Friday, 10 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Afinal, o que é ser jornalista na era digital?


Esta pergunta está no centro de um novo round no, cada vez mais acirrado, bate boca envolvendo a definição de quem pode ser considerado jornalista na Web. Esta semana o senador republicano Richard Lugar antecipou que um projeto em discussão no congresso norte-americano não deve extender as garantias dadas aos jornalistas profissionais à pessoas que coletam e distribuem notícias de forma amadora através de weblogs.


Foi o suficiente para a questão entrar novamente na agenda da mídia, numa discussão que dificilmente será solucionada de forma rápida e consensual. O que está sendo discutido em Washington interessa a todos os jornalistas do mundo, porque o problema em questão não é exclusivo dos Estados Unidos.


O que preocupa os norte-americanos é a extensão aos amadores do direito de não revelar fontes de informações, questão que virou um caso nacional depois da prisão da repórter Judith Miller, do jornal The New York Times. Mas este é apenas um aspeto de uma questão muito maior.


É que as bases do jornalismo foram drasticamente afetadas pela popularização do uso da internet e em especial pela capacidade que ela deu às pessoas comuns de distribuir notícias de forma amadora, não só através de weblogs, como também de outras ferramentas como fóruns, chats, listas de discussão, podcasts e as próprias páginas pessoais na Web.


Não é mais possível tirar das pessoas comuns a capacidade de atuarem como jornalistas amadores. Trata-se de uma nova realidade que está mudando radicalmente e vai mudar ainda mais a ecologia informativa da sociedade contemporânea, em escala planetária. Portanto, não há outra solução senão procurar entender a natureza da mudança e buscar um mínimo de consenso sobre como agir neste contexto.


A primeira preocupação seria distinguir entre profissionais e amadores na função de produtores e distribuidores de notícias e informações. Não é uma tarefa fácil e nem rápida, mas é absolutamente essencial para poder distribuir responsabilidades e direitos. Diante deste problema, perde quase toda a importância o velho debate em torno da necessidade ou não de diploma para ser jornalista, no Brasil.


Além disto, é indispensável redefinir o conceito de notícia, porque ela deixou de ser um monopólio dos profissionais. Aqui há uma área complexa e extensa para discussões, análises e pesquisas. Um novo conceito de notícia servirá mais para que profissionais e amadores saibam as características da matéria prima com a qual estão trabalhando, e menos para estabelecer regras e códigos. Nos meios jornalísticos e entre os comunicólogos online circulam teorias sobre a notícia como uma conversa entre protagonistas do processo de comunicação. Isto altera em muito os conceitos unidirecionais vigentes até agora e abre mais uma área de discussões.


Como hoje qualquer pessoa pode colocar informações na Web, a consequência inevitável é o surgimento de dúvidas sobre credibilidade, sobre isenção, objetividade e contextualização. Como em quase tudo na Web, a questão fundamental passa a ser a referência e a reputação. Aqui entram os profissionais que estudaram a informação e a comunicação, e portanto são capazes de servir de referência e também de conselheiros em matéria de coleta amadora de notícias.


Tudo parece indicar que os profissionais terão que assumir a tarefa de contextualizar as notícias e informações publicadas pelos amadores, em weblogs por exemplo. A contextualização é hoje uma necessidade crucial no processo informativo porque todo mundo sabe que uma mesma notícia pode se lida de várias formas, dependendo do contexto, ou seja de suas causas, consequências, beneficiados e prejudicados. Sem estes elementos continuaremos a mercê da manipulação de informações, que tende a ter consequências ainda mais graves na medida em que a inclusão digital aumentar a população da internet.


As pessoas comuns que estão entrando agora na aldeia global cibernética desconhecem os detalhes do que sejam informação e as consequências letais de seu mau uso. Estão tendo acesso a uma arma sem saber como usá-la. Por isso é indispensavel que alguém se preocupe em servir de orientador, consultor e treinador, funções que caem como uma luva para quem se graduou em comunicação e jornalismo.


Estou alinhando apenas superficialmente alguns itens desta polêmica que ainda vai durar muito tempo. Pretendo voltar a este assunto regularmente porque considero uma responsabilidade pessoal entrar na discussão, com todos os riscos decorrentes. Mas antes de parar, uma idéia final.


É preciso resistir de todas as formas à tentação de resolver tudo de uma só vez através de leis, decretos ou regulamentos. Isto não funciona na Web porque a inovação é mais acelerada do que a capacidade de parlamentos e tribunais produzirem resoluções. Por mais difícil e perturbador que seja, ainda é melhor buscar o consenso social. Mas este tema fica para para a próxima oportunidade.


Aos nossos leitores: Serão desconsiderados os comentários ofensivos, anônimos e os que contiverem endereços eletrônicos falsos.