Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Aspas ocultam poder mediúnico da imprensa

No post do dia 23 passado, esse blog observou que ‘fontes não identificadas esquentam noticiário e iludem leitor’. O assunto reverberou no espaço do ombudsman da Folha de S.Paulo de ontem, com considerações contra e a favor do uso de fontes anônimas e resvalou sobre certo ‘jornalismo mediúnico’, que traz para a imprensa frases inteiras de autoridades ou personagens de escândalos em ambientes reservadíssimos.

Um truque bastante usado – e que os leitores podem seguir – é que o repórter que revela a intimidade sempre sai de cena, deixando a repercussão da bomba para colegas que não participaram da sessão espírita. É só observar, principalmente no jornalismo político produzido em Brasília.

Uma prova desse exagero pode ser encontrada na revista Veja desta semana, onde as aspas atribuídas ao ministro da Fazenda, Antonio Palocci, durante reunião com o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, são diferentes.

Na página 39, na seção ‘Veja essa’, a revista diz que Palocci afirmou:

‘Não aceito ser fritado publicamente. Não serei outro José Dirceu, que foi se esvaindo em sangue, perdeu o poder, o cargo e agora pode perder o mandato’.

Cinco páginas depois, a dramaticidade muda de tom, mas as aspas continuam as mesmas. Disse Palocci, conforme se lê na página 44:

‘Virei o centro das atenções. Administro crise de partido, de governo, de economia, de Ribeirão Preto, tudo publicamente. É demais. Não posso ser fritado. Se for pára virar um José Dirceu, eu saio’.

Fica a dúvida e a escolha múltipla para os leitores saberem qual é a verdadeira frase:

Opção 1: Palocci disse as duas frases reproduzidas na revista. Neste caso, abre-se uma nova frente para futura investigação: sua fixação pelo deputado José Dirceu.

Opção 2: Palocci disse apenas a primeira frase num apelo dramático ao presidente da República, tudo para não ‘virar um José Dirceu’.

Opção 3. Palocci disse a primeira frase, mas depois viu que não pegava bem a expressão ‘esvair-se em sangue’, trágica demais, e tentou aliviar a carga trágica produzindo a segunda versão da frase. Afinal, um médico diria ‘hemorragia’ no lugar de ‘esvair-se em sangue’.

Opção 4. Nenhuma das anteriores. As diferentes versões são resultado de interferências externas ocorridas durante a transmissão mediúnica.