Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A rede de leitores vale mais do que o autor e o título de um blog

Criar uma rede de usuários é hoje o patrimônio mais importante que um projeto online pode ter. Já foi se o tempo em que terras, máquinas, prédios ou gente eram os bens que determinavam poder e riqueza. Também já passou a era em que o capital intelectual, armazenado em cérebros humanos e artificiais, fazia a diferença.


 


Hoje, as redes são a malha que garante a circulação de dados, informações e notícias que permitem a geração de conhecimentos, que por sua vez são a base dos processos de inovação tecnológica que produzem bens e serviços para o consumidor. Por isto, a rede ou redes criadas por uma entidade são o seu principal ativo, o que no caso do Código Aberto e do Observatório da Imprensa, são os nossos leitores, desde os que apenas passam os olhos pelos textos até os que postam comentários e interagem com outros leitores.


 


Se fosse por patrimônio físico, intelectual ou humano, o Observatório não poderia comprar a prazo numa loja de departamentos. Nosso valor não está na cabeça de quem produz os conteúdos, mas na dos que visitam nossa página, alguns com regularidade suíça. Há leitores e comentadores que já conhecemos pelo nome e pelo teor de suas contribuições.


 


Ao longo dos últimos cinco anos houve uma evolução notável no perfil e no comportamento dos integrantes da rede do Código. Depois da fase da catarse, quando predominava o confronto, o bate-boca e não raro o xingamento, chegamos hoje a uma etapa em que a maioria dos comentários na verdade são quase posts, tal a densidade de idéias e de informações neles contidos.


 


É altamente gratificante estar numa rede como esta, onde diminuem cada vez mais as diferenças entre autor e leitores. Estamos nos transformando naquilo que os norte-americanos chamam de produsers (simultaneamente produtores e consumidores).


 


Vários leitores do Código já me mandam mensagens por correio eletrônico sugerindo temas e fontes. Outros conversam entre si usando o espaço dos comentários. E há o grupo dos que já se sentem de alguma forma donos do espaço de comentários. Há meses eu sugeri a um leitor que criasse o seu próprio blog porque suas colaborações eram tão interessantes, consistentes e fundamentadas que mereciam um espaço próprio.


 


A resposta do leitor me deixou perplexo. “Para quê vou criar um blog se já tenho o teu”, disse o leitor. Neste momento, caiu a ficha de uma discussão teórica sobre co-autoria. O Código já não era mais o produto de um só autor, mas de muitos autores. Estava escapando do controle de um único dono para ser de uma rede, o que implica uma sensível mudança de responsabilidades.


 


Como responsável final pelo Código, passo a ser também o responsável pela transparência e pela infra-estrutura da rede surgida em torno do blog. Por seu lado, os leitores e comentaristas deixam de ser meros espectadores ou voyeurs casuais para se transformarem em parceiros de uma empreitada. Os leitores são tão beneficiados pela rede quanto eu, como responsável.


 


A maioria deles ainda não se deu conta disto e muitos resistem a esta mudança, preferindo a posição tradicional e mais cômoda. No passado, a mídia forçou o público a posição de espectador descompromissado. Isto é fácil, mas deixa o indivíduo de fora do processo de troca e produção de conhecimentos. Ele fica sem uma parcela importante das ferramentas necessárias para acompanhar a modernização técnica e social. É o chamado excluído.


 


Sair da arquibancada e entrar em campo exige mais participação, o que implica também solidariedade e colaboração. Se os jornalistas estão tendo que aprender a duras penas que não são mais os donos da notícia e nem os juízes da informação, por sua parte o público começa a descobrir o ônus da interatividade e da participação em redes.


 


O público ainda acha que é mais cômodo pular de rede em rede, sempre que algo o desagradar. O que ele ignora é que cada mudança vai exigir um período de adaptação durante o qual a troca será pouco intensa e, consequentemente, também os benefícios. Acabará descobrindo que é preferível mudar a rede do que mudar de rede. Aí ele descobrirá que é também responsável pela sua existência e pela sua sobrevivência tanto intelectual como material.


 


Era esta a reflexão que gostaria de fazer nesta véspera de Natal e de Ano Novo numa conversa virtual com pessoas, como você, que visitaram este blog ao longo de 2009. Se o Código Aberto representa alguma coisa hoje, esta coisa é a rede de leitores. É a rede de todos os que participam do esforço do Observatório da Imprensa.


 


Feliz Natal.