Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Atenção: a volta da ‘direita raivosa’ na mídia pode reproduzir no Brasil o que acontece na Venezuela

Vários leitores deste blogue citam a necessidade de ter de ler mais de um jornal
para estarem bem-informados ou para não serem levados no bico pela
editorialização imposta às reportagens de, de uma forma ou outra, interferem na
opinião do (e)leitor. É inevitável reconhecer que esse risco realmente existe, e
que com a proximidade do ano eleitoral ele só tende a crescer. O perigo do
leitor comprar gato por lebre só tende a crescer, conforme alerta a coluna de
Luís Nassif, ‘A volta da direita inculta’, da Folha de S.Paulo de
domingo, 16/10/05.

O recente comportamento da mídia – particularmente o
da revista Veja – durante a campanha noticiosa iniciada com a exposição
da gravação do ex-diretor dos Correios, Maurício Marinho, demarcou o território,
trazendo à tona ódios que serão mantidos enquanto Luiz Inácio Lula da Silva
mantiver-se na Presidência da República. A exibição de corrupção explícita de
Marinho escancarou a imprensa para resultados obtidos mediante arapongagem e não
de reportagem – é sempre bom lembrar. Várias das denúncias apontam o controlador
do Banco Opportunity, Daniel Dantas, como patrocinador – defendido a unhas e
dentes por parlamentares do PFL e do PSDB, como se viu não só no depoimento do
banqueiro na sessão conjunta das CPMI dos Correios e da Compra de Votos, mas
também nas intervenções pró-Dantas que nasceram no Congresso por causa do
litígio do Opportunity contra os três maiores fundos de pensão de estatais e o
Citibank.

Nassif dá atenção secundária à previsível adesão da imprensa à
dobradinha PFL-PSDB. Seu artigo fecha o foco sobre o renascimento da ‘direita
raivosa’. No que toca ao risco de o (e)leitor ser ludibriado, ele diz:


‘Agora, parte da mídia começa a investir em algo inédito na história
recente do país: o rancor de uma direita ultra-radical, tão maniqueísta,
autoritária e primária quanto a esquerda xiita antes de chegar ao poder. Mas com
uma diferença fundamental: o esquerdismo infiltrava-se em algumas redações, no
enfoque de matérias, mas não se constituía em opção editorial. Nesse período, o
contraponto eram alguns expoentes de uma direita culta.

Agora, na luta
pela diferenciação, alguns colunistas e órgãos de imprensa passaram a investir
-como opção editorial-, no radicalismo da direita inculta. São uma espécie de
Severino Cavalcanti com roupas de grife, o exemplar típico da classe média
emergente européia dos anos 20, descrito por José Ortega y Gasset (1883-1955) em
sua ‘Rebelião das Massas’.’

O maior dos perigos do engajamento
partidário da mídia – que não admite nenhum tipo de controle social, embora
pregue controle em todos os poderes da República – é de conduzir o Brasil à
mesma situação da Venezuela. O ápice dessa interferência foi atingido no golpe
frustrado contra Hugo Chávez, em 2002, quando as emissoras privadas de televisão
serviram como instrumento dos golpistas, incitando a população ao confronto
violento, ao mesmo tempo em que a única rede de televisão pública foi posta fora
do ar. Trata-se do pior dos mundos. O golpe fracassou, mas a atuação das
empresas de mídia como partido político, três anos e meio depois da sublevação,
ainda deixa sua pior marca na sociedade venezuelana: o virtual desaparecimento
dos partidos de oposição. A fraqueza institucional dos partidos políticos do
Brasil aumenta o perigo para que o mesmo ocorra aqui. Hoje, para governar,
Chávez não negocia com os partidos de oposição, mas limita como pode o trabalho
da imprensa – e com leis aprovadas pelo Congresso, onde os partidos de oposição,
que deixaram se levar pelo poder da mídia, perderam toda e qualquer influência
nos destinos do país.

A identificação da ‘direita tosca’ nos meios de
informação apontada pela coluna de Nassif está à vista de todos – basta querer
ver. Um dos expoentes desse radicalismo burro tem seu espaço na revista mais
vendida do país. Nesta semana, por exemplo, ele confessa que está se lixando
para o que pensa o leitor. Seu negócio é outro – e ele não diz qual. A repetição
monocórdica de seu discurso já dá sinais de estar cansando, como mostra a
ausência de seu nome entre os assuntos que os leitores da revista mais comentam.






Íntegra da coluna Luís Nassif, Foilha de S.Paulo –
16/10/05


A volta da direita inculta

Não haverá
eleição fácil no próximo ano. O paroxismo da cobertura dos escândalos do governo
fez Luiz Inácio Lula da Silva sangrar, mas não morrer. Em contrapartida, deu gás
para o aparecimento de um personagem que parecia extinto: a direita raivosa, que
havia desaparecido com o fim do ‘milagre’ dos anos 70.

Quando se
transforma em superlobista o poderoso Vavá, alguma coisa deu errado. O único
feito registrado de Vavá foi ter levado um grupo ligado à Federação dos
Hospitais ao Palácio do Planalto, sem avisar o assessor presidencial com quem
deveria ocorrer a reunião. Segundo o assessor, Vavá era muito bonzinho, o pleito
até que era justo, mas havia um advogado muito impertinente no grupo, razão por
que nem cafezinho foi servido. Mas durante alguns dias o poderoso Vavá ganhou
espaço digno de um Waldomiro e de um Delúbio.

Há uma tonelada de
suspeitas para serem investigadas, inclusive intenções passadas iluminadas pelas
informações que surgiram com as CPIs -como a, agora esquecida, medida provisória
que legalizaria a atuação dos bingos no país. Mas a cobertura já entrou em ritmo
de Vavá. E Lula continua vivo, mesmo sangrando e sem dispor de um projeto de
país.

Mas quem tem o projeto? Se a crise cambial não se manifestar no
próximo ano, se a conjuntura internacional se mantiver favorável, os erros da
política econômica aparecerão apenas após a campanha.

No próximo ano se
terá numa ponta Lula, na outra a reedição da aliança PSDB-PFL, algum populista
ou conservador correndo por fora, muito ódio acumulado para ser despejado de
todos os lados. E um componente novo na história: a volta da direita
tosca.

Desde a campanha das diretas, a discussão pública foi atormentada
pelo radicalismo infantil da esquerda xiita, pelo maniqueísmo, pelo denuncismo
que brotava da aliança entre quadros petistas e procuradores.

Agora,
parte da mídia começa a investir em algo inédito na história recente do país: o
rancor de uma direita ultra-radical, tão maniqueísta, autoritária e primária
quanto a esquerda xiita antes de chegar ao poder. Mas com uma diferença
fundamental: o esquerdismo infiltrava-se em algumas redações, no enfoque de
matérias, mas não se constituía em opção editorial. Nesse período, o contraponto
eram alguns expoentes de uma direita culta.

Agora, na luta pela
diferenciação, alguns colunistas e órgãos de imprensa passaram a investir -como
opção editorial-, no radicalismo da direita inculta. São uma espécie de Severino
Cavalcanti com roupas de grife, o exemplar típico da classe média emergente
européia dos anos 20, descrito por José Ortega y Gasset (1883-1955) em sua
‘Rebelião das Massas’.

De Olavo de Carvalho herdaram as fixações, não o
brilho. Estão longe do cartesianismo brilhante de um Gilberto de Mello Kujawski,
de um Oliveiros Ferreira, de um Miguel Reale. Usam a opinião como arma, com a
sutileza de um halterofilista trinchando um frango em restaurante de luxo.
Valem-se de estereótipos, da exacerbação do ódio em todos os níveis -seja para
atingir um ‘inimigo’ político ou para exprimir mera opção estética. Têm a
certeza férrea dos ignorantes.

Entre eles, há alguns talentos genuínos,
que brandem o discurso por esperteza. Na maioria, se guiam apenas pelo ‘feeling’
-e aí reside o perigo. Por incultos, respondem intuitivamente a uma demanda dos
leitores. E há demanda por ódio, radicalização, simplificação e
autoritarismo.

O resultado tem sido a editorialização da notícia, o
exercício de um opinionismo autoritário e raso, que choca o público mais
sofisticado, o leitor mais instruído, mas soa como música para uma classe média
que há pelo menos 15 anos se deleita com linchamentos e catarses.

É esse
o clima que se espera nas próximas eleições. Numa ponta, Lula, ferido e sem
projeto, mas vivo, indo à forra. Na outra, uma oposição ainda sem discurso e sem
projeto, por isso mesmo suscetível de encampar esse discurso do ódio.

Vai
ser necessário muito bom senso, a consolidação de pactos em torno de lideranças
com idéias e moderação para tirar o oxigênio da radicalização.