Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Aflora uma raiva imensa

Quem lê os comentários feitos aos posts sobre a última coluna de Diogo Mainardi na Veja (Alma de dedo-duroMainardi Polariza) – eu li todos, quase 170 até agora, mais alguns que por falta de nome e sobrenome, ou por absoluta impropriedade, não foram publicados, e os li não só por dever de ofício – pode constatar duas coisas.


Primeiro, a extensão e a importância daquilo que alguns chamam de Revolução Copernicana na mídia, na qual o editor é substituído pelo coletivo de leitores como centro do sistema. Carlos Castilho, no blog vizinho Código Aberto, tem chamado insistentemente a atenção para o fenômeno. Uma nova base tecnológica permite uma nova organização social da difusão de informação e opinião. O papel da imprensa virado de cabeça para baixo. Ou colocado de cabeça para cima.


Segundo, que a sociedade brasileira atingiu graus de polarização política como há muito não ocorria. E a mídia tem a responsabilidade de entender isso. Muitos dos comentários não são manifestações de opinião, são sessões de xingamento. Uma raiva imensa aflora. Os palavrões e as ofensas pesadas que foram cortados de algumas mensagens são dispensáveis para retratar esses sentimentos.


Quando se esboça uma visão em perspectiva, constata-se que houve quebra de um clima de esperança suscitado pela eleição de Lula. Em muitos casos, esperança alimentada pelas promessas de mudança social e política (ética, etc.). Em outros, mesmo sem ilusões quanto ao que poderia ser um governo Lula, esperança motivada pelo avanço institucional da democracia brasileira. Nos dois casos, a esperança estimulou pessoas que votaram em Serra, Ciro e Garotinho.


Essa dinâmica de esperança foi substituída, ao longo da crise de corrupção, por uma cristalização de antagonismos (e, mais recentemente, pela frustração com os dados da economia).


É o óbvio. Mas, freqüentemente, o óbvio é o mais difícil de entender.


O texto dedo-duro e fofoqueiro de Mainardi serviu para desvelar essa ira. E não por acaso em torno de protagonistas decisivos do processo, que são os jornalistas. Claro, é uma discussão que começa mal, com acusações intimidatórias, rancores, suspeitas, um caldo de cultura nada salutar. Mas quem disse que a vida é feita só de passagens límpidas?


Não se trata de abafar o descontentamento e a indignação. Não se trata de tolher o desabafo. Ao contrário: jogados na grande arena de discussão, produzirão algum resultado, se houver quem saiba tirar as devidas conclusões teóricas e práticas.


É indispensável que jornalistas, políticos e outras categorias com responsabilidades públicas tenham consciência dos estados de espírito coletivos dos destinatários de sua atividade. Estão convidados a ler os comentários. E a comentá-los