anos com o desenvolvimento de tecnologias para edição de vídeos e audio que estão ao alcance do usuário comum da internet.

O mesmo recurso já é largamente usado em marketing como provam recentes campanhas da Nike, Mastercard e General Motors. A própria Warner Brothers, um dos baluartes da defesa da inviolabilidade autoral, disponibilizou trechos do filme A Scanner Darkly (no Brasil, o título foi O Homem Duplo) para que os inrternautas montassem trailers publicitários.

A recombinação de videos pode ser feita facilmente com o recurso de programas como Jumpcut , Eyespot e Motionbox , este último especializado na produção de trailers e spots publicitários.

Diante de tantos antecedentes era inevitável que a refrito (jargão das redações jornalísticas) acabasse ganhando uma nova dimensão na imprensa. Tido até agora como um sinônimo de mau jornalismo, ele se transforma agora na mola mestra de um novo sistema de produção de informações e conhecimentos, através da incorporação de um número cada vez maior de colaboradores.

O velho refrito era feito dissimuladamente por um único autor. Na era cibernética, a mesma prática perde sua conotação pejorativa, passa a ser feita abertamente (caso Kristof) e com a participação de milhares de pessoas (caso da Wikipédia, enciclopédia escrita por pessoas comuns em regime de edição compartilhada).

A expansão da nova modalidade de produção de contéudos amplia a discussão sobre direitos autorais na Web, mas este é outro problema, que trataremos mais adiante.