Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Antes não houvesse o que ler

Quanto pior uma notícia, melhor ela precisa ser contada.

Foi o que fez a Folha com a lambança dos salários no Congresso. Indo além do óbvio acachapante, contribuiu para azedar o dia do leitor com as seguintes informações:

1. A orgia não vai ficar nos 91% aprovados ontem pelas Mesas da Câmara e do Senado, cujos titulares, Aldo Rebelo e Renan Calheiros, ficaram por isso com a reeleição no bolso em 1º de fevereiro para mais dois anos no comando do Legislativo. O atrelamento dos vencimentos e vantagens de suas excelências aos dos ministros do Supremo Tribunal Federal significa mais um din-dinzinho a caminho. ‘Está pronto para ser votado na Câmara’, avisa a Folha, ‘projeto que aumenta o teto do Judiciário em 5%, passando para R$ 25.725.’

2. Do repórter e colunista Fernando Rodrigues, depois de mostrar que salários gordos não vacinam os legisladores contra a corrupção: ‘A média patrimonial declarada dos 13,9 milhões de contribuintes ao Imposto de Renda em 2000 foi de R$ 123,5 mil. Já os políticos vencedores em 2002 afirmaram possuir bens num valor médio de R$ 1,530 milhão – ou 1.139% acima dos brasileiros que declaram IR.’

3. De sete países relacionados numa tabela do jornal, o deputado brasileiro é o que mais ganha em comparação com o PIB per capita (o valor da riqueza nacional em dado ano dividido pelo total de habitantes). Somando salários, direitos e benefícios, nossos parlamentares federais recebem quase seis vezes mais do que o PIB per capita do país. Nos Estados Unidos, recebem três vezes – menos. Também no Canadá, na Alemanha, no Reino Unido e em Portugal, o PIB per capita é mais alto do que o salário dos deputados. No Chile e no México, uma coisa praticamente bate com a outra.

4. Frase lapidar do petebista pernambucano José Múcio Monteiro, à Folha, para justificar a esbórnia: ‘Se não tiver aumento vai haver fuga de cérebros. Se cérebros fugirem, vai ter CPI com bandido dos dois lados.’

Quando se lê a história da família queimada viva em Bragança, é preciso ter muita convicção sobre o que é certo e o que é errado numa sociedade para não sair clamando pela pena de morte. Quando se lê a declaração do deputado, é preciso ter muita fé na inerente superioridade da pior democracia sobre a melhor ditadura para não sair clamando pela volta dos milicos.

Mas a tristeza não acabou. Fazendo a sua parte no teorema de contar bem noticias más, o Estado dá hoje merecida página inteira às mais recentes projeções do IBGE sobre o futuro dos brasileiros. Elas indicam que em 2030 as desigualdades regionais no país continuarão a ser a chaga que são. ‘Mais de duas décadas’, anuncia o jornal, ‘não bastarão para reduzir diferenças em taxa de mortalidade infantil e expectativa de vida’.

Saudade daqueles dias em que, depois de folhear o jornal, vem aquela sensação de que não tem nada para ler. Não é à toa que os gringos dizem ‘no news is good news’.

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