Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Campanhas eleitorais, o paraíso dos ‘doutores’ em meias verdades


Nas guerras costuma-se dizer que a primeira vítima é sempre a verdade. A atual campanha eleitoral brasileira, embora não tenha sido uma guerra, não ficou a dever em nada em matéria de meias verdades.


Fatos e números fora de contexto são como a famosa imagem do copo meio cheio ou meio vazio. As meias verdades tem como complemento inseparável as meias mentiras, seja por omissão, falsificação ou distorção.


O uso de meias verdades tornou-se tão intenso aqui e no exterior que surgiu em torno delas uma nova profissão que os norte-americanos apelidaram de spin doctors ou seja, os especialistas em torcer fatos, realidades ou estatísticas para justificar interesses e objetivos de quem os contrata.


Isto leva a uma situação de desorientação informativa por parte dos leitores que acabam empurrados a descrer de tudo como recurso para não serem induzidos ao erro. Nesta campanha eleitoral foram raríssimos os jornais e revistas que se esforçaram para separar as meias verdades das meias mentiras, o que aumentou o ceticismo dos leitores em relação aos políticos e à própria imprensa.


A bem da verdade é necessário que se diga que as redações teriam que ser ampliadas em número de profissionais para poderem contextualizar a avalancha de meias verdades produzidas pelos ‘spin doctors’ dos candidatos.


Mas a preocupação com os orçamentos fez com que a grande maioria dos veículos de comunicação adotasse a solução mais simples, ou seja, reproduzir as declarações de candidatos e servir de instrumento para denúncias que, em ambiente eleitoral, são inevitavelmente vinculadas a interesses políticos.


Para tentar sobreviver minimamente num ambiente como este, o leitor não tem outro recurso senão recorrer ao que os acadêmicos chamam de ‘leitura crítica‘, ou seja informar-se tentando identificar as meias verdades e, por consequência também as meias mentiras.


Trata-se de um recurso de sobrevivência na selva informativa e um expediente que obriga o leitor a um esforço adicional, porque ele acaba tendo que funcionar como se fosse também um repórter.


Na hora em que alguém é levado a fazer isto ele acaba substituindo o papel da imprensa e descobrindo que pode viver sem ela.


A leitura critica é um atestado claro da incapacidade da nossa imprensa de atender às necessidades informativas dos leitores, que retribuem com o descrédito que por sua vez gera a queda de tiragens e a redução da rentabilidade dos jornais, entre outras consequências.


A avalancha informativa complicou sobremaneira a vida do cidadão comum que tornou-se mais vulnerável a ação dos ‘spin doctors’ cuja atividade não se limita apenas à política. Os doutores em meias verdades não são criminosos. Eles fazem o que mandam fazer. O problema acabou sendo jogado para o leitor.


A imprensa não pode ser responsabilizada pela orgia de meias verdades na campanha eleitoral. Ela foi vítima e em alguns casos cúmplice. Perdeu uma oportunidade única para reconquistar um mínimo de credibilidade dos leitores porque preferiu a rotina da agenda voltada para os políticos e para a política, num país real onde o cidadão está cada vez mais distante tanto de ambos.