Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Apertem os cintos: come-se e bebe-se no Aerolula!

Tem toda a razão o ex-presidente Fernando Henrique ao se queixar ontem ao stringer do Estado em Lisboa, Jair Rattner, da divulgação seletiva dos gastos palacianos.

“O fato grave é ter havido um dossiê discriminando gastos, apresentando alguns e deixando de fora outros”, disse. “Todos os gastos que estão lá são gastos normais do governo, com comprovantes”.

Só faltou ele combinar com o deputado Vic Peres Franco, do DEM paranese, que repassou ao mesmo jornal um documento da CPI dos Cartões com as despesas dos dois aviões que servem ao presidente Lula, numa viagem a Nova York em setembro do ano passado, com quatro governadores e dois ministros, entre outros convidados.

E só faltou uma foto mostrando o ar de felicidade do editor que digitou o título “US$ 5.926, em comes e bebes, a bordo do Aerolula”.

“Na viagem de volta”, consta do texto – fazendo lembrar os factóides que o jornalista Carlos Brickmann publica toda semana no Observatório da Imprensa, com a observação irônica de que não é possível viver sem conhecê-los -, “foram servidas duas refeições por pessoa: almoço e lanche leve”.

Que coisa extraordinária! Espanta que não tenha sido a manchete do dia.

O texto é caridoso com o leitor – mas nem tanto. Informa que constavam do cardápio entradas com porco, peixe e carne bovina. E que o prato principal foram frutos do mar. Mas assim, nada mais? Porco, peixe, carne bovina e frutos do mar à moda de quem? Com quais ingredientes?…

Feitas as contas, na seleta cabine presidencial, os “comes e bebes” destacados pelo Estadão custaram o equivalente a US$ 125 por boca. Na segunda classe, US$ 59,74. Que esbórnia!

O ponto a que quero chegar é óbvio. A questão do aprovisionamento das despensas terrestres e aéreas do atual presidente e do antecessor, tratada pelos políticos e a mídia como se dela dependessem os pilares da República e da democracia, é, afinal, o que essa matéria e as planilhas vazadas do dossiê deixam claro: uma ridicularia.

P.S. O valor das coisas

A Folha enterrou a informação no quarto dos cinco parágrafos de uma matéria. O Estado deu a notícia num boxe. O Globo, com um título de duas colunas. Já o Valor abriu com o assunto a seção política da edição de hoje, sob um título de cinco colunas e duas linhas:

“Lula diz que rompe com PT se o partido insistir em 3º mandato”.

Dar aos fatos o valor que merecem, a partir de critérios estritamente jornalísticos, é mesmo um dos maiores desafios da imprensa.