Monday, 18 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

A tragédia que deixaram acontecer

A enormidade da catástrofe de Congonhas deixa pouca motivação para analisar a letra miúda do tratamento que ela recebeu dos jornalões de hoje.


Mas não se pode deixar de registrar a rata da manchete do Estado: ‘176 mortos na maior tragédia aérea do País’.


Ora, 176 era o número de pessoas a bordo do vôo 3054 que os jornais dispunham na hora do fechamento. [Hoje a TAM corrigiu para 186.] Inexplicavelmente, o redator do Estado ignorou os mortos nas instalações atingidas pelo Airbus e, eventualmente, nas cercanias.


À parte isso, não seria justo cobrar da imprensa que já ontem opinasse sobre a tragédia. Isso se verá nos diários de amanhã. Será um desapontamento se eles não chamarem as coisas – no caso, os responsáveis – pelos nomes.


São a Anac, que faz o que as aéreas querem; a Infraero, que é um poço de politicagem e corrupção; a Aeronáutica, que não conseguiu melhorar em nada a segurança de vôo no país desde o desastre da Gol, em setembro do ano passado; a Defesa, que não apita nada no pedaço; o presidente da República, mais perdido diante do apagão aéreo do que passageiro em dia de vôos cancelados; e, por último, mas de modo algum menos importante, o capitalismo selvagem praticado pelas companhias que mandam e desmandam na aviação civil brasileira.


Sem essa canga de infortúnios, de há muito Congonhas estaria em fase de desativação. E em hipótese alguma, se ainda não estivesse, seria liberada sem as ranhaduras a ‘reformada’ pista principal do aeroporto, com seus míseros 1.940 metros. Bem que em fevereiro um juiz tentou impedir que Boeings e Airbuses usassem Congonhas.


Ontem, pode ter havido falha humana ou mecânica no pouso do 3054. Mas parece óbvio que se a pista estivesse em ordem o desfecho seria outro: ainda que sobreviesse o pior, ficaria confinado ao aeroporto.


Os pilotos estão carecas de conhecer a realidade de Congonhas. Mas, como diz o agente de Segurança de Vôo do sindicato dos aeronautas, Carlos Camacho, ‘ninguém quer abrir mão dos lucros’.


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