Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Celular desequilibra o jogo

Ontem à noite no programa de televisão do Observatório da Imprensa discutiu-se a popularização dos blogs no contexto da crise do ‘mensalão’.


Trata-se, como se sabe, de um fenômeno baseado em mudanças tecnológicas. Melhor dito, absorção por um número maior de internautas de possibilidades criadas pelo advento da internet. O blog antes de ganhar esse nome surgiu em 1994. O nome foi dado em 97. (Informações disponíveis na Wikipedia em inglês.)


O que se chama de ‘reportar em tempo real’ existe presencialmente desde sempre. Ver uma cena e descrevê-la para outro(s). É o que faz o soldado numa posição de observação, na guerra a pé ou a cavalo. A linguagem semafórica, refinamento de outras (sinais de fumaça, por exemplo), foi muito usada. Chegou a haver na Europa, no século XVIII, um sistema complexo de transmissão e retransmissão de sinais semafóricos, usando colinas e, na falta delas, torres de madeira.


A faculdade de acompanhar um acontecimento sem usar diretamente a visão existe desde a criação do telégrafo. Depois vieram o telefone, o rádio, a televisão e a internet (há etapas bem distintas no desenvolvimento de cada um desses meios).


O primeiro jornal impresso data de 1605. (A fonte aqui é ainda a Wikipedia; que tal comemorar o quarto centenário do jornal?) Sobreviveu a todas as mudanças nesses quatro séculos. De que estamos falando, então?


Proponho usar dois referenciais para pensar jornal X ‘tempo real’ na era digital.


De um lado, o que o editor pode fazer com papel (espaço finito)/rede e horário de distribuição (articulação espacial bastante rígida e prazos idem), em comparação com os atributos da internet: espaço ilimitado, rede de distribuição ilimitada e permanente, e maleabilidade temporal. De outro lado, o que o leitor, havendo luz natural ou artificial, pode fazer com o texto (ou imagem) em papel, em comparação com o texto (ou imagem) na internet. O leitor tem liberdade praticamente ilimitada com o papel: pode transportá-lo à vontade, dobrá-lo, arrancar folhas ou recortes, ler quando e como quiser. Mas o acesso à internet é muito mais trabalhoso do que o acesso ao jornal ou à revista.


Onde reside no horizonte de hoje o diferencial que pode fazer a balança pender para o lado digital? Resposta: telefonia móvel. Provavelmente, é daí que virão novos desenvolvimentos na comunicação de massa. O celular já trabalha com texto nas duas pontas, emissão e recepção. E já é a ferramenta usada por repórteres ou testemunhas para transmitir voz e, mais recentemente, imagem.


Talvez os editores de jornais não se entusiasmem com o potencial da telefonia móvel para repensar sua relação com os leitores. Até hoje não se entendeu direito o que significou a chegada do rádio, da televisão e da internet. Mas cada vez menos o processo de edição poderá ignorar a disseminação e os novos usos do celular.


O acesso à internet com mobilidade obrigará o jornal a buscar a profundidade e a capacidade de articulação dos fatos. Ou o periódico ficará falando sozinho para pessoas que já sabem o que ele vai imprimir. Pessoas que, salvo em situações bastante peculiares, como a da China e a da Índia, compram cada vez menos jornais.