Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Brancos e negros: que venha a polêmica

Na edição do Observatório da Imprensa atualizada anteontem, em artigo intitulado “Brancos e negros no Brasil: comunicando a verdade”, elogiei sem restrições a forma original e contundente que os autores do relatório ‘Racismo, pobreza e violência’, em especial o sociólogo e economista Marcelo Paixão, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, encontraram para caracterizar – e fazer perceber num relance – a dimensão da desigualdade racial entre os brasileiros.

Eles criaram, estatisticamente, dois Brasís. Um só de brancos, outro só de negros e pardos. O primeiro seria o 44º país de maior progresso humano no mundo. O segundo, o 104º.

Hoje, no Globo, o colunista Ali Kamel, no artigo ‘Sensacionalismo acadêmico’ critica severamente o trabalho, a que se refere como “um cozido dos muitos estudos que nos últimos tempos tentam provar que, no Brasil, brancos dominam negros”.

Ele investe em especial contra a afirmação de que entre 1992 e 2001 o total de brasileiros brancos abaixo da linha da pobreza diminuiu 5 milhões, enquanto o de negros e pardos do mesmo estrato aumentou 500 mil.

Kamel contesta a conclusão de que só os brancos melhoraram de vida. Segundo ele, aconteceu outra coisa: como a população negra cresce mais do que a branca – 49,2% contra 31,9% a contar de 1982, segundo o IBGE – também cresceu mais, em termos absolutos, embora não proporcionalmente, o número de negros abaixo da linha da pobreza.

Ele vai mais longe. Diz que “a pobreza caiu muito mais acentuadamente entre os negros do que entre os brancos”. E ataca: “Naturalmente, o PNUD [Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, responsável pelo relatório] não fez essas contas, preferindo aquele outro recorte “sensacionalista”. Eu chamo isso de manipulação”.

É de esperar que, se não já amanhã, nos próximos dias, os autores se manifestem no Globo contestando pelo menos as pesadas acusações de sensacionalismo e manipulação.

No mérito, o debate sobre as relações raciais no Brasil, desde que calcado nos melhores dados que for possível levantar e nos melhores métodos para analisá-los, é absolutamente bem-vindo, até porque envolve a polêmica das políticas de “ação afirmativa” em benefício da população negra (e indígena), em especial a adoção de cotas raciais para o ingresso na universidade e no serviço público.

Mas, esteja certo ou errado o colunista nas suas críticas, uma coisa é inquestionável: tudo considerado, o brasileiro branco típico continua vivendo melhor do que o seu compatriota negro típico.

E a maneira de traduzir isso mostrando que lugares distantes um do outro ocupariam no mundo um Brasil exclusivamente branco e outro, exclusivamente negro, é um achado em matéria de comunicação.

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